Quinta, 28 Março 2024

Neusa Maria Pereira Bojikian é professora da Faculdade Santa Marcelina e Marcos Cordeiro Pires é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília

Em razão do impasse nas negociações multilaterais de comércio, especificamente, da Rodada Doha da OMC, emerge uma discussão sobre a necessidade de rever a estratégia de política comercial do Brasil, focada predominante nessa organização.

Muitas análises trazem comparações entre Brasil e outros países/regiões, que mantêm inúmeros acordos de comércio internacional e, entre os nossos vizinhos, Chile é o mais citado nos arranjos bilaterais. Na denominação regional conhecida como Ásia-Pacífico – da qual fazem parte: Estados Unidos, Rússia, o conjunto de Estados que compõe o chamado sudeste asiático, as duas maiores potências asiáticas (China e Japão), além da Coreia do Sul, da Índia, da Austrália e da Nova Zelândia, e países das Américas, como Canadá, Chile, México e Peru –, o dinamismo comercial é fato e faz com que, inclusive, os Estados Unidos estejam vigilantes e propositivos em uma agenda comercial, como o Trans-Pacific Partnership Agreement (TPP, integrado por Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Estados Unidos e Vietnam), que amarra comercialmente praticamente toda a região em referência, mas tenta barrar a China.

Cabe questionar aqui: de que modo competir com o dinamismo comercial dos países banhados pelo Pacífico, cujo apelo parece só eles possuírem? A Austrália, por sua relação próxima com os Estados Unidos, torna-se a parceira comercial que muitos países procuram; China e Índia apresentam interesse por essa parceria há muito tempo. A China é, em todos os sentidos, o centro das atenções. Apesar da constante tensão que caracteriza a relação entre esse país e os Estados Unidos, em muitos aspectos os dois atores parecem adotar a máxima de “se não puder com o inimigo, ‘alie-se’ a ele”.

Além disso, as negociações bilaterais entre Estados Unidos e União Europeia (UE) em torno do Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) são de tal significância que, se resultarem em acordo, fazem surgir a maior área de comércio preferencial.

Os especialistas em política comercial apontam uma série de fatores que pode explicar a falta de avanço no plano multilateral em favor da proliferação dos acordos preferenciais de comércio, como os acordos bilaterais e os regionais. Entre os fatores do denominado pífio desempenho do multilateralismo, estaria a necessidade de haver mudanças na OMC. Essa visão atribui aos imperativos institucionais a causa da não cooperação. De outra perspectiva analítica, como das abordagens teóricas de negociações internacionais, o que se verifica fundamentalmente é a opção pela estratégia com predominância assertiva (não cooperativa) entre os países com comportamentos inconstantes e incoerentes vis-à-vis aos princípios defendidos. Essa conduta não é novidade, assim como a presença de muitas “ambiguidades construtivas” em negociações dessa natureza, haja vista a Declaração Ministerial de Doha. Entretanto, em um contexto de política de poder mais complexa com a emergência de países como China e Índia, a resistência aumenta e as negociações travam no plano multilateral.

A competição praticada pelos países no comércio internacional está cada vez mais distante do princípio do “livre comércio”, o qual, vale destacar, nunca foi de fato praticado, nem mesmo na origem das instituições criadas em Bretton Woods. Hoje, já não se fala mais nisso, mas sim em “comércio justo”, o que dá margem para interpretações ainda bastante particulares.

A questão agrícola de fundamental interesse do Brasil é a que menos se enquadra em qualquer um dos conceitos acima. A aprovação da FarmAct, pelo Congresso dos Estados Unidos, pós lançamento da Rodada Doha, reforçando as medidas de apoio interno à produção agrícola, e a reforma muito pouco expressiva da Política Agrícola Comum, pela UE, em 2003,  vão na contramão da ofensiva liberal no comércio. Sem contar que esses países, embora apresentem reduzidas médias tarifárias de importação, praticam alta proteção a mercadorias específicas da pauta de exportação do Brasil – açúcar, suco de laranja e tabaco são exemplos de produtos sujeitos a picos tanto nos Estados Unidos, como na UE; álcool, banana, carne bovina e carne suína são exemplos de picos na UE.

De outro modo, ainda que o Brasil também tenha interesses nas negociações comerciais do setor de serviços, o país não tem feito parte delas, pois, a princípio, não se enquadra no seleto grupo “The Really Good Friends of Services”, que está envolvido nas negociações para a constituição do acordo Trade in Services Agreement (TISA, integrado por Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Estados Unidos, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Suíça, Taipé Chinês (Taiwan), Turquia e União Europeia).

Outro desafio imposto ao Brasil é a questão da competitividade econômica no que está relacionado, especificamente, ao comércio internacional. Vários países mantêm desvalorizadas suas moedas, promovendo a própria competitividade em detrimento de outros. China é o caso mais emblemático, entretanto, outros países também adotam essa prática, como, por exemplo, Alemanha e Argentina.

Como entender os fundamentos das ações políticas no âmbito comercial com base em critérios discutíveis? O que os negociadores brasileiros podem fazer para superar esses desafios? Diante dessas questões, reiteramos a ideia de que a academia brasileira deve incentivar a formação de profissionais da área, tornando-os hábeis para refletir e apontar soluções sobre questões dessa natureza. O relançamento do curso de Especialização em Negociações e Operações Internacionais, já em 2015, pela Unesp, com apoio de diversas instituições, por exemplo, foca tal necessidade.

 

 

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