Sábado, 23 Novembro 2024

Maurício Araquam de Sousa é assessor da Diretoria de Planejamento do Porto de Santos (CODESP) e doutorando em Planejamento de Transportes pela Universidade de Brasília

No Brasil há um descompasso entre a política industrial e a de comércio exterior. Ao mesmo tempo em que empresários reivindicam medidas protetivas e de redução da carga tributária, a fim de resguardar setores industriais, as Zonas de Processamento de Exportação - ZPE permanecem como estruturas jurídicas ainda com tímida implantação fática. No caminho inverso de um maior fechamento comercial, o desenvolvimento de uma estratégia que permita uma melhor conexão da política industrial do país a diversas cadeias logísticas internacionais de suprimentos poderia servir como vetor de um novo processo de reindustrialização, como procuraremos expor.

A competição por novos mercados origina cenários cada vez mais complexos em todo o mundo. Ao mesmo tempo em que a China e alguns outros países asiáticos contribuem para a desindustrialização da Europa em segmentos da indústria têxtil e eletroeletrônica, por exemplo, algumas empresas européias acabam sendo bem sucedidas em diversos países em desenvolvimento como o Brasil, de que são exemplos a presença das francesas Renault, Peugeot e Citroen, das alemãs Mercedes, Audi e Volkswagen, das suecas Volvo e Scania e da italiana FIAT, no caso da indústria automobilística.

Idem para as empresas européias que constroem carros, motores e equipamentos elétricos também na China, transferindo tecnologia àquele país, mas lucrando com a escala daquele mercado consumidor, além dos mercados para onde a produção das Free Trade Zones - FTZ chinesas é direcionada.

Do mesmo modo, fluxos de informação rumam do Vale do Silício nos EUA em direção à China e países vizinhos (Taiwan, Cingapura, Malásia, Indonésia, Coréia etc), onde são convertidos em mercadorias cujos consequentes fluxos logísticos (por exemplo, de equipamentos, roupas e eletroeletrônicos) são direcionados para todo o mundo, e inclusive de volta aos próprios EUA.

Esses exemplos servem apenas para ilustrar o grau de complexidade e interdependência entre mercados nacionais e internacionais nos dias de hoje, onde não são raras etapas sucessivas de fabricação de alguns produtos em dois ou até três continentes distintos, até sua total finalização. Com raras exceções, o Brasil se insere de forma passiva neste contexto, recepcionando projetos, mas não conseguindo adequadamente levar parcelas de suas cadeias produtivas industriais a outros mercados. Aliás, de um modo geral, o que ocorre é a inserção em larga escala e com êxito de alimentos e de commodities agrícolas e minerais em países como a China, Alemanha e Holanda, países esses que conseguem, efetivamente, agregar valor a essas mercadorias, redirecionando-as a seus mercados internos, ou reexportando-as a outros mercados internacionais, após certas etapas produtivas.

Não conseguindo focar adequadamente no mercado externo, a indústria nacional se retrai, ante a acirrada concorrência com produtos asiáticos, muito mais baratos.

Uma maneira de reverter esse viés de desindustrialização foi explicado pelo professor Jorge Hori em matéria publicada no Valor em 16/01/2015, por meio de uma estratégia de redirecionamento das multinacionais instaladas no país para novos mercados internacionais a serem abertos, tendo em vista a escala de produção dessas empresas. Ou seja, na aparente exaustão do mercado interno, o caminho seria orientar as cadeias industriais do país ao mercado externo. Vou um pouco além nesta análise.

Se por um lado não há espaço hoje para uma redução nos tributos que oneram nossas diversas cadeias produtivas, o que reduz ou inviabiliza a competitividade de diversos produtos no mercado internacional, por outro lado já estão criados regimes como o da ZPE (e o drawback), voltados para a reexportação de mercadorias montadas ou finalizadas no Brasil, a preços competitivos, tendo em vista a desoneração realizada sobre uma série de impostos.

