Por Francisco Américo Cassano, professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É doutor em Ciências Sociais voltada para Relações Internacionais, Mestre em Economia Política e Bacharel em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
O que parecia uma crise interna – a recusa do governo ucraniano à assinatura de um acordo de cooperação com a União Europeia-EU (com opção por uma integração na Federação Russa, sob apoio do governo russo) e a não aceitação dessa decisão pela população ucraniana, com a deposição desse governo – acabou gerando um efeito regional indesejado, uma vez que o governo russo resolveu intervir indiretamente na situação, estimulando a integração da Crimeia na Federação Russa, o que causou forte reação de parte da população ucraniana, pois fazia parte do território ucraniano.
O objetivo do governo russo ao apoiar a manutenção da Ucrânia sob o controle da Federação Russa, e ao desaprovar o acordo de cooperação com a União Européia, foi o de obter livre acesso ao território europeu, o que lhe garantiria vantagens econômicas e políticas.
Entretanto, o novo governo ucraniano – eleito após a dissolução do governo anterior – além de se declarar favorável à cooperação com a UE, não aceita a integração da Crimeia à Federação Russa por não reconhecer que o Parlamento da Crimeia tivesse poder para decidir sobre essa matéria. Considerando-se, também, que parte da população ucraniana é composta por russos – favoráveis à integração com a Federação Russa –, surge outro efeito indesejado que é a ocorrência de fortes conflitos separatistas.
Se já não bastassem esses desconfortáveis efeitos regionais indesejados, é possível detectar outros efeitos indesejados em nível internacional e sob vários aspectos:
· Político – o comprometimento da reinserção russa no cenário internacional, uma vez que o Ocidente (principalmente Estados Unidos-EUA e UE) não aceita a forma com que o governo russo trata a questão ucraniana e, também, o estímulo e o apoio aos separatistas ucranianos pró-Rússia;
· Diplomático – a não aceitação dessa conduta do governo russo, tanto pelos EUA como pela UE, forçou a aplicação de sanções econômicas a setores vitais da economia russa (serão ainda mais severas se for confirmado que o abatimento do avião comercial malaio tenha sido causado por armamento russo cedido aos separatistas);
· Econômico – a aplicação das sanções econômicas e uma possível reação russa às mesmas, poderão implicar – descartando-se, em princípio, a ocorrência de conflitos bélicos – em distorção dos preços internacionais de importantes commodities como o gás, o trigo e o milho, abundantes tanto na Rússia como na Ucrânia. Isto abalaria o comércio internacional e colocaria em risco a cadeia produtiva global;
· Jurídico – a instabilidade política apresentou, desde o início desta semana, um novo componente causado pela recusa de futebolistas estrangeiros (na maioria são brasileiros) em retornar para a Ucrânia após um período de treinamento em campos europeus. Tal recusa, sob a alegação da segurança pessoal e familiar, pode implicar em rescisão contratual com perdas significativas para os clubes ucranianos, mas, também, pode ocasionar situações desconfortáveis para esses futebolistas caso os preceitos contratuais sejam exigidos e mantidos pelos clubes.
Por oportuno, cabe citar a posição do governo brasileiro, diante das sanções punitivas aplicadas ao governo russo, ratificando a posição dos BRICS de preocupação com os efeitos decorrentes da crise e clamando por diálogo mais abrangente.
Considera-se, neste momento, com a inclusão de cidadãos brasileiros no contexto da crise, que o nosso governo dispõe de excelente oportunidade para aprofundar ações em busca de uma solução que interesse igualmente às partes envolvidas na crise.
Esse é o verdadeiro papel que um país emergente – como é o caso do Brasil – deve assumir para realçar a sua importância no cenário internacional.
Manter-se na confortável posição de neutralidade, reforçará o pensamento de que o governo brasileiro atua unicamente em alianças com países da mesma linha de pensamento e apenas com interesses regionais.