Mário Lanznaster é presidente da Cooperativa Central Aurora Alimentos e vice-presidente para o agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc)
Existem muitas coisas que os agentes econômicos em geral e os empresários em particular estão tendo cada dia mais dificuldade em tolerar. Uma delas é a crônica má gestão que impregna todo o setor público, incluindo a administração indireta e as empresas de economia mista, e que se revela pelo desperdício de dinheiro público, pela corrupção e pela ineficiência generalizada.
Outro desconforto do empresariado reside nas deficiências de infraestrutura que penaliza quem produz e anula a competitividade das principais cadeias produtivas do país. Um tema ligado ao agronegócio – a crise no abastecimento do milho – é um exemplo que exterioriza e une os fios desses dois fatores: gestão e infraestrutura.
O milho é um insumo essencial para gigantescas cadeias produtivas do Brasil. Duas delas estão em Santa Catarina, que detém o mais avançado parque agroindustrial da avicultura e da suinocultura do País. Para alimentar um rebanho anual de 1,2 bilhões de aves e 12 milhões de suínos por ano, empregam-se milhões de toneladas de rações cuja base nutricional em 70% é o milho. A produção brasileira de milho vem caindo, ora por efeito do clima (estiagens ou excesso de chuvas), ora por efeito do mercado (preços desestimulantes para o produtor rural). Para agravar, o governo, desatento, permitiu que se realizasse uma imensa e desmedida exportação desse valioso grão que pode chegar a 38 milhões de toneladas embarcadas. A ironia é que esse insumo foi e está sendo exportado para concorrentes do Brasil que o transformarão em proteína animal na disputa do mercado internacional de carnes.
Assim, de um lado, favorecemos os concorrentes e, de outro, prejudicamos a indústria nacional que, com a escassez do milho, sofre um brutal aumento de custo. Chegou a ser desconcertante assistir, nos portos brasileiros, o milho nacional sendo exportado, enquanto se desembarca milho da Argentina, numa operação kafkiana que poderia ter sido substituída pela racionalidade e pelos princípios da inteligência comercial agrícola, conceitos dominados e praticados por paises mais desenvolvidos.
O episódio do superencarecimento do milho está, agora, em curva descendente, mas, resultou em milhões de reais de custos adicionais para as indústrias e a insolvência de produtores rurais não protegidos pelo sistema integrado de produção avícola e suinícola.
Na economia, todos os fatos estão intrinsecamente ligados. A crise do milho impactou na inflação e atingiu a sociedade nacional, porque encareceu todas as carnes e os alimentos em geral. Da mesma forma, a má infraestrutura encarece a produção brasileira em geral e, em especial, a produção de alimentos. A falta de ferrovias, rodovias, hidrovias, armazéns, portos e aeroportos etc torna mais penosa e mais cara a produção de carnes, grãos, leite etc.
O exemplo de Santa Catarina ilustra bem essa situação. Todo ano a agroindústria catarinense precisa buscar no centro-oeste brasileiro cerca de 3 milhões de toneladas de milho para suprir o déficit interno desse insumo. Para isso são necessárias mais de 50 mil viagens de carretas/ano que custam 6 bilhões de reais. Se existisse uma malha ferroviária ligando o oeste catarinense, pólo das agroindústrias, com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esse custo cairia em pelo menos 1/3.
Vivemos um choque de realidade provocado pela atual crise. Uma das suas faces é o descontrole fiscal que eliminou a capacidade de investimento do Estado e até de manutenção dos serviços públicos. Tenho fé que esse choque de realidade leve a sociedade brasileira a compreender e aceitar que não existe salvação para o País sem uma reforma do Estado brasileiro para dar racionalidade a esse mastodonte caro e ineficaz, que drena recursos dos setores produtivos, consome-os em bolsões insaciáveis do funcionalismo público e devolve muito pouco em obras e serviços.
Em pouco mais de dois meses, o governo interino de Michel Temer colocou alguma ordem no caos político e institucional que reinava. Já existem sinais de que a crise desacelera e aproxima-se o início de uma esperada reversão. A sociedade espera que, com o fim da interinidade, o governo lance um programa de reformas imediatas e emergenciais para recuperar a viabilidade do setor público. Logo após, porém, será necessário, um programa de reformas profundas e dolorosas em muitas frentes para mudar essa situação, na qual, 90% dos gastos do Estado são obrigatórios e 75% são indexados.
A retomada do crescimento requer muitas reformas, mas, é consenso que o País requer uma urgente e modernizante reforma na Previdência e na legislação trabalhista para retomarmos as condições de empregabilidade, sustarmos a destruição de milhões de postos de trabalho e encorajarmos a volta do capital externo para investimentos produtivos no Brasil – algo que desapareceu há vários anos – e estimularmos os empresários brasileiros a novos empreendimentos. A reforma também deve ser política, destacando-se as vantagens do sistema eleitoral distrital misto, que melhora e equaliza a representatividade de todas as regiões e fortalece e aperfeiçoa a democracia representativa verde-amarela.
Esperança e confiança são dois ingredientes necessários à vida em sociedade. Sem elas, a sombra do pessimismo pode cair perigosamente sobre os indivíduos, obliterando a visão do mundo e exasperando a sensação de derrotismo e catastrofismo. Sou otimista. O Brasil é muito maior que a crise. Precisamos restabelecer a confiança e trabalhar pela reconstrução e pelo futuro.