Antonio Maurício, engenheiro mecânico e de produção. Especialista em Planejamento e Gestão Pública; Transportes; Transportes Urbanos; Portos; Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas
Já passa despercebido no noticiário, tornando-se até banalizado, o ato de queimar ônibus (600 em 2014), largamente praticado, quase todos os dias, em todos os rincões de nosso país pelos mais variados motivos atribuídos. Felizmente poucas vezes com a ocorrência de mortos e feridos.
Um útil objeto que arde, produzindo calor e luz, não comove mais pelo fato em si, entendido, no máximo, como uma externalidade de uma revolta temporária, uma conflagração inespecífica ou um tumulto generalizado e, sempre, como coadjuvante ou ator principal, algum ônibus é queimado.
Qual seria o comburente para estes descabidos atos contra um instrumento do direito de acesso às atividades urbanas? Por que extinguir este “democrático”,”acessível”e includente objeto que, na sua gênese e, felizmente nos últimos anos, vem se aproximando de seu original significado de ser “paratodos” ?
Uma revolta temporária contra a qualidade dos serviços ou qualquer externalidade que esta venha a proporcionar (acidentes; quebras; atrasos; e.t.c) pode ser o estopim para a queima.
Neste caso, com alguns históricos que comprovam a vinculação serviço-insatisfação-revolta, o usuário reage ao que lhe foi imposto.
Vale a pena comentar que na operação experimental dos cinco ônibus do projeto Padron, na década de 1980, em todas as regiões do país, não se constatou nenhum vandalismo contra os veículos, que ofereciam condições de conforto e habitabilidade inúmeras vezes superior ao que era oferecido na época. Outros ônibus eram vandalizados, os Padron, não.
Nos casos atuais de queima de ônibus, pode-se alinhar as inúmeras reações de facções criminosas ou população agindo por influência destas que, em um gesto de protesto e afirmação de força, reconhece no ônibus um objeto a ser imobilizado como se cercear a mobilidade, naquele ponto, fosse sinônimo de paralisar a cidade de uma forma ampla.
Mais uma vez o usuário com menor poder aquisitivo, instado e condicionado a morar cada vez mais longe, inclusive das conglomerações habitacionais que acoitam o crime, é penalizado, ameaçado nos seus parcos direitos de se deslocar, durante horas, muitas vezes em pé, da casa ao trabalho.
Em um tumulto generalizado quebra-se tudo, preferencialmente os bancos, lojas, e, mais uma vez, tentando-se imobilizar o todo, incendeiam-se os ônibus, com todo seu simbolismo de instrumento de acesso e desbravamento à cidade e sua capacidade de almagamar seus usuários numa experiência coletiva de cumplicidade, cansaço e sofrimento.
No cenário que perdure alguma exclusão, a humanização do deslocamento é uma questão fundamental e urgente. Neste momento, a esfera federal ainda fica muito a dever aos esforços daqueles entes municipais, associações e movimentos, que deslocam enorme esforço na melhoria da mobilidade.
Tratar a questão urbana, a partir da instancia maior, de forma holística, participativa e, com ferramental e pessoal adequado e capacitado, poderia minorar esta situação de imobilidade desigual. Políticas corretas, esforços acumulados, ações de inteligência retirarão “gasolina” desse quadro em combustão.