Por Alfredo Lopes, consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam)
A justiça retirou na semana passada a prerrogativa da Superintendência da Zona Franca de Manaus de liberação de cargas para o abastecimento, transferindo à Secretaria Estadual de Fazenda a atribuição. A medida resguarda o interesse público, que já começa a padecer a escassez de produtos e o direito ao trabalho de empresas e colaboradores da cadeia produtiva do modelo Zona Franca de Manaus, que contabilizam prejuízos que vão além de R$ 4 bilhões, segundo a soma de estimativas de alguns setores. De intuito, a propósito, a justiça antevê o caos a partir de uma situação que se arrasta e se agrava sem horizonte de solução. O modelo ZFM, cabe a pergunta: merece tanta punição apesar de tantos acertos? Um modelo que não usa recursos públi cos e que devolve quatro vezes mais a renúncia fiscal em que se baseia para florescer uma indústria não-predatória na floresta. E este modelo, criado para reduzir as desigualdades regionais e proteger o patrimônio natural, virou fonte de financiamento para a União. Mais da metade da riqueza aqui produzida é transferida para a União. Um recurso que foi pensado e planejado para ajudar a consolidar o modelo e regionalizar seus benefícios.
Neste fim de semana, a imprensa paulista descreveu o conjunto dos desacertos federais que a gestão da Amazônia representa nos últimos anos. E destacou a violência como um dos descaminhos da intervenção vesga dessa gestão do Brasil em 63% do seu território que a Amazônia representa. Favela Amazônia, uma reportagem espetaculosa do Estadão, mostra, indiretamente, os estragos numa região que não aplica inteligentemente a riqueza que produz ou que poderia produzir se aplicasse suas verbas de pesquisa e desenvolvimento. A matéria descreve fatos, como se o Brasil Amazônico fosse um país distante do Brasil do Sudeste. A matéria destaca algumas das sequelas da violência, tanto com as populações tradicionais da região, como dos habitantes das áreas urbanas, quase 8 0% da demografia, açoitada pelos ditames perversos do narcotráfico.
Em visita ao CIEAM, em maio último, o secretário de Segurança, Sérgio Fontes, um delegado da Polícia Federal e uma das maiores autoridades em combate ao tráfico no país, relatou uma indústria que está dando certo, a indústria do tráfico e sua lucrativa organização criminosa. Aí está a causa principal da violência no Amazonas, na Amazônia e no país. “Manaus é o primeiro aglomerado urbano que a produção e a rota do tráfico privilegiam e usam para ensaiar sua logística e governança sombria”. Da encosta da cordilheira dos Andes, onde era tradicionalmente produzida, a droga se movimentou na direção da fronteira com o Brasil, onde já estão ocupados 10 mil hectares de cultivo de coca, com uma produ& ccedil;ão anual de 100 toneladas, às margens do rio Javari, na fronteira do Amazonas com o Peru. Com o corte no orçamento, as verbas da FUNAI para cuidar das etnias indígenas da região tiveram redução de 70%. Alguns desses grupos sofreram a manipulação sombria do narcotráfico, que utiliza o descaso federal com as populações tradicionais para fortalecer suas atividades. O Brasil já é o maior consumidor de cocaína do mundo, à frente dos Estados Unidos. A Polícia Federal conta com apenas 80 policiais em Manaus e 20 na fronteira, para monitorar a imensidão e multiplicidade de rios amazônicos que ali se formam. Sem a Zona Franca é fácil imaginar o que virá por aí.
Em Marabá, às margens do Rio Tocantins, onde o Programa Arco Norte se consolidou como opção logística para o agronegócio, com interferência robusta das empresas, invasões como Fanta, Infraero, Vila do Rato e São Miguel da Conquista, ironizam o cotidiano e ilustram a violência que a economia da droga implantou. Sem saneamento e segurança, formadas na pressão do fluxo de migrantes dos municípios esquecidos e atraídos por projetos de construção civil, mineração e pecuária, Marabá e as periferias das cidades amazônicas mostram que a crise da região, incluindo o drama da Suframa, seus servidores e seu esvaziamento, não é econômica, é de gestão e de credibilidade. Um jogo difícil e penoso de enfrentar.