Quinta, 21 Novembro 2024

Arquiteto e urbanista, professor titular de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é vereador (PT) e membro da CPI da Sabesp

Para não tomar medidas impopulares em período eleitoral, o governo Geraldo Alckmin tem deixado de adotar providências indispensáveis para enfrentar o estresse hídrico que afeta o Estado de São Paulo. De forma irresponsável, está criando o que pode vir a ser uma calamidade pública nas regiões de São Paulo e Campinas, onde vivem cerca de 25 milhões de cidadãos e onde se gera 23% do PIB nacional.

O nível do sistema Cantareira, que atendia 8,8 milhões de habitantes só na região metropolitana de São Paulo, caiu a 4,5%. Em um mês poderá estar zerado. O sistema Alto Tietê, que atendia 3,5 milhões de moradores, está abaixo de 11% da sua capacidade. Mesmo que as chuvas de verão venham dentro da média histórica, a recuperação das represas será tímida.

Estima-se que, se os índices pluviométricos ficarem na média histórica, em 2015 a situação estará pior do que em 2014. Se chover menos que a média, faltará água e o racionamento, que vem sendo adiado por motivos eleitorais, embora metade dos paulistanos sofram com cortes não comunicados, terá que ser rigoroso. Não existe, ou não foi anunciado, um plano de contingência para essa possibilidade.

A crise não é apenas resultado de uma seca sem precedentes. Estava anunciada desde 2010, mas a Sabesp, raciocinando como empresa privada, vendeu mais água do que poderia. Relatório da própria empresa, de 2011, afirma que ela estava retirando do sistema mais água do que repunha.

Depois de passar anos sem promover campanhas educativas de peso para difundir o uso sustentável da água, as decisões da gestão Alckmin foram pautadas pela lógica do lucro e pelas eleições. Embora tente passar uma imagem de tranquilidade, a questão é mais profunda.

Assim, em depoimento na CPI na Câmara Municipal que investiga a crise hídrica, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, afirmou, com a arrogância dos "sábios", que a seca do verão de 2014 só ocorrerá daqui a 3.338 anos, desconsiderando os efeitos devastadores das mudanças climáticas.

A Sabesp, semiprivatizada, está mais preocupada em vender água e distribuir dividendos do que promover o uso racional de um bem escasso. Nos últimos cinco anos, seu lucro líquido foi R$ 8,2 bilhões, dos quais R$ 2,5 bilhões foram distribuídos aos seus acionistas.

Ademais, a Sabesp fracassou em medidas estruturais, como na redução das perdas causadas por ineficiências. Entre 2009 e 2014, a empresa investiu R$ 1,1 bilhão no Programa de Redução de Perdas, mas o resultado foi insignificante: segundo dados apresentados por Pena, entre 2009 e 2013, o índice de perdas de micromedição caiu de 31,4% para 30,4%; o índice de perdas físicas, de 20,4% para 19,8%.

Reportagens publicadas no "Jornal da Tarde" e na "Carta Capital" mostraram que as empresas contratadas para a execução desse programa são de propriedade de ex-diretores da própria Sabesp, suspeitando-se de fortes ligações com o PSDB.

Já que a Assembleia Legislativa não investiga e que inexiste controle social na Sabesp, a CPI em curso na Câmara Municipal é uma oportunidade para desvendar a caixa- -preta que está por trás da crise hídrica que afeta os paulistas.

* Este artigo está publicado no jornal Folha de S.Paulo, do dia 15 de outubro de 2014.

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