Neste contexto, para além da função de promoção comercial para as pequenas e médias empresas, caberia à inteligência comercial da Apex Brasil e também ao Itamaraty um esforço de identificação, negociação bilateral e divulgação aos empresários nacionais de mercados internacionais aptos à recepção não só de nossas mercadorias, mas também de algumas de nossas cadeias industriais, em escala adequada.

Uma vez identificados esses mercados, caberia ao governo incentivar as multinacionais já existentes no país, sejam elas de origem nacional ou internacional, a instalarem novas plantas nas ZPE atuais ou em outras a serem construídas em outros municípios (de preferência próximos aos portos do país), a fim de atenderem as novas oportunidades detectadas no mercado internacional (por exemplo, de equipamentos elétricos, máquinas ou equipamentos agrícolas), tendo em vista os preços mais competitivos dos produtos finalizados já com essa desoneração, da mesma forma já realizada pela China e por diversos países europeus há muitos anos.

Esse movimento seria ainda mais fecundo se acompanhado pelos estudos desenvolvidos pelo IPEA, MDIC e ABDI no sentido do desenvolvimento de estratégias adequadas para a inserção desses produtos em novos mercados. Em certos casos, a transferência de tecnologia será necessária, em outros, capacitação de mão de obra, tanto no Brasil quanto eventualmente no exterior (na eventual necessidade de montagem final de máquinas em países estrangeiros), da mesma forma que acordos também deverão ser negociados entre a empresa nacional e as empresas estrangeiras parceiras, a fim de permitir a internacionalização de etapas das cadeias produtivas.

Nesse sentido, o cenário fica bem mais complexo que a mera produção e comercialização de produtos no país, sendo necessários também estudos voltados ao melhor dimensionamento dos canais logísticos que levarão os produtos iniciados ou finalizados no país, rumo aos mercados consumidores internacionais. Ou seja, além da qualidade, preço e estruturação de rede de manutenção no país importador, elementos que caracterizam a competitividade do produto em si, atenção também deverá ser dada aos modais de transporte e estratégias logísticas (de regra, com o uso do contêiner) a serem utilizadas, a fim de permitir uma otimização no acesso dos produtos a esses mercados, e daí aos canais de distribuição internos a esses países.

Devido à possibilidade de atração de investimentos externos ao país (adicionalmente à ocorrência de spillovers tecnológicos para nossa indústria), as ZPE devem passar a ser efetivamente utilizadas como elementos de política industrial, a fim de permitir a formação no Brasil de clusters logísticos e industriais que passem a agregar valor a produtos finalizados ou com etapas produtivas no país, no caso de produção orientada ao mercado externo (em um percentual mínimo de 80%).

Essa reorientação em bloco de nossas cadeias produtivas ao mercado externo poderia reverter o atual quadro de desindustrialização, permitindo no médio prazo o aumento de eficiência de nosso parque industrial e também a implantação sustentada de políticas de inovação e de desenvolvimento tecnológico, o que fecharia o ciclo, possibilitando a conexão do país a novas cadeias industriais e logísticas de valor ainda mais elevado.

Esse processo de abertura e busca de mercados externos deve, entretanto, ser guiado por uma estratégia de longo prazo no sentido tanto de capacitação de mão de obra do país quanto da formação de parcerias internacionais, para que as empresas estrangeiras que queiram acessar o mercado nacional se associem, efetivamente, a empresas brasileiras já atuantes em nosso mercado. E para que, da mesma forma, as empresas nacionais que queiram atuar externamente tenham condições de associar a parceiros internacionais já atuantes naqueles mercados, em parcerias estratégicas que reduzam custos de transação e barreiras à entrada nesses mercados, sejam elas barreiras tecnológicas ou logísticas, com ganhos mútuos.

Uma política industrial paralela à de comércio exterior pode ser desenhada nesse sentido, funcionando o Estado como um efetivo identificador de oportunidades e acelerador de projetos nacionais e internacionais para nossos empresários, em novos ambientes de ação, mais complexos que os usuais. Mas também mais lucrativos.

 

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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