O site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro recebeu diversas reclamações de Despachantes Aduaneiros, dando conta de que armadores estrangeiros, agentes marítimos e agentes desconsolidadores de cargas estão forçando esses profissionais, no ato da assinatura dos Termos de Compromissos, a se colocarem como solidários nas obrigações das devoluções de containers e pagamentos de demurrages, retendo indevidamente as cargas dos importadores, clientes dos Despachantes, caso se recusem a concordar com tal absurdo.
Histórico
O termo de compromisso de devolução de container, no início da sua implantação, era utilizado apenas para reafirmar a obrigação do consignatário em devolver o equipamento ao armador. No entanto, a partir da segunda metade da década de 90, época em que a demurrage de container no Brasil começa a ser tratada pelos armadores, agentes marítimos e desconsolidadores como um grande negócio, como enorme fonte de receita sem prestação de serviço, o termo passou também a reafirmar a obrigação do pagamento das demurrages, bem como informar o free time, condições e os valores praticados por cada armador, viabilizando, assim, também o sucesso das ações judiciais dos armadores que, antes disso, tinham suas demandas julgadas improcedentes, porque não informavam prazos e valores. Os Bills of Ladings(Bs/L) dos armadores, formulários com cláusulas padronizadas mundialmente, não traziam e não trazem esse nível de detalhamento, porque cada país tem suas condições e valores aplicados de acordo com as suas legislações e características.
As previsões das cobranças de demurrage estão nos Bs/L, que podem ser entendidos como contratos de transporte, contratos de adesão, ou evidências da existência de contratos de transporte, dependendo da opinião legal de cada um, vez que o tema é controverso. O fato é que os Despachantes Aduaneiros, prestadores de serviços dos importadores, não fazem parte do contrato de transporte, ainda que figurem como parte a ser notificada da chegada da mercadoria, e jamais podem ser forçados a assinar um termo que os obrigue a serem solidários ao pagamento de indenizações ou ressarcimentos de equipamentos por avarias ou descaminho. Da mesma forma, não pode um armador, agente marítimo ou desconsolidador reter ilegalmente as mercadorias de um importador, porque o despachante está se recusando assinar um documento, exercendo o seu direito. Afinal de contas, o Código Civil Brasileiro, no seu Art. 265, é cristalino ao determina que a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Assim, quando os Despachantes Aduaneiros são compelidos a assinar esses termos de compromisso em que se colocam forçosamente como solidários, sob ameaça de retenção das mercadorias de seus clientes importadores, seja através da não entrega do original do B/L, seja através do não desbloqueio da CE Mercante no Siscarga, verifica-se, claramente, a ilegalidade operando em um setor cuja grande característica é a falta de fiscalização e regulação por parte da ANTAQ. Ora, em um setor onde a autoridade reguladora até hoje não mostrou para o que veio, é óbvio que prevalecerão as condutas oportunistas que visam lesar os usuários, bem como aqueles que a eles prestam serviços.
É um absurdo fazer isso com os Despachantes Aduaneiros. Existem casos em que os despachantes se recusaram a assinar os termos e comunicaram os fatos aos seus clientes. Ato contínuo, os importadores se envolvem no problema, contataram armadores, agentes marítimos e desconsolidadores e esses ainda jogaram os Despachantes contra seus clientes, afirmando que determinado profissional, ou comissária, é a única que se recusa a assinar o lesivo documento.
Ora, os armadores, agentes marítimos e desconsolidadores sabem muito bem a pressa que todos os importadores têm em desembaraçar e liberar as suas mercadorias. Sabem muito bem que qualquer dia de atraso na liberação de uma mercadoria de importação pode ensejar em pagamentos de períodos de armazenagem aos recintos alfandegados e que, dependendo dos valores CIF das mercadorias, as despesas poderão atingir enormes montas. É covardia forçar Despachantes Aduaneiros ao pagamento de demurrages que, de forma totalmente desregulada, correndo à revelia da ANTAQ, podem chegar a milhões de reais.
Fatos como os que estão acontecendo no Rio de Janeiro aconteceram recentemente em Santos e foram alvos de grandes reclamações e disputas. Fatos como esses, provavelmente, devem estar acontecendo em outros portos e os Despachantes Aduaneiros devem se recusar a assinar termos que os coloquem como solidários e, principalmente, devem buscar seus sindicatos para denunciar tais fatos e requerer denuncia à ANTAQ via entidade de classe. Existem registros de Despachantes e comissárias de despachos que foram condenadas ao pagamento das demurrages por conta do termo de compromisso assinado.
A verdade é que, desde a publicação da IN RFB 800/2007 (IN SISCARGA) os armadores começaram a tornar a liberação de B/L na importação um verdadeiro martírio, burocratizando toda sistemática, fazendo uma série de exigências documentais, copias autenticadas de contratos sociais, valendo-se do termo para obrigar os usuários importadores a assinarem verdadeiros contratos com eleição de foro, geralmente em Santos-SP, para não precisarem arcar com despesas de processos nos domicílios dos réus, testemunhas e tudo mais de solene que possa existir para tornar o termo de compromisso um título executável, sem discussão de mérito. Aos usuários, não são dadas opções, pois suas cargas são feitas verdadeiras reféns, vez que não poderão sair dos recintos alfandegados, se os armadores não desbloquearem a CE-Mercante no SISCARGA, ou não liberarem o original do B/L. Ironicamente, os mesmos armadores que burocratizam a sistemática de liberação de carga, exigindo papéis e mais papéis são os mesmos que lutam pelo “Porto Sem Papel”.
O que está sendo narrado aqui, nada mais é do que o resultado de um setor desregulado, não fiscalizado, uma verdadeira terra (ou mar) sem lei, onde armadores estrangeiros, agentes marítimos e desconsolidadores sequer estão registrados e fazem as suas próprias “Resoluções sem Audiências Públicas” e criam seus próprios regulamentos marítimos.
THC sem comprovação de ressarcimento; sobrepreços que ferem os princípios de modicidade de preços e tarifas; cobranças sem documentos fiscais; “taxas” extrafretes (surcharges) cobradas às dezenas, sem regras, critérios e sem fiscalização; demurrages de containers; câmbio acima do oficial; falta de acompanhamento e controle sobre os fretes; falta de outorgas de autorização dos armadores estrangeiros; falta de registros de agentes marítimos, agentes desconsolidadores e NVOCC`s; centenas de omissões de portos; diversos e sucessivos atrasos em escalas; ordenamento do tráfego aquaviário no longo curso sendo feito pelos armadores estrangeiros aos seus melhores interesses; condutas lesivas aos usuários e seus prestadores de serviços e Bs/L e cargas feitas de reféns, ficando indevidamente retidas se os usuários contestarem algo. O que mais falta acontecer para a ANTAQ, finalmente, priorizar o Regulamento Marítimo e intervir nessa baderna?