Domingo, 06 Outubro 2024

Bussinger 21JUN2016

“Minha dor é perceber que
apesar de termos feito tudo que fizemos,
Ainda somos os mesmos e vivemos,
Como nossos pais”.
(Belchior/Elis: “Como nossos pais”)

"O mundo precisa de historiadores, políticos e poetas:
Historiadores para nos contar sobre o passado.
Políticos para discutir o presente.
E poetas para nos fazer sonhar com o futuro"
[Frequentemente citado; porém não identificada autoria]

Unanimidades são quase impossíveis (Nelson Rodrigues dizia, até, que “é burra”!). Mas hoje, algo muito próximo disso em nosso País, é o sonho/objetivo de reativação da economia brasileira. E, para tanto, como meio/instrumento, foi aos poucos se tornando quase consensual a necessidade de concessões e PPPs para lográ-lo; particularmente nos diversos setores infraestruturais: se havia dúvidas e algumas contestações quando da redemocratização e ao longo dos anos 90, neste Século XXI elas se tornaram algo praticamente residual e localizado.

Para tanto, e como já o fizera Dilma e Lula, visando reverter os sucessivos insucessos nas tentativas de concessões e PPPs anteriores (incluindo nesse conjunto os arrendamentos portuários), o Presidente interino Michel Temer lançou, já no seu primeiro dia de governo, com força de lei, a Medida Provisória nº 727 (7 capítulos; 22 artigos) que “Cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”. Na verdade, o “Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República” (art. 7º).

Na última sexta-feira, 17/JUN, a VPBG – Advogados reuniu mais de uma centena de técnicos, consultores, juristas, executivos, empresários e dirigentes de entidades para discutir perspectivas do programa com representantes de 3 dos principais protagonistas do novo modelo (ANTT, BNDES e CADE); além do respeitado jurista Prof. Carlos Ari Sundfeld (que assessorou o governo na elaboração da MP).

Rica oportunidade para se descortinar e debater os cenários em construção. Mas, antes disso, para se tomar conhecimento do diagnóstico (que ensejou e fundamentou a MP) sobre as causas da letargia de concessões e PPPs no País; em especial no âmbito federal (informações pouco exploradas pelo noticiário das últimas semanas).

Três foram apontadas: i) Fragilidade institucional (para lidar com o processo); ii) Pouca disputa (pelos grandes projetos); iii) Dificuldade de garantir-se segurança jurídica (em especial na fase de execução). Cada item foi exemplificado e esmiuçado. Da fragilidade institucional, p.ex., dois registros merecem destaque visto estarem no centro das mudanças propostas: i) Falha do governo na definição de políticas e planos de longo prazo; ii) Procedimento de liberação caótico – falta de previsibilidade. Em seu conjunto o diagnóstico aponta, assim, para gargalos e disfunções em todas as etapas dos modelos praticados nos últimos anos: da concepção, pela estruturação, à execução.

A terapêutica:
Já no tocante à terapêutica formulada, talvez a maior inovação esteja no seu art. 18; antídoto para a falta de previsibilidade; para o “procedimento de liberação caótico”: busca-se comprometer com o sucesso do empreendimento todos os órgãos envolvidos com a “liberação” (conceito-chave minuciosamente definido nos seus parágrafos) dos empreendimentos. E isso passa a ser um “dever” (o verbo utilizado); dever esse a ser cumprido “em conjunto e com eficiência” pelos diversos órgãos e autoridades.
O objetivo é meritório. E, se atingido, será um enorme facilitador para o PPI. Aliás, para a administração pública brasileira, como um todo.

Todavia não se deve esperar seja essa tarefa fácil nem rápida; a se julgar por experiências congêneres anteriores como, p.ex., no mundo portuário: o “Programa de Harmonização das Atividades dos Agentes de Autoridade nos Portos” – PROHAGE, envolvendo 9 ministérios: Marinha, Saúde, Justiça, Fazenda, Agricultura, Transportes, Desenvolvimento, Indústria e comércio e Orçamento e Gestão (Portaria Interministerial CCPR/MAER/MF/MT/MA/MTb/MS/MICT/MPO nº 11 de 25/11/1997); foi descontinuado após algum tempo de atuação. E, mais recentemente, já ambientado pela Nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), a experiência do Conaportos, este integrado por 10 autoridades.

