Domingo, 13 Outubro 2024

Por Marcos Lisboa e Leandro Pongeluppe, do Insper

No dia 26 de maio de 2015, Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), publicou na imprensa o artigo “Zona Franca de Manaus: benefícios sem despesas”, em que qualificava a crítica de Marcos Lisboa sobre os benefícios tributários da Zona Franca de Manaus (ZFM) como “irresponsável e sem fundamentação”. Este artigo traz alguns argumentos sobre o modelo industrial da ZFM, que estão na origem da crítica feita por Lisboa.

Périco corretamente argumenta que “... não há custeio público no modelo da ZFM. Há renúncia.” Contudo, esse argumento ignora o custo de oportunidade dos recursos renunciados. A isenção tributária da ZFM aparece como a segunda maior isenção tributária dentro das contas da Receita Federal, alcançando um valor de R$ 24,99 bilhões em 2014, cerca de 10% do total de isenções, e representando 0,48% do PIB do referido ano. Esta isenção estende-se a aproximadamente 600 empresas instaladas na região da ZFM e atinge diretamente um total aproximado de 120 mil empregos. Para ter-se dimensão dessa isenção, neste mesmo ano de 2014, o programa Bolsa Família totalizou um repasse de R$27,19 bilhões, representando 0,49% do PIB, e atingindo aproximadamente 14 milhões de famílias pobres ou extremamente pobres em todo o Brasil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Isso significa que os recursos renunciados para a ZFM são praticamente equivalentes ao gasto total do programa Bolsa Família.

Pode-se e deve-se ir além da análise do custo de oportunidade dos recursos renunciados para evitar o que Périco qualifica como uma comparação “vazia de argumentos, incoerentes no formato e levianas de conteúdo”. Um dos principais argumentos quando se fala em isenção à ZFM é a associação da isenção ao desenvolvimento da ZFM como forma de reduzir as desigualdades regionais e sociais por meio da renúncia fiscal. Entretanto, estaria mesmo a ZFM cumprindo esse papel? Segundo trabalho de Ricardo Nunes de Miranda, desenvolvido no Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, “a qualidade dos empregos gerados [na ZFM] é inferior ao que seria de se esperar; que o impacto sobre o desenvolvimento regional é modesto; e que a manutenção do modelo atual irá requerer gastos permanentes (na forma de isenções fiscais) do setor público.” O trabalho de Miranda, expõe que 60,3% dos empregos na Zona Franca de Manaus têm remuneração menor que dois salários mínimos; bem abaixo do munícipio de Curitiba (38,0%) e do próprio município de Manaus (44,9%), quando comparados no ano de 2010. Além disso, o estudo de Miranda conclui que a ZFM acentua a desigualdade regional no estado, em um processo que o pesquisador chama de “esvaziamento do interior do Amazonas”. Ao atualizarmos as análises de Miranda percebemos que apesar de o Município de Manaus constar como o sexto maior PIB do Brasil, com uma contribuição de aproximadamente R$ 51 bilhões, o estado do Amazonas tem dois entre dez dos municípios mais miseráveis do país, ocupando respectivamente o primeiro e o terceiro lugar da lista, segundo ranking da miséria por municípios da CPS FGV. Esses resultados sugerem um título alternativo ao utilizado por Périco: “Zona Franca de Manaus: renúncia sem tantos benefícios”.

O último ponto que cabe ser destacado nesta análise sobre a ZFM refere-se ao futuro. A Emenda Constitucional 83/2014 promulgada no ano de 2014, prorrogou por mais 50 anos (ou seja, até 2073) os incentivos fiscais especiais à ZFM. É importante pontuar que políticas de proteção podem ser importantes para fomentar a uma indústria nascente ou incipiente, não podem tornar-se eternas. Políticas de proteção eficazes, por isso mesmo, são necessariamente temporárias, pois, se bem sucedidas, resultam em indústrias competitivas, que não mais necessitam de proteção.

A renovação das proteções significa que a política originalmente desenhada fracassou nos seus objetivos, revelando-se incapaz de promover o desenvolvimento esperado. As seguidas extensões de uma política de proteção permite a sobrevivência de setores incapazes de produzir com o mesmo nível de eficiência de outras empresas no Brasil, beneficiados por recursos que poderiam ser utilizados para outros fins, além de significar a alocação de capital e trabalho para produção de bens que poderiam ser mais eficientemente produzidos em outras condições. Portanto, a proteção perene significa que os recursos produtivos estão sendo alocados de forma menos eficiente que o possível, prejudicando a produtividade do país.

O desenvolvimento econômico e social do país, e, em particular, de Manaus, é um tema fundamental e urgente em um país em que a produtividade e a renda tem tido um desempenho tão medíocre em comparação com muitos países há quase quatro décadas. Produção e geração de emprego que dependem perenemente do auxílio de benefícios públicos são inexoravelmente frágeis, pois ocorrem em prejuízo dos demais. Desenvolvimento significa identificar as atividades em que as diversas regiões possuem potencial de vantagens comparativas a ser aproveitado de modo a produzir bens e serviços de forma eficiente. Identificar o potencial produtivo da região, viabilizando geração de renda e bem estar social de forma sustentável, fortalece o país e torna perene o desenvolvimento regional.

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