Saulo Krichanã Rodrigues é economista, diretor geral do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec) e editor do Blogconpp
Há um aspecto perverso no decantado ajuste fiscal proposto para a sociedade: ele está subordinado a uma lógica política que o levará, endogenamente, a um retumbante fracasso.
Este apoio político é condição para aprovação das medidas propostas no Legislativo.
Mas é um “apoio político” que blinda o setor público em detrimento do setor privado, que paga a conta do ajuste pela via do desemprego e da perda de empregos de melhor qualidade; e da recessão de quase todos os setores, com o aumento da informalidade.
Fixar limites de evolução de gastos públicos com base em inflação passada e contingenciar crescimento de despesas de pessoal e previdenciária como salvaguardas de gestão aos esforços ora em negociação é uma piada de mau gosto que nem a Velhinha de Taubaté (ou de Tietê) ousaria acreditar. Pincipalmente se este ajuste (sic) cria uma bomba relógio que irá explodir no primeiro ano de mandato dos novos prefeitos e no ano de eleições para os governos estaduais e para a presidência da república...
A verdade é que a gestão pública faliu antes mesmo de 2015: desde a maturação do Plano Real que o Poder Público parece ter se contentado em manter um acompanhamento quantitativo da evolução fiscal do país – afora intervenções pontuais irrecorríveis – ao invés de ter executado uma política de ajuste fiscal efetiva, por meio de uma autoridade fiscal permanente, com poder de realmente exigir as contrapartidas que a LRF em toda a sua extensão exigia.
Isto mostra uma faceta recorrente da gestão pública no País: os instrumentos e ferramentas existem e não faltam pessoas capazes de operá-los.
Pior: quando se arromba a porta, rapidamente se apõe a tranca. Antes foi com a LRF; agora, são as ações de compliance e as práticas de governança...
Mas, há outras saídas?
Algumas, aliás, estão embutidas nas propostas para criar excedentes fiscais não permanentes como o são a Venda de Dívidas dos entes federados, a repatriação de recursos não declarados do exterior, além das concessões e concessões sob PPP.
No caso das propalada “venda de dívidas ativas” é preciso que se perceba que ao cogitar essa hipótese, o Executivo criou uma “moeda” que poderia usar entre os próprios entes federados.
A par de dívidas que se sabem “impagáveis” (como as de empresas falidas ou já extintas), seria interessante que o Executivo fizesse um “cruzamento operacional” destas haveres.
Perceberia, por exemplo, que muitos “devedores” da dívida ativa federal, são também devedores das dívidas ativas dos principais estados e municípios.
Se esta “dívida ativa” é uma “moeda”, porque não aceitar que se faça uma certificação do que vale ou não a pena e se aceita que os entes federados que não a União, utilizem parte dessas “moedas” – de trás para a frente, ou seja, de 2030 para 2015 – para liquidar o saldo devedor da LRF?
Até porque, a União poderia colocar este montante no Cadin e impedir que os devedores tenham acesso a créditos públicos ou à participação em licitações (inclusive as de concessões e concessões sob PPP).
Como contrapartida, só admitiria que os limites de endividamento abertos com a dação da dívida ativa pudessem ser utilizados para a esterilização dos gastos previdenciários e de investimento real, sendo vedado o seu uso em pagamento de despesas de pessoal.
Outro ponto diz respeito aos recursos não declarados que se pretende trazer do exterior, ou aos recursos que se pretende obter com as outorgas diretas indiretas das concessões sob a égide da Lei Federal 8.987 (inclusive daquelas que viriam do pré-sal): ao invés de se usar esses recursos em gastos correntes, eles deveriam constituir um fundo fiscal de contingência (ver BLOGCONPPP de 24 de novembro, 12 de maio e 30 de janeiro de 2015).
Apenas os rendimentos desses recursos poderiam securitizar aportes futuros do Fundo Previdenciário resultante da conversão entre o “novo” e o “velho” sistema previdenciário que urge reformar no País.
Ou seja, é usar o conceito dos Fundos de Endowment (criados pelo Imperador Marco Aurélio em 176 DC e aperfeiçoados pela avó do Rei Henrique VIII em 1550), onde se usa apenas a parcela dos rendimentos de Fundos de Investimento, para perenizar os benefícios esperados dos ativos formados por eles.
Com certeza, os rendimentos equivalem a mais do que o montante dos impostos como CPMF e CIDE juntos: sem os efeitos deletérios destes sobre a economia, todavia...
Por fim, cabe considerar a possibilidade de “trocar” fluxos do estoque a vencer da dívida pública interna, por fluxos securitizados dos Direitos Emergentes de Concessões (DEC) embutidos nos contratos de concessões e de concessões sob PPP no portfólio de Projetos de Investimento que o Governo Interino pretende oferecer o mercado nacional e internacional, em seu Programa de Investimentos.
Pelo valor ao par, poderiam ser trocados ativos sem lastro e sem qualquer certificação de grau de investimentos das principais agências internacionais (como o são hoje em dia os títulos da dívida pública interna), por fluxos securitizados (e ate sobre-colateralizados pelos Fundos Garantidores como no caso das PPP) dos projetos de investimento de concessão.
Estes fluxos poderiam ser negociados nas Bolsas de Futuros do país e do exterior: são recursos não financeiros (diferentes daqueles que por juros reais de debenturista ou por juros subsidiados pelo tesouro nacional com alto custo de oportunidade fiscal) são hoje utilizados para (equivocadamente) financiar projetos de investimentos em áreas concessionáveis.
Outra alternativa, é que os projetos de concessão (com ou sem PPP) sejam sempre licitados sob a forma de fundos de investimentos: assim, notadamente para entes federados com limites de endividamento onerados, a captação via Fundos se faz independente da pessoa jurídica dos estados e munícipios. E ao final das concessões seus ativos são revertidos ao Poder Concedente sem gerar onerações iniciais que inviabilizariam a participação de capitais privados sob os conceitos das operações de concessões e de concessões sob PPP.