
Está programado para ocorrer nessa sexta-feira, 5/SET, o (tão esperado) leilão para concessão do Túnel Santos-Guarujá. Chegou-se a temer por mais um adiamento, quando no último 23/AGO, a duas semanas de sua realização na B3, o TCU pediu explicações “sobre fragilidades do projeto”.
Entretanto, conforme amplamente noticiado, agora é oficial: “TCU mantem leilão ....”. Corrobora-o a apresentação de propostas formais por duas empresas estrangeiras no prazo definido pelo cronograma (1º/SET): a espanhola Acciona e a portuguesa Mota-Engil (que tem como acionista a chinesa CCCC). As brasileiras que vinham estudando a documentação e avaliando participar foram, uma a uma, desistindo por “não terem conseguido financiamento dos bancos públicos e enfrentado taxas de juros proibitivas nas instituições financeiras privadas”.
Foram 4 as “fragilidades” apontadas:
“Matriz de riscos insuficiente: a matriz do contrato é genérica e incompatível com a complexidade de um túnel imerso sob o canal de navegação do principal porto do país.Governança interfederativa deficiente: inexiste instância formal e paritária de deliberação entre o governo federal, estadual e a APS.
OBS: “Governança Interfederativa”, bem como “Função pública de interesse comum” – FPIC (como infraestruturas para trânsito e transporte, tipo o Túnel e seus acessos) são conceitos e comandos do “Estatuto da Metrópole” (Lei nº 13.089/15).Titularidade e reversão do ativo indefinidas: a modelagem prevê reversão exclusiva ao Estado de São Paulo ao fim da concessão, apesar de a obra se situar integralmente sobre bens da União e contar com aporte federal relevante.Ausência de instrumento jurídico para o aporte da APS: não há definição do instrumento jurídico para formalizar o repasse, nem dos procedimentos de execução e controle.”
O temor de novo adiamento não era infundado; seja pela relevância das “fragilidades” arroladas, seja por terem sido elas apontadas aos 44 minutos do 2º tempo: se ainda persistiam, após mais de dois anos e meio de análises, discussões e tratativas, como esperar que fossem equacionadas em duas semanas?
Agravava o temor a lembrança de que muitas dessas questões já constavam do relatório da Seinfra que analisou o processo de desestatização da APS (Processo TC nº 035.732/2020-2); em cuja modelagem o Túnel veio a ser incluído (Item 536ss – pg. 88). Tal relatório acabou por ser apreciado pelo Plenário do TCU, em sua Sessão Extraordinária de 13/DEZ/22: não houve deliberação, visto que havia um governo recém eleito, a ser empossado em semanas, ao qual foi dado prazo para se manifestar sobre o objeto do processo. Por esse motivo, ao Túnel foi dedicada parte importante dos debates (minutos 24-49).
Desta feita, porém, os governos estadual e federal, e a APS foram céleres: atenderam à convocação do relator; sob sua coordenação participaram de “exitosa de audiência” no TCU em 27/AGO; e se posicionaram no prazo de 2 dias, por ele estabelecido para “aperfeiçoamento da governança federativa entre a União e o ESP”. Nesse sentido, se comprometeram a assinar um Aditivo com os novos condicionantes; porem “o tribunal determinou que os ajustes sejam feitos antes da liberação de recursos federais”.
Um Aditivo veio a ser entregue na data estabelecida. A esperança é que tenha eliminado, de forma eficaz e permanente, as “fragilidades” pontuadas (o texto não foi divulgado pela imprensa ou internet).
A se destacar, nesse processo, tanto o protagonismo do TCU como a forma com que os diversos órgãos e empresas, federais e estadual, acataram suas determinações e recomendações: aparentemente um novo normal que se consolida!
Amadurecimento do projeto e do modelo
Essas definições de última hora não foram as únicas a terem que ser resolvidas ao longo dos últimos 6 anos: quando a ideia/bandeira de uma nova ligação seca Santos-Guarujá voltou à baila, em 2019, mesmo sem ter-se totalmente claro o problema a ser resolvido ou os drivers em questão, opiniões/interesses se dividiam, polarizadamente, entre ponteou túnel como a solução: ponte defendida pela Ecovias e Governo do Estado – GESP (de então); e o túnel pela então Codesp (hoje SPA) e o movimento “Vou de Tunel” (BTP à frente). A opção-ponte foi descartada no início de 2022, prevalecendo a opção-túnel.