Além dos aspectos institucionais, legais e normativos, facilmente identificados, tais iniciativas envolvem, também, dimensões sócio-culturais (cultura organizacional); nem sempre visíveis de imediato e/ou a olho nu: i) Interesses corporativos (nem sempre ilegítimos!) dos órgãos envolvidos; e/ou ii) Defesa de “espaços” de seus dirigentes; e/ou iii) A concepção de “autoridade” que progressivamente se firmou na administração pública brasileira: foco setorial (e raramente sistêmico/global); foco nos meios (mais que nos fins!); importância de dar-se a última-palavra (até com certa conotação de status!); e/ou iv) As legislações autônomas; não raro referenciadas a capítulos distintos da Constituição Federal; e/ou v) A estrutura governamental pulverizada, produzindo ora superposições de atribuições, ora lacunas.

Nesse quadro, a perspectiva de autoridades atuando em conjunto, harmoniosamente (não cada um por si); focadas também nos resultados (não apenas nos processos); buscando contribuir para a “solucionática” (não apenas fazendo exigências, aprovando ou punindo); se hoje parece algo quase inimaginável, se posto em marcha, certamente os processos mudarão de patamar (positivamente).

Mais modestamente: um processo decisório mais previsível já seria uma grande conquista. Se mais simples, mais transparente, mais rápido e mais eficiente, então...
A torcida é grande!

No mais, a terapêutica adotada vai na linha de mais centralização (do processo decisório) e mais consultoria. Muito na linha do adotado em momentos marcados por perplexidades/impasses no passado recente; quando havia necessidade de “se fazer-algo”. Só que, desta vez, em maior grau; como se uma volta a mais no parafuso tivesse sido dada:

Escopo: O PPI coloca sob sua órbita um amplo espectro de “contratos de parceria” (especificados no § 2º; art. 1º): federais, estaduais, municipais (art. 1º, § 1º) – causa de algumas discussões/arguições de inconstitucionalidade da MP e de alegados arranhões no “pacto federativo”.

Também “as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização a que se refere a lei nº 9.491, de 1997” e “empreendimentos empresariais privados que, em regime de autorização administrativa, concorram ou convivam, em setor de titularidade estatal ou de serviço público, com empreendimentos públicos a cargo de entidades estatais ou de terceiros contratados por meio de parceiras.” (art. 21). Que tipo de contratos estão fora desse rol?

Processo decisório: O Conselho do PPI passa a exercer funções anteriormente atribuídas a importantes conselhos setoriais (art. 7º; § 2º): ao órgão gestor de parcerias público-privadas federais (Lei n.º 11.079/2004); ao Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Lei nº 10.233/2001); ao Conselho Nacional de Desestatização (Lei nº 9.491/1997).

Os órgãos e entidades do PPI articular-se-ão com o CADE “...para aumento da eficiência e eficácia das medidas de incentivo à competição e de prevenção e repressão das infrações à ordem econômica; (art. 6º; VII). A EPL passa a estar vinculada à Secretaria-Executiva do PPI (art. 20). E o BNDES, gestor do “Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias” (art. 16), cuja criação a MP autoriza, também centralizará os “... serviços de estruturação e de liberação para parcerias de empreendimentos no âmbito do PPI” (art. 16; caput).

O Conselho do PPI pode, também, “... formular propostas e representações fundamentadas aos Chefes do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como recomendações aos órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União” (art. 7º; § 6º); e “...opinar, previamente à deliberação do Presidente da República, quanto às propostas dos Ministérios setoriais e dos Conselhos Setoriais... sobre as matérias previstas no art. 4º desta lei, e acompanhará a execução do PPI” (art. 7º; § 1º). Especificamente: políticas federais de longo prazo; empreendimentos públicos federais de infraestrutura qualificados; políticas federais de fomento às parcerias em empreendimentos dos Estados, DF e Municípios; medidas de desestatização.

