Segunda, 06 Mai 2024

Mauro Laviola é Vice-Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil - AEB

Completando vinte cinco anos de funcionamento, o Mercosul padece de velhice precoce. Para não falecer de um mal súbito é hora de repensarmos o propósito e o funcionamento do bloco.

Na década de 90, em meio às crises internacionais de instabilidade financeira, globalização, modelos cambiais díspares, surgimento de países periféricos, reforma da arquitetura financeira internacional, além da criação da OMC ditando novas regras no comércio internacional, os países do Cone Sul criaram um bloco multiforme como um salvo-conduto regional às intempéries mundiais.

Em 1994, visando sanar a crise econômico-financeira brasileira, foi criado o Plano Real de desindexação da economia, enquanto a Argentina adotava a política de conversibilidade do Plano Cavallo, marchando exatamente no sentido inverso. Nesses ambientes díspares entre as principais economias regionais, nasceu o Protocolo de Ouro Preto estabelecendo a criação de uma tarifa externa comum em quatro anos, com forte influência protecionista dos respectivos setores privados dos dois países que sofriam as consequências do desarranjo mundial.

A decisão de convalidar a TEC num prazo curto foi precipitada pela inexistência de qualquer tentativa de coordenação de políticas comerciais, convergência dos regimes tributários nacionais e estabelecimento de um código aduaneiro comum até agora não concretizado, entre outras disciplinas fundamentais.

Em março de 2000, os países aprovaram a Decisão CMC 32/00 estabelecendo a obrigatoriedade de se realizarem acordos comerciais de forma conjunta visando evitar “fraturas” na projetada união aduaneira ainda tentando firmar seus primeiros paços.

Na década seguinte, o resultado dessa precipitada ação institucional foi pródigo em descumprimentos das regras estabelecidas, simplesmente por impossibilidade de cumpri-las por falta de preparo prévio. Entramos, em seguida, na fase das frustradas tentativas de “relançar o Mercosul” como bálsamo milagroso, calcado, simplesmente, em “vontades políticas” dos países membros.

Foi a fase mais ilusória do processo, alimentada pelo crescimento exponencial do comércio sub-regional, principalmente pelo crescimento das exportações brasileiras movidas pela solidez do Plano Real e favorecidas pelos bons ventos da economia mundial da época. Contudo, também foi o início das medidas protecionistas adotadas pela Argentina já sofrendo os percalços financeiros e cambiais decorrentes do Plano Cavallo e do “default” de 2001, redundando em medidas de retaliações recíprocas no bloco.

O desastre institucional e operacional agravou-se com o surgimento do “bolivarianismo” regional consagrado pela assinatura do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul em 2006, exatamente na fase mais crítica da enorme inadimplência na internalização dos atos comunitários, na permanente perfuração da tarifa externa comum, além dos efeitos negativos da crise financeira internacional de 2008.

Em seguida, no início de 2010, a Argentina inaugurou uma série de medidas administrativas de contenção das importações adotadas indiscriminadamente para todo o mundo, incluindo seus parceiros regionais. Como agravante, floresceu o movimento intencional de transformar o Mercosul num organismo político por excelência, somando-se às inutilidades regionais da UNASUL / ALBA / CALC / CELAC e caterva. Sem dúvida, a partir daí, floresceu um ambiente contraditório aos interesses empresariais da região, agravado pelo imbróglio institucional e operacional resultante da suspensão do Paraguai em 2012.

Esses acontecimentos ratificaram a sensação, compartilhada pelos setores empresariais, de que o Mercosul havia se convertido num movimento de interesses estritamente governamentais sob orientação das tendências socialistas e flagrantemente “terceiromundistas” dos partidos políticos que os comandavam.

Felizmente, a situação inerte em que se encontra o Mercosul tende a sofrer uma reviravolta com a mudança de rumo político na Argentina e de uma nova postura realista anunciada do lado brasileiro. A próxima reunião de cúpula do Mercosul, em julho próximo, revela-se um momento propício para que os governos desses dois países, guiados por novas filosofias de gestão econômica e relacionamento externo, assumam posturas mais pragmáticas de atuação individual e coletiva que projetem uma aura de previsibilidade aos respectivos setores empresariais, hoje atônitos e desorientados sobre os rumos a serem perseguidos por suas empresas.

O governo uruguaio, por exemplo, anuncia a proposição de duas importantes medidas: reformular a Decisão CMC 32/00, visando permitir a negociação individualizada de cada país com nações ou blocos não regionais; e continuar coordenando as negociações do bloco com a União Europeia mesmo após passar a presidência pro tempore à Venezuela no segundo semestre deste ano. Na situação em que está esse país, o governo não demonstra ter condições de coordenar nem mesmo seus problemas internos.

A primeira proposta pode ser perfeitamente equacionada tecnicamente, mas depende da aprovação consensual de todos os países membros, o que torna a tarefa imprevisível. A segunda irá depender do humor do mandatário bolivariano.

