Sexta, 22 Novembro 2024

Valdemir Pires é economista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara

Aeconomia mundial freou feio em 2008-2009 e não estão encontrando motor capaz de colocá-la em movimento outra vez. E os conselhos e sugestões mais ouvidos para solucionar o problema são, contraditoriamente, os do motorista “barbeiro” – o mercado financeiro, exatamente o culpado pela anemia comercial e produtiva que ser quer interromper. Essa credibilidade fora de lugar se deve, em parte, ao fato de o “barbeiro” ser credor de fração significativa do valor do carro estacionário; em parte pela falta de motoristas corajosos, hábeis e suficientemente apoiados para assumir o volante; em parte, ainda, por as técnicas de direção estarem, hoje, sob intrincada controvérsia teórica.

O Brasil vinha na contramão, nessa história, mantendo a sua economia aquecida por meio de políticas anticíclicas que, apesar de tradicionalmente úteis apenas nas transições de curto prazo, terminaram durando seis anos. Tempo em que políticas sociais redistributivas, de ampliação do acesso ao crédito e políticas fiscais favoráveis ao crescimento deram fôlego à produção e ao emprego, numa triangulação positiva entre governo, empresariado e consumidores emergentes da nova classe C – PT como síndico.

Se o da frente freia, o que vinha atrás com menor velocidade não bate, de imediato, mas o choque é inevitável se o da vanguarda para ou quase para. É o que está acontecendo. E o que se está fazendo para evitar o desastre? Parando o carro que ainda está em movimento...

A política econômica de ajuste de Dilma II-Levy Ib despreza a possibilidade de uso do acelerador, por menos que nele se pise, ao implementar:

- aumento da arrecadação federal ancorada em contribuições não transferíveis para estados e municípios (CIDE, PIS, Cofins) e em imposto retido exclusivamente pela União (IOF), para que os recursos adicionais possam ser utilizados para honrar as exigências de superávits primários;

- retomada da arrecadação de que se havia aberto mão, até agora, para manter as vendas em setor dinâmico da produção industrial (fim da redução de IPI para automóveis), combinada com mais IPI sobre cosméticos e alíquota maior (de 9,25% para 11,75%) sobre importações;

- aumento disfarçado (mas não tanto) do imposto de renda, por meio do congelamento (total ou parcial) da tabela utilizada para o cálculo do recolhimento;

- medidas de redução dos gastos, como maior rigidez na concessão do seguro-desemprego, restrições às pensões pagas pelo INSS e contingenciamento nas despesas de investimento e de custeio previstas no orçamento da União.

Todas essas medidas retiram dinheiro das mãos dos consumidores e encarecem não só o consumo final, mas também o produtivo, reforçando apertos que já estão chegando pela via do aumento dos juros e da desvalorização cambial.

Trata-se de uma guinada impressionante na política econômica, a ponto de tornar apenas elemento da memória o ideário que caracterizou os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma. O que traz de volta uma pergunta que se fazia na era FHC: não seria o crescimento econômico a melhor fonte de sustentação da arrecadação e o meio menos custoso para honrar os superávits primários exigidos pelo mercado financeiro internacional e credores em geral?

Pergunta a que o governo Lula respondeu sim, encontrando a trilha que vinha sendo seguida até ontem (neodesenvolvimentismo?). Mas que serve, ao que se sabe, agora, para enfrentar “marolinhas”, mas não tsunamis.

Na hora da onça beber água, a salgada é rejeitada. Que onça é essa? Alguém aí é caçador e se habilita? Ou alguém tem água doce suficiente, nestes tempos de crise hídrica?

 

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