Lucas Lautert Dezordi, professor titular do curso de Economia da Universidade Positivo (UP) e sócio da Valuup Consultoria; e Luís Gustavo Budziak, professor da Pós-Graduação da Universidade Positivo (UP) e sócio da Valuup Consultoria
Em outubro, o Senado aprovou a medida provisória do Refis, encaminhando-a para a análise da Presidência da República. A ideia central consiste em permitir que pessoas físicas e empresas com dívidas assumidas com o Fisco parcelem seus débitos com descontos de juros e multas. Sabemos que na atual situação das empresas essa ação do governo poderá ajudar na melhora de seus indicadores econômicos e financeiros e favorecer a retomada dos canais de crédito, fundamentais para a recuperação da atividade produtiva. Entretanto, destacamos que as adoções constantes de medidas de renúncia fiscais podem abrir espaços perigosos para a dinâmica e os ciclos econômicos e, por isso, gostaríamos de reforçar nossa posição contrária a esse tipo de medida.
A necessidade recorrente de salvamento de várias empresas pela renúncia fiscal, em períodos de recessão, poderá gerar mudanças no comportamento futuro dos empresários brasileiros, inclusive aqueles que mesmo em grandes dificuldades não venham medir esforços para manter suas obrigações tributárias em dia. O problema do risco moral poderá gerar uma cultura empresarial perigosa. Observem a seguinte situação: a economia brasileira, por motivos internos ou externos, inicia um período de maior incerteza e pessimismo, ocasionando uma desaceleração de sua atividade produtiva. As empresas começam a enfrentar uma maior dificuldade de caixa, principalmente as mais alavancadas. Os empresários reconhecem o passivo fiscal, mas deixam de honrar seus compromissos tributários, esperando um novo Refis. Ele protege seu caixa, mas o governo arrecada menos. Caso esse movimento ocorra de forma sistêmica, em virtude de uma nova cultura empresarial, o governo deixa de arrecadar receitas primárias relevantes.
Sabemos que as despesas obrigatórias do setor público brasileiro exigem um desembolso expressivo de recursos, seja para manter o funcionamento da máquina pública ou dos programas de assistência social, incluindo aposentadorias e benefícios. A situação fiscal começa a se deteriorar. O que o governo faz? Reduz seus gastos com investimento produtivo e aumenta seu nível de endividamento. A primeira ação poderá contribuir para que o ciclo de forte desaceleração rapidamente torne-se uma recessão econômica. O Estado ficará travado para realizar seus movimentos contra cíclicos de expansão de investimentos públicos e reversão das expectativas pessimistas dos empresários.
A segunda ação prejudicará a dinâmica da dívida pública em relação ao PIB. Como a dívida bruta brasileira já ultrapassou o limite superior seguro de 60% do PIB, entendemos que renúncias fiscais são ações que poderão prejudicar a administração financeira do Estado, principalmente durante a recessão. O crescimento rápido e perigoso da razão dívida/PIB aumenta o risco país, desvalorizando a taxa de câmbio. A economia passa a enfrentar uma maior pressão de câmbio e preços, isto é, um período de estagnação econômica com inflação, conhecido pelos economistas como estagflação.
Visto que o atual Refis é um fato praticamente consumado e entrará em vigor nos próximos dias, sugerimos que o governo federal venha a sinalizar mudanças importantes. Primeiro, a reforma tributária, principalmente buscando a simplificação, transparência e eficiência dos impostos indiretos. Neste caso, a criação de um imposto único sobre o valor agregado é interessante. Segundo, a sinalização que o Estado não irá adotar, de forma recorrente, medidas de parcelamento de débitos tributários, evitando alimentar uma cultura empresarial que prejudica o exercício da função estabilizadora do setor público brasileiro.