Arlindo Philippi Jr. e Maria Vasconcellos, professores da Saúde Pública; Sonia Coutinho, pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Ciências Sociais e Sustentabilidade. Este artigo foi produzido no âmbito do processo nº 2016.1.919.0, projeto Experimentações Urbanas, novas ideias e soluções sustentáveis para cidades, Ano Sabático 2017/2018, IEA da Universidade de São Paulo (USP)
Intervenções urbanas e o uso intensificado da tecnologia são práticas cada vez mais presentes, como ferramenta na coleta de informações, no uso de serviços públicos, no recolhimento de taxas e tributos, nos serviços urbanos, nos serviços de segurança pública e na vida prática das pessoas.
Também observamos um número crescente de novas denominações às cidades – inteligentes, inclusivas, resilientes, sustentáveis, digitais, saudáveis e empreendedoras, entre outras. Há um crescente interesse em destacar o protagonismo por meio da comunicação digital entre as instituições e organizações com seus habitantes, e entre estes, com o uso permanente de redes sociais. Ou seja, pretende-se, com o uso de tecnologias, responder soluções cotidianas urbanas, influenciando um novo conceito de se viver em sociedade.
Perante este contexto de conectividade, ainda em processo, a aposta é como não perder de vista valores mais justos, igualitários, sustentáveis e colaborativos, uma vez que as tecnologias não são, nem deveriam ser, desenvolvidas para substituir relações humanas e valores sociais e culturais.
Experimentações urbanas e reflexões acadêmicas
Neste artigo pretende-se refletir sobre quais benefícios efetivos podemos identificar a partir da perspectiva política, humanista e constitucional para a coletividade no âmbito da sustentabilidade urbana.
Considerando-se a amplitude e complexidade do tema, um caminho trilhado foi debruçar-nos sobre as experimentações urbanas como possibilidade de aproximação com movimentos em pequena ou média escala, mas com capacidade de influenciar grupos e movimentos sociais em diversos países, cidades e bairros. O Colóquio Internacional Experimentações Urbanas, promovido pelo IEA-USP, se propôs a refletir caminhos neste sentido.
A partir da apresentação sobre as experimentações urbanas em Paris, foi trazido o Reinventar Paris e o Urban Lab Paris and Co – conceitos-chave que estiveram presentes na apresentação de Jean-Louis Missika.
Mais do que um slogan, Missika apresenta a mudança de um paradigma no planejamento urbano, emergindo um “urbanismo tático no qual não se procura impor uma planificação urbana, mas sim testar possíveis soluções, equivocar-se e fazer ajustes”.
As experimentações urbanas são necessárias para atores diversos, como as startups, grandes grupos e laboratórios de pesquisas (Labs). O papel do poder público, neste contexto, é viabilizar espaço público, fornecer acompanhamento e avaliação, delimitando áreas e edificações históricas, com possibilidade de cocriação de novos usos e adaptações em caráter inicialmente experimental para, posteriormente, ganhar em escala ou influenciar outras iniciativas.
Ao refletir sobre a experimentação, tomando como exemplos as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, Eduardo Marques, Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto e Ana Fani Alessandri Carlos ressaltam os conflitos de interesse entre setores privados e públicos na formatação urbana. A cidade como “lógica de negócio”, sem estar acompanhada de princípios de solidariedade e equidade social, pode causar uma fratura em relação aos interesses por melhorias e transformações na direção das necessidades de grupos sociais, com maior vulnerabilidade ou não, que compõem as comunidades locais.
Ressaltam que as experimentações não devem ser consideradas como substitutivas do poder público e das funções do Estado, principalmente em sociedades com profundas desigualdades sociais como a brasileira, portanto, as ações criativas e inovadoras não devem ser colocadas como soluções para a omissão dos governos na condução das políticas públicas. Projetos políticos, na lógica do empreendedorismo urbano, ainda não estão claros, dificultando que mecanismos legais já existentes se efetivem.
