Renê Sanda é Mestre em Estatística pela USP e, atualmente, Conselheiro de Administração do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e da Fundição Tupy; e Dulcejane Vaz é Economista, funcionária de carreira de um banco público e ativista social em prol da equidade de gênero
Segundo os Princípios de Empoderamento das Mulheres, uma publicação conjunta da ONU Mulheres Brasil e a Rede Brasileira do Pacto Global, empoderar o contingente feminino para que elas participem integralmente de todos os setores da economia é essencial para estabelecer sociedades mais estáveis e justas; atingir os objetivos de desenvolvimento, sustentabilidade e direitos humanos internacionalmente reconhecidos; melhorar a qualidade de vida para as mulheres, homens, famílias e comunidades e, impulsionar as operações e as metas dos negócios.
As mulheres são uma grande força para a economia mundial, representam mais de 40% da mão de obra global, 43% da força de trabalho atuante e mais da metade dos estudantes universitários do mundo, de acordo com relatório do Banco Mundial (2012).
Pesquisas de campo demonstram que países com melhor igualdade de gênero tendem a ter menores taxas de pobreza e que uma das mais eficazes formas de acelerar o desenvolvimento econômico de um país é criar mecanismos de geração de renda para um número maior de mulheres, pois elas reinvestem mais seus rendimentos na família e na comunidade, gerando melhores oportunidades futuras.
Não é o objetivo deste artigo analisar os esforços, ações afirmativas e políticas públicas mas trazer para o debate uma outra questão: os indicadores aplicados para justificar o empoderamento feminino estão sendo mal interpretados.
Isso acontece porque estamos vivendo numa era de muita informação, mas de pouca análise. O bombardeio de textos curtos e pouco profundos nas redes sociais induz à formação de opiniões instantâneas sobre tudo. Se esses textos vierem acompanhados de um gráfico então não há como duvidar. A relação causa-efeito está lá, nítida, impossível discordar.
Os americanos, acostumados com abundância de estatísticas, têm uma expressão bem pouco familiar para nós brasileiros: "Correlation does not equal causation".
É mais fácil explicar essa frase com um exemplo. O gráfico abaixo extraído do livro "Beware Spurious Correlations" mostra uma estranha relação entre vendas de iPhone e mortes causadas por quedas de escadas.
Por favor, não tentem achar uma explicação do tipo "provavelmente caíram da escada enquanto teclavam no iPhone". Não existe nenhuma relação de causa e efeito entre essas duas variáveis. A única coisa que as une é a variável tempo. Mais celulares têm sido vendidos a cada ano e mais pessoas têm morrido por quedas de escadas a cada ano simplesmente porque a população americana está ficando mais idosa e, portanto, mais sujeita a esse tipo de acidente. A famosa frase americana nos ensina que o fato de duas variáveis serem correlacionadas (terem comportamento gráfico semelhante) não significa que haja uma relação de causalidade entre elas.
Apenas para inspiração, tivemos um caso em que uma ex-presidente inflou a sua plateia quando sugeriu uma relação entre o número de operações da Polícia Federal e as perdas na economia. Para os que desejarem devolver na mesma moeda, sugerimos divulgar um gráfico comparando a taxa de rejeição da ex-"presidenta" e o nível de água nos reservatórios durante o ano de 2015.
Nem sempre é fácil identificar essas relações espúrias. Um estudo científico publicado na revista Nature, em 1999, demonstrava a relação entre miopia e o fato de se dormir com a luz acesa nos dois primeiros anos de vida. A verdadeira explicação publicada na mesma revista pouco tempo depois estava no fato de que pais míopes tinham maior propensão em deixar a luz acesa no quartos de seus filhos. Ou seja, a causa era genética.
Recentemente, a mídia deu excessiva atenção a um determinado estudo que afirmou que a lucratividade das empresas poderia estar relacionada com uma maior participação de mulheres em cargos de diretoria.
Apresentar a lucratividade das empresas como função direta da participação feminina é questionável. O que ocorre é que empresas com maior número de mulheres em cargos executivos são organizações de maior porte, com práticas de gestão mais modernas e profissionais qualificadas para as diferentes funções, portanto, mais resilientes e lucrativas.
É possível ilustrar tal argumento da seguinte forma: existem diversos estudos demonstrando que empresas mais lucrativas têm um turnover baixo quando comparados à média das organizações de seu setor. Tal afirmativa poderia levar o administrador de uma empresa deficitária a buscar reduzir a zero o turnover na esperança de tornar a companhia lucrativa o que levaria a resultados desastrosos. Obviamente, o turnover baixo é consequência de diversas práticas de boa gestão e não causa para uma maior lucratividade.
Isto é, não é correto afirmar que o estilo feminino de liderança visto de forma isolada gera melhores resultados financeiros para a companhia.
É certo que o crescimento sustentável da empresa passa, necessariamente, pela oferta igualitária de oportunidades entre homens e mulheres, mas valer-se do argumento de elevar o número de mulheres em cargos executivos como solução para aumentar a lucratividade da empresa, quando desprovido de outras iniciativas conjugadas, parece ser uma medida semelhante à de apagar a luz do quarto dos nossos filhos para que eles não fiquem míopes. É raso demais!