"Os homens lutam com mais bravura pelos seus interesses
do que pelos seus princípios”.
(Napoleão Bonaparte)
“Nós trabalhamos
com o objetivo de tornar nossos produtos obsoletos,
antes que outros o façam”
[Bill Gates]
No meio de tantas incertezas, algo parece muito claro: o BNDES desempenhará papel central na ação governamental para retomada de investimentos. Mormente no que diz respeito a concessões, PPPs, arrendamentos e autorizações; objeto do recém lançado “Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República - PPI”
Ué! Mas ele não teve papel proeminente também na ação governamental da última década? Então... nenhuma novidade! Sim e não:
Desde sua criação, em 1952, o BNDES passou por várias transformações: de áreas de atuação, de visão e, até, de nome (nascido sem o “S” de social).
É possível observar, também, que ao longo desses 64 anos ele desempenhou um conjunto de papéis que poderiam ser organizados em 3 grupos claramente distintos: i) financiador (papel típico de um banco – o “B” de sua sigla), ii) consultor/gestor e iii) formulador de políticas públicas. Com uma peculiaridade: esses 3 papéis sempre estiveram presentes na sua atuação; porém com participações/ênfases distintas. Ou seja, com “blends” variáveis; ainda que muitas vezes reprisando “blends” anteriores.
E, uma vez mais, isso está por acontecer: o BNDES-consultor/gestor, pelo que se anuncia (01, 02), deve suplantar o BNDES-financiador: “O BNDES teve um papel central nas concessões passadas, alavancando muito os investimentos. Esse é um dos aspectos que se pretende mudar. Em alguns casos, o banco chegou a alavancar 80% dos empréstimos-ponte...”; “O banco vai assumir um papel de coordenação, parecido com o que tinha nos anos 90, que é o de contratar os consultores, ajudar na estruturação de projetos, prospectar vendedores”; sintetiza a sua Presidente, Maria Silvia Bastos Marques.
Essa mudança, além dos componentes conceituais e de visão envolvidos (evidentes!), tem um quê de pragmatismo: os recursos do banco, disponíveis para financiamentos/empréstimos, minguaram. E, com o fim da “nova matriz econômica”, aparentemente também as fontes, que periodicamente reabasteciam sua caixa d´água (01, 02, 03, 04, 05), também devem ser reduzidas ou, até, eliminadas... ao menos por algum tempo.
Visto de outra forma: uma parte dos recursos humanos e materiais do BNDES, sua experiência e conhecimento do seu qualificado quadro, dedicado no passado recente ao BNDES-financiador, por opção e/ou por contingência, deverão ser redirecionados e reforçar o BNDES-consultor/gestor. Ou seja, pode-se entender que ele assumirá tanto o papel que no passado recente vinha sendo desempenhado pela Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP como também, ao menos em parte, de estruturações que vinham sendo desenvolvidos pela iniciativa privada via PMIs e MIPIs (art. 16 da MP nº 727/16).
Do ponto de vista institucional e organizacional mudanças desse tipo, dessa escala, em geral não são nem simples, nem automáticas, nem “indolores”, nem de sucesso garantido; ainda que seja esperada certa flexibilidade da corporação vez que 70% do seu quadro tenha menos de 10 anos na empresa. De uma forma ou de outra, o próprio processo de concepção/implementação merece atenção – o que, certamente, deve estar no radar/pauta da alentadora diretoria recém-empossada.
Detalhes do conteúdo dessa transição ainda não são conhecidos. Mesmo assim algumas reflexões já podem ser feitas; principalmente com base em experiências anteriores:
Mudança de foco (ou, no mínimo, de ênfase), em muito similar, também ocorreu em meados dos anos 90: com o fim do estoque de empresas a serem desestatizadas/privatizadas, após uma década de um programa operoso (ao longo dos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC), o BNDES passou a se envolver com outorgas. Inicialmente na área portuária (Decreto nº 1.990/96) e, posteriormente, com concessões (ferrovias, telecomunicações, energia, etc) - Lei nº 9.491/97: Deste período/processo, as implicações e rescaldos são ainda hoje discutidos!
Uma primeira hipótese é que, na venda de empresas, o processo praticamente se encerra na transferência dos ativos. Já no das outorgas, a relação apenas aí se inicia... e dura anos. Uma outra hipótese é que, no caso das outorgas, além da modelagem, há dois outros ingredientes importantes: política pública e regulação. Esta foi bastante considerado na experiência dos anos 90; nem tanto as políticas públicas. O caso ferroviário pode ser um exemplo: ressente-se, até hoje, de melhores soluções nas interações entre as diversas concessões/malhas ferroviárias (tanto é que se quis alterar completamente o modelo há 3/4 anos!), de articulações intermodais, de tratamento ferrovia-tecido urbano; entre outras. Em diversos aspectos, o mesmo também ocorre nos portos e terminais portuários.
A preocupação latente, em parcela significativa dos atores que atuam nos diversos segmentos de infraestrutura, é que o filme se repita na transição que se avizinha. E que os imprescindíveis ajustes (01, 02, 03) nas modelagens (até mesmo para evitar novos insucessos!), por um lado, e agregação de definições de políticas públicas, com implicações sobre elas e sobre a regulação, por outro, sejam deixados de lado.
E riscos há; pois o BNDES deverá enfrentar o novo desafio em terreno não totalmente favorável:
i) Uma cultura “BNDES-dependente”, que se aprofundou no ciclo mais recente: o setor privado poderá contar menos com o BNDES; terá que andar mais com as próprias pernas... ou o programa de concessões e PPPs poderá ficar aquém do esperado.
ii) Sejamos claros e pragmáticos: uma coisa é ofertar consultoria/gestão com a possibilidade de financiamentos relevantes. Outra, muito diferente, é oferece-lo, apenas, como uma obrigação legal/normativa. No mínimo, isso demanda mais esforço e mais tempo.
iii) O Governo tem uma ingente necessidade de arrecadar com concessões e arrendamentos, a fim de compor a cesta do (imprescindível) ajuste fiscal. E isso, com urgência. Por conseguinte, a pressão sobre os dirigentes e técnicos do BNDES já deve ser imensa.
Em síntese, são condicionantes em princípio não convergentes. Em alguns casos, podendo até tencionar o processo em sentidos opostos. Um sistema de equações deveras complexo.
Grande desafio!
Também a torcida; vez que o BNDES é pilar central do PPI. E, este, do novo ciclo de desenvolvimento brasileiro, tão esperado.