Sábado, 23 Novembro 2024

Diomedes Cesário da Silva, ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet)

Hidrocarbonetos (petróleo e gás) são instrumentos de poder geopolítico: valem tanto quanto a capacidade de produzir o desenvolvimento de uma nação e a melhoria das condições de vida do seu povo. Isto significa que seu valor varia, dependendo do local e das necessidades da época a que nos referirmos.

Esta pergunta vem à baila em função das jazidas descobertas nas camadas do pré-sal, objeto de desejo de outros países, grandes empresas nacionais e internacionais, políticos e da sociedade brasileira, como solução para os problemas de educação, saúde e emprego.

Para descobri-lo (atividade de exploração) e tornar viável sua extração (atividade de produção) a mais de 7.000 metros de profundidade total (água do mar e rochas sobrejacentes) em áreas distantes cerca de 200 km da costa, a Petrobrás teve que reunir capacidade técnica e recursos Não porque preferisse, mas porque era lá que se encontrava uma nova fronteira exploratória. 

Seu custo, claro, é maior que o do Oriente Médio, onde é extraído a poucos metros da superfície em bacias sedimentares terrestres. Em compensação, não necessitamos da quantidade de armas e recursos gastos para protegê-lo de outros países, de grupos internos rivais e da própria população, como lá ocorre. De acordo com o Citigroup, a Arábia Saudita precisaria que o preço do petróleo fosse de US$ 105 por barril para conseguir equilibrar seu orçamento, o Iraque, de US$ 98 e o Irã, de US$ 137. [1]

Custo de extração e total do petróleo produzido
A Petrobrás anunciou recentemente que o custo atual de extração do pré-sal era de US$ 9/barril. A imprensa divulgou como se fosse o custo final de produção, levando os leitores à visão de uma grande margem, comparada com o preço de venda, na faixa de US$ 60 ou superior a US$ 100, há um ano atrás. 

Na verdade, o custo de extração (lifting cost para a SEC, a CVM americana) é apenas uma parcela do custo total, contemplando apenas materiais, serviços, pessoal e alguns encargos, necessários à elevação e tratamento do petróleo para retirá-lo do poço. 

Antes disso, durante a fase de exploração, muitos recursos tem que ser investidos para descobrí-lo. A declaração de comercialidade de um novo campo (jazida) é o coroamento final da fase exploratória, após ter dispendido uma grande quantidade de recursos com a compra do bloco (concessão), aquisição de dados sísmicos e perfuração de poços exploratórios de alto custo e alto risco. Muitas campanhas exploratórias resultam em insucesso, quando os volumes descobertos não compensam os investimentos, ou não há tecnologia para extraí-los. Decidida sua viabilidade econômica (declaração da comercialidade), inicia o plano de desenvolvimento da produção (extração), que inclui planejamento e investimentos com plataformas, dutos e outros investimentos que consomem bilhões de dólares ao longo da vida útil do campo (geralmente algumas dezenas de anos). 

Considerando toda a produção nacional, o custo de extração [2], no quarto trimestre de 2014 era de US$ 14. Se somarmos as participações governamentais (royalties, participação especial, aluguéis, bônus, etc.) aos governos (União, Estados e Municípios) o valor subia para US$ 26. No primeiro trimestre de 2014, estes valores eram de US 14 e US$ 33, pois a parcela governamental varia de acordo com o preço de venda do petróleo, mais elevada na época.

O custo total do petróleo produzido inclui outras parcelas relativas à depreciação de investimentos, overhead, P&D, custos financeiros, etc. Somente após toda esta análise as empresas avaliarão se vale a pena sua produção. 

Em nota à imprensa em janeiro deste ano [3], a Petrobrás esclarecia: " A companhia informa que o break even (preço mínimo do barril a partir do qual a produção é economicamente viável) planejado no momento em que foram aprovados os projetos de produção do pré-sal, situava-se no entorno de US$ 45 por barril, incluída a tributação e sem considerar os gastos com infra-estrutura de escoamento de gás. Ao considerá-los, esse valor pode aumentar entre US$ 5 e US$ 7 por barril. "

Pré-sal
Mas por que o óleo do pré-sal é mais barato, apesar de todas as dificuldades? Os poços do pré-sal tem produção elevada, em média de 25 mil barris por dia, superior aos do pós-sal em terra e no mar, que, além disso, sendo mais antigos estão com produção decrescente, extraindo mais água e menos óleo.

O mesmo ocorrerá no futuro com o pré-sal, daí a necessidade de continuar investindo em novos poços e em processos para reduzir a perda e aumentar sua vida útil, não fazendo produção predatória para recuperar rapidamente os valores investidos. 