Poder, pois, não falta ao PPP e suas instâncias decisórias; certo? É o suficiente?
Cenários:
Pela nova configuração, em síntese:
• O programa passa a ser dirigido por um colegiado forte: um conselho de ministros presidido pelo Presidente da República (§ 3º; art. 7º).
• O BNDES assume a função de provedor de “serviços de estruturação e de liberação para parcerias de empreendimentos” (caput; art. 16), assumindo o lugar da EBP que desempenhou tal papel nos PIL-1 e PIL-2; e de gestor do Fundo, que vem suprir uma lacuna deixada pela vedação do mecanismo PMI/ressarcimento (art. 13).
Formato similar já existiu e funcionou no “Programa Nacional de Desestatização – PND”, nas décadas de 80/90. Mas há que se atentar que o PND passou por diversas etapas, envolvendo processos de naturezas distintas: inicialmente esteve focado na venda de empresas (siderúrgicas, petroquímicas, etc.). Passou por concessões associadas a transferência de empresas (telecomunicações, ferrovias, etc). Também por outorgas associadas a transferência transitória de ativos (como no caso de terminais portuários). Todos eles empreendimentos que podem ser caracterizados como “brown-field”.

No passado mais recente, o programa passou a incluir projetos/empreendimentos “green-field”; nesses casos com desempenho longe daqueles alcançados nas etapas anteriores.

Como a carteira do futuro próximo inclui muitos empreendimentos também “green-field”, a questão merece ser recolocada: A existência do Conselho, do Fundo e a substituição da EBP pelo BNDES é o suficiente (para se reverter o quadro letárgico)?

Vale como regra geral. Mas, principalmente no caso dos empreendimentos “green-field”, há 3 adversidades a serem enfrentadas. Adversidades que, SMJ, a MP não trata e que são de extrema importância. Principalmente se envolvendo, também, Estados e Municípios:

EVTEAs e modelagens licitatórias normalmente tratam do empreendimento, em si. Para empreendimentos infraestruturais “green-field”, o contexto é, igualmente, importante. No caso de mobilidade e logística fundamental! Ou seja, a concepção intermodal e suas interfaces com o urbano e o regional são abordagens essenciais. Aliás, isso até já foi (competentemente) arguido, formalmente, pelo TCU (apesar de essa não ser, SMJ, sua atribuição precípua).

No front que pode ser considerado externo, há uma população que raramente é informada que ela passará a pagar por aquilo que hoje não paga; ou que terá que pagar mais por algo que hoje, de certa forma, é “subsidiado”; pelo poder público ou pelos demais usuários/consumidores: tensões sociais, mormente nessa quadra em que estamos vivendo, é potencialmente alta.

Por outro lado, comunidades localizadas, organizações sociais e, mesmo, dirigentes locais e a imprensa muitas vezes trabalham com a ideia de que uma concessão ou PPP é uma grande fonte de recursos/lucros. Portanto, demandam mais e mais “compensações”... que podem inviabilizar o empreendimento. Umas e outras, ainda que legítimas, são “ameaças” (no sentido mais puro de uma análise SWOT). Ameaças no sentido não sair; de nada acontecer!

No front interno, concessões e PPPs são hoje quase uma resposta-pronta, imediata de governantes, parlamentares e executivos públicos quando pressionados pela sociedade ou pela imprensa; uma esperança ante as agruras orçamentárias e financeiras... frequentes e crescentes. Nesse afã, é curioso como concessões e PPPs são muitas vezes “vendidas” como uma espécie de Geni (aquela que “veio pra nos salvar”!).

Interessante observar, também que, por falta de clareza ou estratégia mercadológica, fica-se com a impressão que o poder público aventa tais instrumentos meio como um caixa-extra (um orçamento suplementar - recursos “a fundo perdido”). De novo, uma potencial ameaça!

O enfrentamento de tais ameaças demanda uma combinação de comunicação e articulação. E isso transcende a advogados, economistas e engenheiros. Como também transcende a EVTEAs, modelagens, editais e contratos.

O PPP poderia aumentar, em muito, seu desempenho algumas vezes saindo a campo.

Frederico Bussinger - Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.

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