
Fora do ranking em 2019, o Brasil retoma a 22º posição em 2020 no Índice de Confiança do Investimento Estrangeiro Direto (IED) conforme a pesquisa da Kearney. De acordo com o relatório, os fatores que alavancaram a credibilidade de investimento estrangeiro no Brasil foram a reforma da previdência e o foco na ampliação das privatizações. Contudo, é irrefutável que a agenda de reformas do modelo tributário e a modernização de marcos regulatórios em vários setores da infraestrutura devem ser retomadas com prioridade pelo governo para que o Brasil possa crescer.
Com o déficit das contas públicas estimadas em R$ 700 bilhões para 2020, e forte queda do produto interno bruto (PIB) o endividamento público poderá ultrapassar a marca de 90% do PIB. Portanto, é evidente que a margem para investimentos públicos em infraestrutura pública visando estimular o crescimento econômico é inviável. Todavia, uma plausível via para um rápido crescimento econômico do país é a descentralização e desestatização dos portos brasileiros.
E se por um lado o modelo landlord privado adotado pelas autoridades portuárias Australianas deixou a desejar, devido a elaboração inoperante de contratos firmados e ao extenso período das concessões (99 anos, exceto 50 anos em Melbourne) tenhamos como exemplo o sucesso da implementação desse modelo na Grécia.
Preliminarmente, é condição sine qua non esclarecer que embora frequentemente usado, o termo landlord privado é inexistente na literatura, a qual o denomina “Concessão Master”. Adicionalmente, é pertinente ressaltar as particularidades do modelo de gestão portuária landlord, adotado pela maioria dos portos no mundo versus o landlord privado. O fator comum em ambos modelos, envolve a autonomia das autoridades portuárias para gerir os portos entanto o Estado Federal retém o título de posse e legitimação da propriedade. A dissimetria restringe-se unicamente na concessão da gestão da infraestrutura portuária, dado que no modelo landlord, as concessões limitam-se as gestões da supraestrutura e operacionais, e no modelo landlord privado inclui-se a viabilidade da concessão da gestão da infraestrutura dos portos, além das supracitadas, para o setor privado.
Para se ter um ideia do quão atípico é a transferência da gestão da infraestrutura portuária do setor público para o privado, de cada cinco portos quatro pertencem ao setor público (Toolkit de Reforma Portuária do Banco Mundial (2016). E segundo a ESPO (2016), 87% das autoridades portuárias na Europa pertencem ao setor público, 7% é mista pública-privada e 6% privatizada. E a administração delegada aos Estados é de 59%, aos municípios 33% e mista estado-município 5%.
É oportuno salientar, que também comumente usado, termo “Privatização dos portos” é tecnicamente incorreto para designar o possível modelo de governança portuário contemplado pelo governo brasileiro, pois a reforma portuária restringe-se a concessão da gestão da infraestrutura (gestão privada das autoridades portuárias) e não envolve a venda perpétua dos ativos e título de posse e legitimação da propriedade.
E finalmente cruzaremos do Atlântico rumo ao Mediterrâneo a fim de elucidar os acertos e eficácia do modelo landlord privado aplicado na Grécia ao contrário dos erros e consequências evidenciadas na aplicação deste modelo na Austrália. E para evitar qualquer desqualificação das variáveis (Brasil e Grécia) escolhidas para avaliarmos o potencial do modelo landlord privado, dois cenários serão examinados para reforçar a coerência e relevância da reforma portuária grega como protótipo para se aplicar no Brasil.
Primeiro é indispensável e mandatório desconceituar os fatores demográficos, geográficos e econômicos entre os países devido às suas imensuráveis diversidades. Haja vista que a população brasileira consiste em 210 milhões de habitantes, com uma zona costeira que se estende por mais de 8.500 km, englobando 17 estados, mais de 400 municípios e um PIB anual (2019) totalizando em US$1,839,758 (trilhão) comparado a República Helênica e seus 10.415.735 habitantes, equivalente a 0.13% da população mundial, com uma zona costeira entorno dos Mares Egeu e Jônico ao longo de 13,676 km, composta por 6.000 ilhas das quais somente 227 são habitadas e um PIB anual (2019) totalizando em US$ 209,852,761 (milhões).
Todavia, e para a surpresa de muitos não familiarizados com a indústria marítima, a Grécia possui a maior frota mercante do mundo em tonelagem, ocupando a oitava posição como polo náutico mundial (Xinhua-Baltic International Shipping Centre Development Index (ISCD) 2020), com aproximadamente 900 instalações portuárias, e a movimentação conteinerizada no Porto de Pireu (maior porto grego) registrou 5.65 milhões de TEUs em 2019 comparado aos 4.165.248 de TEUs no Porto de Santos (maior porto da América Latina). E ao contrário da notável reputação como Estado de Bandeira e referência no desenvolvimento de frota mercante, os empreendimentos e performance do setor portuário grego lastimavelmente perduraram até a implementação do modelo de gestão landlord privado.
