Quinta, 27 Novembro 2025
Opinião | Antonio Mauricio Ferreira Netto
Consultor. Engenheiro mecânico e de produção. Especialista em Planejamento e Gestão Pública; Transportes; Transportes Urbanos; Portos; Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas.
Antonio Mauricio

No âmago dos portos brasileiros pulsa uma força de trabalho vital, porém ainda pouco ou mal reconhecida: o Trabalhador Portuário Avulso (TPA).

Estima-se que mais de 20 mil trabalhadores avulsos sustentam as operações portuárias que representam mais de 90% do comércio exterior nacional.

Enquanto o caminhoneiro, peça-chave do modo rodoviário, já tem, de certa forma, seu esgotamento mental reconhecido em alguns programas de acolhimento, o TPA permanece à sombra, enfrentando uma rotina única de instabilidade, pressão operacional extrema e riscos físicos e psicológicos que raramente são alvo de políticas públicas ou práticas empresariais consistentes.

A Psicologia, neste contexto, transcende a ideia de um benefício opcional. Ela se revela uma ferramenta estratégica na gestão de riscos, produtividade e capital humano, com potencial para reduzir acidentes, aumentar a eficiência e humanizar uma das profissões mais críticas para a economia nacional, se constituindo como pilar estratégico fundamental para o bem-estar dos trabalhadores e a produtividade portuária, conforme destacado pela Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego – ABRAPSIT (2022).

Riscos Invisíveis do Cais: Muito Além do Esforço Físico

A rotina do TPA é marcada por uma série de desafios psicossociais singulares, sendo que os fatores de risco vão muito além do manuseio de cargas perigosas ou da operação de equipamentos pesados.

Instabilidade e Ansiedade Crônica: A imprevisibilidade do “chamamento” no OGMO gera mais do que incerteza financeira; é uma fonte constante de ansiedade. Como disse um trabalhador em estudo da Fundacentro: “A gente vive de esperança. Dorme pensando se vai ser chamado amanhã e acorda correndo para o portão.” Essa condição sabota o planejamento de vida e afeta relações familiares e autoestima.

Sobrecarga e Fadiga Decisional: Os picos de atividade intensa, seguidos por períodos de ócio forçado, desregulam o ciclo natural de estresse e recuperação. Durante o descarregamento de um navio, o TPA precisa tomar centenas de microdecisões rápidas sob pressão. A fadiga mental resultante é um “EPI não utilizado”, responsável por grande parte da desatenção e acidentes (ABRAPSIT, 2022).

Paradoxo da Hipervigilância: Trabalhar ao lado de guindastes, cabos tensionados e espaços confinados exige atenção constante. Porém, o cérebro humano não sustenta alerta máximo por longos períodos. O resultado é o paradoxo da segurança: a hipervigilância leva ao esgotamento, que gera complacência perigosa.

Cultura do Silêncio e Isolamento Social: A cultura masculina predominante e a rotatividade das turmas dificultam vínculos sólidos. O medo de demonstrar fragilidade e perder oportunidades reduz drasticamente a busca por ajuda psicológica.

Soluções e Iniciativas Adaptadas: Um “Porto Seguro” Psicológico

Não é preciso reinventar a roda. Setores como rodoviário, aviação e offshore já demonstram a eficácia de intervenções psicológicas. Adaptá-las ao universo portuário é o caminho natural.

Integração Psicológica no OGMO: Sessões de boas-vindas com técnicas de autogestão do estresse e mindfulness.

Plantão psicológico e grupos de apoio: Psicólogo no cais ou por teleatendimento, com rodas de conversa sigilosas sobre conflitos, raiva e saúde familiar.

Check-ups de Saúde Mental: Avaliações periódicas de fadiga e bem-estar antes do turno.

Treinamento em Fatores Humanos: Capacitações baseadas em comunicação não-violenta, trabalho em equipe e percepção de risco.

Exemplo real: Um programa de “Gestão de Fadiga” em um terminal de contêineres no Porto de Santos reduziu em 18% os near-misses no primeiro ano.

Governança do Cuidado: Uma Rede de Corresponsabilidade

A construção de um programa consistente depende de uma aliança estratégica entre OGMO, operadores, sindicatos, autoridades portuárias e psicólogos.

OGMO: Deve se tornar o hub do bem-estar, sendo elo de confiança com o trabalhador.

Operadores Portuários: O investimento em saúde mental deve ser entendido como ROI em segurança e produtividade.

Sindicatos: Legitimam a pauta e garantem que as iniciativas sejam práticas e efetivas.

Autoridade Portuária e ANTAQ: Podem induzir o tema por normas, licitações e incentivos fiscais.

Psicólogos: Adaptam a ciência à realidade singular do cais, criando protocolos aplicáveis.

Conclusão

Investir na saúde mental do Trabalhador Portuário Avulso é um imperativo ético e econômico. É investir no ativo mais valioso do porto: seu capital humano. A humanização do trabalho portuário resulta comprovadamente em operações mais seguras, eficientes e resilientes.

Investir no TPA é investir na alma dos portos brasileiros.

Antonio Mauricio Ferreira Netto
Consultor. Engenheiro mecânico e de produção. Especialista em Planejamento e Gestão Pública e Transportes.
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