O Uruguai tem sido o principal arauto de maior liberdade negociadora com parceiros não regionais, reconhecendo a exaustão do processo de consolidação da união aduaneira instituída pelo Protocolo de Ouro Preto. A possibilidade das partes procederem uma revisão no processo de integração do bloco está prevista no seu Artigo 47, desde que haja moção aprovada por decisão unânime das partes, desfecho praticamente inviável nos dias atuais.

Como vem ocorrendo na OMC, onde as ações bilaterais e plurilaterais ganharam espaço dominante no cenário internacional, tal estratégia pode representar o ponto de inflexão do Mercosul de passar da ficção à realidade. Seus integrantes podem acionar o aprofundamento da enorme rede de acordos regionais existentes na esfera da ALADI, tanto para acelerar a eliminação de eventuais resíduos tarifários, como, principalmente, incluir neles novas disciplinas consideradas tão importantes quanto a eliminação das tarifas aduaneiras, tais como: eliminação de barreiras não tarifárias, serviços, facilitação de investimentos, convergências regulatórias setoriais, compras governamentais e, até mesmo, propriedade intelectual. Essas são as disciplinas que estão sendo incluídas nos acordos denominados de nova geração no cenário mundial, inclusive praticados pelos parceiros regionais da Aliança do Pacífico que já saíram do óvulo latino-americano para se relacionarem fortemente com os EUA, Europa e o leste asiático.

No início dos anos 90, os integrantes do chamado Grupo Andino desistiram de estabelecer uma tarifa externa comum como passo inicial de formação de uma união aduaneira sub-regional devido às inúmeras dificuldades de consolidar suas respectivas políticas nacionais. Optaram por aperfeiçoar uma área de livre comércio e hoje, pelo menos parte deles, está colhendo importantes frutos dessa decisão em matéria de relacionamento regional e mundial.

Conceitualmente, os países latinos da costa do Pacífico (exceto o Equador) adotaram posturas pragmáticas em matéria de relações internacionais, criando uma clivagem conceitual diferenciada na América do Sul em relação aos países do Atlântico em detrimento da integração regional preconizada no Tratado de Montevidéu 1980 que criou a ALADI. Nesse quarto de século de existência do Mercosul, os países membros negligenciaram o papel relevante daquele organismo no processo operacional de integração latino-americano, cujo exemplo mais evidente está sustentado pelo Acordo de Complementação Econômica Nr.18 daquele organismo.

Os acordos bilaterais vigentes no setor automotriz, por exemplo, onde participam Argentina, Brasil, México e Uruguai, também são operacionalizados por acordos bilaterais no âmbito da ALADI, embora as cifras comerciais entre Brasil e Argentina nesse setor, por exemplo, venham sendo imputadas à evolução do comércio no âmbito do Mercosul.

Para o Brasil, a questão básica da participação em novos acordos de livre comércio reside na obrigatoriedade de reduzir a baixa capacidade competitiva dos produtos industrializados pelas razões sobejamente conhecidas. Desse modo, é forçoso reconhecer a existência de uma espécie de “tabula rasa” arguindo a necessidade de haver maior liberdade para o país contrair acordos bilaterais com o mundo desenvolvido. A OCDE acaba de divulgar o alarmante dado de o país situar-se no 71º lugar no índice mundial de competitividade..

No momento, as prioridades nacionais estão concentradas nas negociações do Mercosul com a União Europeia e, bilateralmente, na ampliação do modesto ACE 53 com o México. Os espaços mais realistas de negociação com países ou regiões mais desenvolvidas devem concentrar entendimentos nas disciplinas efetivamente protecionistas do comércio internacional, a saber: barreiras técnicas, ecológicas e sanitárias, licenças não automáticas de importação, taxas cambiais múltiplas e práticas de subsídios, entre várias outras. Os acordos setoriais de convergência regulatória que o Brasil vem desenvolvendo com os Estados Unidos constituem belo modelo que pode ser perfeitamente desenvolvido com qualquer outro país porque estão fora da exigência da Resolução 32/00.

Numa eventual nova fase de pragmatismo responsável, os setores empresariais brasileiros têm tarefa imprescindível de pleitear ao governo ações que propiciem a recuperação de mercados regionais importantes como o argentino, o mexicano e os de países da Aliança do Pacífico, com os quais estamos sendo progressivamente superados por norte americanos, europeus e, principalmente, por países do leste asiático. Todos eles, sem exceção, trilharam caminhos mais pragmáticos de relacionamento com a economia global, visando propiciar aos seus empreendedores uma visão mais ampliada de mercado e de bem estar social o que, no final das contas, engrandece seus próprios Estados nacionais.

Uma nova ordem reclama ser urgentemente implantada no Mercosul em busca de uma realidade tanto tempo ofuscada por ficcionistas de plantão.

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