Ao estimular as cidades em seus novos protagonismos, ganham destaque os conceitos de coparticipação e cocriação, devendo o poder público definir os investimentos na valorização de intervenções e na condução de ações promotoras de maior justiça social e econômica.
Impulsionar a ligação dos cidadãos com seus bairros de modo a possibilitar oportunidades econômicas, culturais, de lazer e convivência, incrementando tecnologias no cotidiano de grupos sociais e da infraestrutura urbana, pode levar a um maior controle social do uso do recurso público, das transformações urbanas locais e da criação de repertórios de demandas bottom up que poderão pressionar por novas políticas públicas urbanas. As experiências do Chile, do Rio de Janeiro e da Espanha exemplificam esta perspectiva.
José Guilherme Magnani e Vera Pallamin destacam que não existem cidades homogêneas e normalizadas como a lógica do poder político e econômico deseja, uma vez que os grupos sociais recriam e transgridem e, ao recriarem e transgredirem, recompõem novas dinâmicas urbanas, novos usos dos espaços públicos por meio de reivindicações coletivas e movimentos. O “ir para a rua” e o “ocupar a cidade” exemplificam movimentos de inconformidade com as questões que afetam a vida nas cidades e são articulados por meio do ativismo em rede, cada vez mais presente desde a década passada.
A importância da pequena escala e os experimentos urbanos
Com o crescimento das cidades surgem novas necessidades, entre elas, os ordenamentos territoriais e os aglomerados urbanos, levando muitos estudos a proporem a integração de planejamentos na escala local e regional. A publicação La inteligência del território: supercities traz exemplos de cidades que são capazes de superar seus limites administrativos, cooperar com os distintos níveis da administração e fomentar o diálogo entre setores público, privado e a sociedade para transformação do território, como Nova Iorque, Medellin, Barcelona, entre outras.
A política de revitalização urbana e sustentabilidade concebida em Portugal, ao criar o Programa Uma Praça em cada Bairro é um bom exemplo. Seu objetivo é a requalificação de espaços públicos como microcentralidades, “aumentando as áreas de estar ao ar livre, tornando-as mais confortáveis e seguras: alargar passeios, instalar esplanadas, plantar árvores, criar sombras, reintroduzir a água como elemento da paisagem urbana, atenuar o impacto do tráfego de automóvel, mas também incentivar a instalação de comércio e equipamentos coletivos de proximidade”.
Identifica-se a importância das redes digitais na captação de dados e imagens para o acompanhamento, monitoramento, cruzamentos de informações que circulam globalmente. Por outro lado, são crescentes os movimentos que priorizam princípios do desenvolvimento sustentável, local ou regional, com novas perspectivas de ecossocioeconomia e formas de economia social.
Ideias e ações para um novo tempo também circulam em nossa realidade, a exemplo da mostra do Sesc 2017, como experimentações e ações socioambientais, que potencializam novas formas de interação, ecoeconomia, territorialização de práticas produtivas em espaços urbanos e periurbanos, bem como na perspectiva das novas ruralidades. A visão da cidade trazida pela tecnologia em sua dinâmica e como apoio ao planejamento de ações do poder público.
Veja um fragmento temporal do “pulsar da cidade” de São Paulo, trazido pela tecnologia, que pode servir como apoio ao planejamento de ações do poder público e como informações para toda a sociedade, a partir de reclamações do Serviço de Atendimento ao Cliente – SAC – 156.
Por fim, discussões realizadas durante o colóquio possibilitaram o entendimento de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as COP 21 e 22, em seus aspectos urbanos, e a III Conferência HABITAT chegam como cartas de intenções, neste momento de grande relevância, devendo-se estimular que a importância das redes e das experimentações urbanas seja reconhecida, para que a materialidade das ações ocorra, possibilitando efetivamente transformações sociais, de forma justa, igualitária, colaborativa e sustentável e na perspectiva da diminuição das desigualdades sociais.