Por Edson Pinto é diretor-executivo da Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp)
Mesmo com a catástrofe climática que castiga o Rio Grande do Sul desde o início deste mês, ainda não existem problemas de produção e de armazenamento de arroz, de feijão, de óleo de soja e de leite no mercado brasileiro. A garantia vem do governo federal e de várias entidades de classe, como a Federação Agrícola daquele estado, as Associações Brasileiras da Indústria do Arroz e até mesmo a de Supermercados.
Apesar de o cenário não ser prejudicial no momento, os supermercados insistem em dizer, sem confirmação oficial, que há elevada procura por estes alimentos, para justificar sérias imposições unilaterais. A principal delas é limitar a quantidade destes mantimentos encontrados pelos consumidores no varejo.
Como consequência a esta prática questionável, já se verifica uma alta de 20% até 40% nos preços destes produtos, nos últimos dias, para grandes consumidores, como bares e restaurantes. Isso, se estes estabelecimentos não quiserem percorrer dezenas de atacarejos e comprar pequenas quantidades.
É importante lembrar que o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe condicionar a venda a limites quantitativos, sem justa causa. Mesmo com a negativa por parte da União e das entidades de classe, resta saber os motivos que levam a esta decisão, a ponto de, também, impor racionamento de alimentos à população - note-se, bem diferente de limitar produtos não essenciais.
Pergunto: por que este racionamento, agora, se isso não aconteceu nem durante a pandemia de Covid-19? A resposta pode ser criar um desabastecimento artificial para especular preços. Oportunismo puro, ao meu ver, aliado à falta de empatia e de respeito com os irmãos gaúchos, vítimas de catástrofe histórica.
Este contexto mostra a necessidade de se retomar no Brasil uma política séria de Segurança Alimentar. Trata-se de um conjunto de regras que garantem estoques reguladores estratégicos de mantimentos no País do Agronegócio. Assim, teremos como base um preço mínimo para o agricultor não ficar no prejuízo e, ao mesmo tempo, a regulação do abastecimento interno, a fim de diminuir as variações dos preços.
Algo parecido já foi implantado, tempos atrás, no Brasil. Porém, desde 2013, acentuou-se o derretimento dos estoques públicos. Com isso, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan) foi totalmente desmontado em governos anteriores. Consequentemente, o lobby das multinacionais de distribuição atuantes em solo brasileiro, altamente oligopolizado, agradece essa perda de soberania, ao passo em que entrega o mercado de Alimentos de bandeja à iniciativa privada, sem nenhum controle.
Por essas e outras, é preciso reorganizar o Sisan. Não se trata de intervenção no mercado, mas, sim, de necessidade. É preciso, como já descrito nas linhas acima, estabilizar preços e proteger a população mais pobre e o setor de Bares e Restaurantes - um dos maiores geradores de empregos do País, não de hoje.
Em meio a essa especulação no abastecimento das gôndolas, por força da enchente no Sul, o segmento de Alimentação Fora do Lar pode ser obrigado a realinhar o preço do cardápio, o que deve pesar ainda mais no bolso do cidadão. Atualmente, comer em casa está 14,4% mais caro do que fazer isso fora, justamente porque os estabelecimentos gastronômicos têm segurado os repasses, segundo a mais recente pesquisa da Federação de Hotéis, Bares, Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp). Porém, isso fica cada vez mais difícil de manter se a especulação continuar.
Sendo assim, é imperioso que os Estados coloquem seus órgãos de Defesa do Consumidor nas ruas, urgentemente, para que fiscalizem estas práticas. Em meio a lágrimas e sofrimento, perdas e dúvidas, não é possível que o brasileiro ainda tenha que arcar com o prato de comida mais caro por força de oportunismo.