Opinião | Renata Santana

A inteligência artificial (IA) já não é apenas um conceito associado a filmes de ficção científica ou às grandes empresas do Vale do Silício. No Brasil, ela começa a ganhar corpo no setor de transporte e, na minha visão, isso representa tanto uma enorme oportunidade quanto um alerta sobre os caminhos que ainda precisamos trilhar.
De caminhões autônomos em portos a semáforos inteligentes em São Paulo, os exemplos recentes mostram que a tecnologia chegou para ficar. Mas será que estamos realmente preparados para abraçar essa revolução?
O simbolismo do caminhão autônomo em Portocel é um exemplo disso.
A operação do primeiro caminhão autônomo do Brasil, no Porto de Portocel, que fica localizado em Aracruz, Espírito Santo, é um marco que vai muito além da simples automação de uma rota de celulose. Para mim, ele simboliza uma mudança cultural que é a de aceitar que máquinas podem assumir funções tradicionalmente humanas.
Mas aqui já surge um ponto de reflexão. Se por um lado temos ganhos em eficiência e segurança, por outro fica a questão do impacto no emprego de motoristas e da necessidade de capacitação para novas funções. Sem políticas públicas de apoio, a inovação pode aprofundar desigualdades.
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Um outro tema que merece ser mencionado são os ônibus inteligentes do Rio Grande do Sul. Esse passo é um avanço ou elitização?
Outro exemplo é o uso da IA pela Roma Transportes, no Rio Grande do Sul, que utiliza algoritmos para otimizar rotas e horários de ônibus corporativos.
Não tenho dúvida de que isso representa um ganho real para a mobilidade, afinal, mais de 4.000 passageiros por dia já sentem os benefícios. Mas, ao mesmo tempo, questiono: será que essa tecnologia ficará restrita a empresas privadas e grandes corporações?
Enquanto passageiros de shuttles corporativos desfrutam de viagens mais rápidas, milhões de brasileiros ainda enfrentam ônibus lotados, atrasados e mal conservados. É aí que entra o risco da elitização da inovação.
Semáforos inteligentes em São Paulo: promessa ou solução?
São Paulo, como sempre, tenta se colocar na vanguarda. O projeto de semáforos inteligentes para caminhões, controlados por IA a partir de dados de GPS, parece promissor.
No entanto, é preciso ter cautela. Projetos pilotos costumam funcionar bem em ambientes controlados, mas a realidade caótica do trânsito paulistano pode se mostrar muito mais complexa. Sem contar que o investimento em tecnologia pouco adianta se não houver uma infraestrutura básica bem cuidada: buracos, falta de sinalização e excesso de veículos continuam sendo problemas que nem a IA consegue resolver sozinha.
ClickBus e a experiência do passageiro: Personalização ou vigilância?
A entrada da IA no setor rodoviário, por meio da ClickBus, também merece atenção. Personalizar itinerários e usar IA conversacional para atendimento ao cliente pode ser uma forma interessante de melhorar a experiência do usuário.
Mas não podemos ignorar o outro lado da moeda: o risco de uma coleta massiva de dados e de um uso pouco transparente dessas informações. Em um país onde a proteção de dados ainda engatinha, a linha entre conveniência e invasão de privacidade é tênue.
O desafio da inclusão digital no transporte brasileiro
A minha maior preocupação em relação à inteligência artificial no transporte é que ela não pode se tornar um privilégio de poucos.
De que adianta caminhões autônomos nos portos e ônibus inteligentes para empresas se o transporte público de massa continua precário para a maioria da população? É preciso pensar em políticas que garantam que a IA seja usada para democratizar o acesso à mobilidade, e não para aprofundar desigualdades.
Um futuro inevitável, mas que precisa ser moldado
Não há dúvida: a IA no transporte brasileiro é um caminho sem volta. Caminhões autônomos, semáforos inteligentes, ônibus otimizados e plataformas digitais personalizadas já são realidade.
Mas a forma como vamos moldar esse futuro depende das escolhas que fazemos hoje. Queremos um modelo de mobilidade mais eficiente e inclusivo ou apenas soluções sofisticadas voltadas a nichos específicos?
Na minha opinião, a inteligência artificial tem tudo para tornar o transporte no Brasil mais seguro, sustentável e conectado. Porém, se não houver regulação, transparência e, sobretudo, compromisso social, ela corre o risco de ser apenas mais uma ferramenta de exclusão disfarçada de modernidade.
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Conclusão
O Brasil está dando os primeiros passos em direção a um transporte inteligente, guiado pela inteligência artificial. É animador ver que já temos projetos concretos saindo do papel.
Mas eu defendo que essa jornada não pode ser apenas tecnológica, ela precisa ser também política e social. Afinal, de que serve um trânsito controlado por IA se a realidade da maioria dos brasileiros ainda é esperar por um ônibus atrasado no ponto?
A tecnologia está pronta. A questão é: nós, como sociedade, estamos?