Tradicionalmente a gestão dos portos gregos encontravam-se 100% no setor público (service port) e as reformas portuárias iniciaram nos anos 90, devido a forte pressão da concorrência no mercado de transbordo. Contudo, o processo de devolução intensificou-se na década de 2000 e 2010 após o credit crunch de 2008 e com a desmesurada expansão da dívida pública. Portanto, o processo das reformas portuárias grega podem ser classificadas em três fases: corporatização, liberalização e gestão landlord privada. Na fase de corporatização em 1999, as Autoridades Portuárias de Piraeus (PPA) e Thessaloniki (TPA) ( maiores portos gregos) foram corporatizadas ampliando a autonomia de gestão das autoridades portuárias locais a fim de aprimorar a eficiência operacional, administrativa e comercial dos portos ( 25% das ações dos respectivos portos foram vendidos para o setor privado).
Na etapa de liberalização, em meados de 2008, o governo focou na desestatização e liberou a concessão dos terminais a terceiros buscando atrair capital privado para investimentos em infraestrutura pública ( e o Cais II e III do porto de Pireu foi concedido à COSCO Pacific em 2009).
Em 2012, todas as ações das autoridades portuárias dos portos de Pireu e Thessaloniki foram transferidas para o Fundo de Desenvolvimento de Ativos da República Helênica (TAIPED) que estruturou o programa e processo da transferência de gestão das autoridades portuárias do setor público para o privado. Em 2016, o governo concedeu à empresa chinesa Cosco Shipping Group, 67% dos ativos da Autoridade Portuária de Pireu (OLP) até 2052, mantendo o título de posse de propriedade. E no mesmo ano, a Autoridade Reguladora de Portos (RAL) tornou-se independente e foi estabelecida a Autoridade Pública Portuária (PAP), órgão independente vinculado ao Ministério de Navegação, ambos com atribuições de monitorar a governança portuária e garantir o funcionamento satisfatório dos mercados portuários.
E desde a implementação do programa de privatização das autoridades portuárias, o PIB do país aumentou em cerca de 1 bilhão de euros por ano no período de 2011 a 2019 (Fundação de Pesquisa Econômica e Industrial (IOBE). Segundo a TAIPED, no mesmo período foram criados aproximadamente 20.000 novos empregos no período integral e os novos acionistas trouxeram investimentos e mudanças significativas no modelo de negócios, com um forte impacto socioeconômico positivo na economia grega.
Conforme a TAIPED, o Terminal de Container de Piraeus (PCT), subsidiária da empresa chinesa COSCO que administra os terminais de contêineres desde 2009, a movimentação de contêineres aumentou significativamente desde a privatização, e em 2019 o terminal ocupou o 4º lugar na Europa (do 17º lugar em 2007) e ocupa o 1º lugar em 2020 no Mar Mediterrâneo. De acordo com o Relatório Financeiro Anual da Autoridade Portuária de 2019, o resultado líquido aumentou em 27%, para 35,4 milhões de euros comparado com 27,9 milhões de euros em 2018.
E em 2018, um consórcio germânico (South Europe Gateway Thessaloniki Ltd) adquiriu 67% do Porto de Thessaloniki (segundo maior porto grego) que também vem demonstrando eficiência e eficácia nas suas operações. E em abril de 2020, a TAIPED anunciou que o governo Grego está planejando vender participações majoritárias em outros quatro portos (Alexandroupoli, Igoumenitsa, Iraklio e Volos) como parte de um plano de “privatização das autoridades portuárias” acordado com seus credores.
Portanto, é imprescindível considerarmos que cada porto possui sua própria identidade caracterizada pela sua dimensão espacial, market share, segmento de cargas, localização geográfica, capital de giro, fluxo e déficit de caixa. E embora desestatizar seja um processo árduo e complexo devido a inexistência de um modelo único, homogêneo e ideal de gestão portuária, a reforma portuária grega demonstra os efeitos positivos da descentralização e desestatização através da concessão da gestão da infraestrutura do setor público para o privado. E com o enorme déficit público brasileiro e sem margem para investimentos, é plausível considerarmos a implementação do modelo de gestão landlord privada, particularmente nos 19 portos públicos administrados pela União, e minuciosamente examinar as condições das gestões dos 18 portos delegados e de modo consequente adotar um modelo de gestão adequado de acordo com as características e necessidades de cada porto delegado.
E para concluir com informações positivas, por sorte existe um enorme consenso entre os stakeholders do setor a respeito da descentralização, na qual a autonomia de gestão, decision-making entre outras atribuições e prerrogativas devem ser restituídas as autoridades portuárias, que foram removidas e centralizadas na esfera federal após a sanção da Lei dos Portos (12.815/2013).