A discussão subsequente foi implantar-se o túnel como concessão independente ou se no bojo da desestatização da APS; alternativa esta que acabou sendo adotada mas, posteriormente, a própria desestatização foi descartada quando o novo governo federal assumiu o mandato. Houve também discussões e negociações no tocante ao traçado, aí envolvendo também as prefeituras da Baixada Santista: tanto a opção locacional da proposta apresentada pela respeitada projetista Figueiredo Ferraz (15/JUL/97), como sua opção tecnológica (túnel submerso: mais de 150 existentes no mundo), acabaram se consolidando desde então; seja pelo projeto da Dersa (de uma década atrás), seja no recentemente revisto pela Codesp/SPA e pelo GESP (atual gestão): 1,5 km de extensão, sendo 870 metros debaixo d’água.
A importância do túnel é quase uma unanimidade: para o Porto, ao contrário do que normalmente se pensa, não por permitir o tráfego de caminhões e carretas da Margem Direita para a Esquerda, e vice-versa (relativamente pequeno); mas por viabilizar eliminação/diminuição do fluxo de balsas e, assim, o aumento do tráfego de navios pelo estreito acesso aquaviário.
Mas, principalmente, para a Região Metropolitana da Baixada Santista por oferecer uma alternativa para os 14 mil veículos, 9,9 mil motos, 7,7 mil bicicletas e 78 mil pessoas que atravessam diariamente a balsa; além de redução do trajeto rodoviário de algo como 50 para 2 a 3 km. Face a essa demanda, o projeto prevê espaço para VLT, ciclovia e passarela. A estimativa é que a obra beneficie, diretamente, os mais de 720.000 habitantes das duas cidades; e os 3 milhões de turistas na alta temporada.
Justamente por tais características do projeto, mais metropolitanas, é que, sob o argumento de “a carga estar bancando a implantação do túnel”, houve discussões sobre a pertinência da então CODESP (hoje APS) aportar recursos para a implantação do túnel; ao invés de priorizar outros investimentos, necessários, em infraestrutura básica para expansão e modernização do Porto e do Complexo Portuário.
O projeto revisto pela Dersa teve Licença Prévia ambiental. Todavia, pelo tempo e/ou pelos ajustes feitos, havia dúvidas da necessidade e extensão de eventual revisão; dúvida essa que foi dirimida em 11/AGO passado: a CETESB emitiu uma nova LP.
Engenharia financeira
Os recursos para o megaempreendimento, claro, não teriam como ficar de fora das discussões e tratativas. Seja no tocante aos montantes e prazos envolvidos, seja quanto aos fluxos. Mormente neste caso porque, além de ser uma PPP (recursos públicos e privados), ele tem a participação de duas instâncias de governo: União e GESP. Esta é uma experiência pioneira que poderá até se converter em um “case” de governança interfederativa, até hoje pouco praticada e ainda não consolidada; e em benchmarking para outros empreendimentos infraestruturais e/ou de serviços que envolvam vários entes federativos.
O CAPEX registrado pelo Relatório da Seinfra era de R$ 3,85 bilhões (JUN/21; Item-536); e investimentos totais de R$ 4,2 bilhões (JAN/22; Item-537) – R$ 4,51 bilhões atualizados (AGO/2025). Quando divulgada a nova modelagem, pelo GESP, os investimentos informados haviam passado a ser de R$ 5,96 bilhões (+32%). Em 9/JUN, por meio de lacuna apontada pelo TCU como uma das “fragilidades”, o GESP republicou o Edital com mais um aumento (unilateral) de R$ 840 milhões (+14%), justificado porque “o modelo de concessão foi aprimorado após consultas ao mercado internacional, durante roadshows realizados na Europa”, segundo informações oficiais. Uma curiosidade: serão esses os números finais?
Os investimentos agora previstos são, assim, de R$ 6,8 bilhões. Desses, “até” R$ 5,1 bilhões (75%) virão de recursos públicos, divididos entre o governo federal e o GESP: “até” porque vencerá o leilão quem der maior desconto na contrapartida que o poder público pagará durante a concessão de 30 anos.
Assim, na próxima sexta-feira, mais que um investidor e/ou um concessionário, o que o poder público brasileiro fará é escolher a quem confiará a gestão de investimentos de R$ 5,1 bilhões em infraestrutura de mobilidade regional na Baixada Santista. No entanto, antes mesmo da gestão, caberá ao vencedor a definição final do traçado do projeto, com eventuais desdobramentos em termos de desapropriações e indenizações; dúvidas que ainda remanescem, p.ex, entre os moradores do Macuco.
Finalmente, há luz no fim do Túnel Santos-Guarujá: que bom!
Mas talvez também haja alguma neblina... que vai além da Serra do Mar.
