Domingo, 05 Mai 2024

Colunista da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet)

Uma reportagem da televisão revela alguns dados que nada têm de novo, mas poderiam ser conhecidos no Brasil já há bom tempo e não me parece que foram. Era uma série de reportagens sobre o câncer e as dificuldades para seu tratamento. Entre essas dificuldades figurava uma óbvia, a greve dos funcionários da Previdência Social, naquele momento com mais de dois meses de duração, o que privava milhares de doentes de consultas, exames e perícias inadiáveis e os colocava diante da iminência até da morte. Mas a de maior impacto, apesar da gravidade dessa situação, era o custo, nos Estados Unidos, de alguns remédios de uso contínuo, que chegava a cem mil dólares por ano por paciente.

O maior comprador desses remédios, informava a reportagem, é o governo dos Estados Unidos e o governo, embora compre em grande escala, não pode negociar o preço com as empresas produtoras ou vendedoras. Uma resolução do Congresso proíbe o governo de negociar, o que confere à indústria farmacêutica o privilégio de impor os preços que quiser.

É uma verdadeira desregulamentação ao contrário, desmoralizando e levando ao ridículo o que ainda resta de poder de convencimento à teoria básica da política econômica do neoliberalismo imposta aos Estados Unidos a partir do governo de Ronald Reagan, no início da década de 1980. A teoria, falsificando ou ignorando os escritos de Adam Smith, o grande profeta do capitalismo emergente no século 18, dizia que era preciso desregulamentar as atividades da vida econômica e suprimir os controles exercidos sobre ela pelos governos, para que a liberdade de iniciativa produzisse o progresso e induzisse a inovação.

Em princípio a liberdade deveria ser para todos e os preços resultariam do livre jogo  da lei da oferta e da procura, não de controles governamentais como o tabelamento. Em qualquer venda, o vendedor teria a liberdade de estabelecer  o preço de seu produto ou serviço, e o comprador igual liberdade de negociar esse preço.

No caso desses remédios caríssimos contra o câncer, o Congresso dos Estados Unidos respeitou a liberdade do vendedor, mas negou qualquer liberdade ao comprador. O que resulta disso é um exemplo escandaloso de tabelamento também ao contrário, o tabelamento em benefício do vendedor e não do comprador.

Mas o problema não termina aí. A indústria farmacêutica é detentora – e dele não abre mão – de outro benefício resultante da regulamentação: suas patentes, algumas das quais são bem discutíveis.

Um livro do qual há mais de vinte anos traduzi uma parte, The Fate of the Forest (O Destino da Floresta), do jornalista americano Alexander Cockburn, em parceria com uma antropóloga da qual não guardei o nome, afirmava  que cerca de 60% dos medicamentos contra o câncer então produzidos resultavam da apropriação de conhecimentos acumulados pelos xamãs das comunidades indígenas da Amazônia. Os xamãs e respectivas comunidades não dispunham de patentes a proteger sua propriedade intelectual, propriedade, aliás, que sequer imaginavam existir, mas as indústrias farmacêuticas dispunham e agarravam-se a elas com unhas e dentes e também dinheiro farto, leis e decisões judiciais, acordos internacionais, bons advogados e as necessárias pressões e ameaças a governos estrangeiros recalcitrantes.

Os Estados Unidos estão a pouco mais de um ano de sua próxima eleição presidencial, os candidatos já mergulhados em plena campanha e sucessivos debates entre os muitos pretendentes republicanos, e – como se o problema não existisse - não ouvimos falar nessa proibição de o governo negociar os preços pelos quais compra remédios em grande escala. 

E esse é apenas um exemplo a mais dos absurdos que aceitamos nestes tempos de pensamento único.

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