Como cada barril retirado não dá outra safra, novas reservas tem que ser descobertas, sob pena da empresa desaparecer. Isto exige mais recursos, daí porque o setor é oligopólio de gigantes e mesmo assim somente poucas conseguem elevar ou manter as reservas. É o caso da Petrobrás, pelo 23º ano consecutivo, conseguindo repor 1,25 barril para cada um produzido em 2014. Nossas reservas provadas de petróleo e gás natural no Brasil, pelo critério da ANP/SPE, são de 16,3 bilhões de barris de óleo equivalente, suficientes para abastecer o país por 19 anos com a produção atual. Além disso, podem aparecer problemas como ocorrência de H2S e CO2, que requerem tecnologia, pessoal especializado e recursos.

Foi o que o Eike Batista descobriu com a OGX, imaginando que bastava arrematar áreas nos leilões e levar alguns gerentes da Petrobras, a peso de ouro, por terem informações reservadas da estatal.

Operadora única
A Petrobrás mantém o país abastecido e aumenta a produção de petróleo e derivados. Descobriu petróleo nas camadas pré-sal, desenvolveu tecnologia para retirá-lo, produzindo atualmente mais de 800 mil barris por dia em apenas oito anos [4]. Mas, alguns políticos propõem que deixe de ser a operadora única do pré-sal, com participação mínima de 30% nos investimentos dos consórcios responsáveis pela produção, como prevê a lei da partilha do pré-sal (Lei 12.351/2010). Dizem que é para ajudá-la, pois lhe faltarão recursos financeiros.

O ex-diretor da Petrobrás Guilherme Estrella, coordenador da equipe que viabilizou o pré-sal, em entrevista ao Conselho de Economistas-RJ, responde: “Qual crise pode abalar uma empresa petrolífera que detém mais de 30 bilhões de barris de reservas de petróleo e gás natural, possui conhecimento, tecnologia e excelência operacional para produzi-los em grandes e crescentes volumes (hoje mais de 2,8 milhões de bbl equivalentes) com excepcional lucratividade – mesmo aos atuais preços internacionais?”[5]

A pergunta que se coloca é: qual deve ser o ritmo adequado de produção para o país? Alguns (entre os quais os que propõem a retirada da companhia como operadora única) dirão que o país necessita de recursos urgentes para gastar já. Outros, apontam o caminho da Noruega, adequando a produção à capacidade do país em capacitar suas indústrias, treinar pessoal, gerar empregos, gastando de forma parcimoniosa e reservando a maior parcela para um fundo destinado às gerações futuras. 

Afinal, o petróleo não dá duas safras. Pode ser uma benção ou uma maldição, como descobriu o México, com reservas de 48 bilhões de barris em 1996, extraiu predatoriamente a US$ 30/barril, vendo suas reservas caírem para 11 bilhões no final de 2013. A Inglaterra e a Holanda enveredaram pela desindustrialização, extraindo num ritmo superior ao que sua indústria e economia deveriam absorver.

No caso do Brasil, este cuidado é ainda maior, pois temos uma grande população e economia que requerem um grande consumo de energia, limitando eventual exportação do petróleo que necessitaremos no futuro. É o que fazem os EUA, proibindo a exportação do petróleo produzido no país. O pré-sal é uma das poucas grandes reservas disponíveis fora das regiões de conflito do Oriente Médio.

O professor Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, defende que devemos manter nossas reservas para consumo interno. Comenta que poderemos “nos converter num Iraque do futuro, ou mesmo numa Noruega, que, apesar de seu bom senso, perdeu 1/3 das reservas financeiras que havia amealhado com a venda de petróleo e gás”.[6]

A condição de operadora única é a garantia de podermos manter este projeto nacional de desenvolvimento da indústria local; termos controle maior sobre a produção, mantermos nossa liderança tecnológica na área, junto com as universidades e centros de pesquisa do país. Afinal, a operadora será a principal responsável pelos projetos, especificação dos equipamentos e tecnologias que define onde os empregos serão gerados.

É uma decisão que não pode ser deixada para poucos, deve estar acima de interesses partidários e pessoais e será fundamental para o futuro do país, independentemente de quem estiver no comando da nação. 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/kennethmaxwell/2015/05/1628757-petroleo-e-ferro.shtml
[2] http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/destaques-operacionais/custos-e-tributos/custo-de-extracao-e-refino-no-brasil/custo-de-extracao-e-refino-no-brasil.htm
[3] http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/esclarecimento-viabilidade-de-producao-no-pre-sal.htm
[4] http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/producao-que-operamos-no-pre-sal-bate-novo-recorde-e-ultrapassa-o-patamar-de-800-mil-barris-de-petroleo-por-dia.htm
[5] http://portalclubedeengenharia.org.br/arquivo/1428929646.pdf/documentos

[6] Plebiscito popular: questão nacional, Lessa C, Valor Econômico 06/06/2012, pag. 13

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