* Consultora em Gestão Logística, Marítima e Portuária Mestrado em Gestão Portuária pela Liverpool John Moores University, UK. Bacharel em Negócios pela Charles Sturt University, Sydney, Australia Tecnóloga em Marketing Estratégico pela Kaplan International College, Australia
Fora do ranking em 2019, o Brasil retoma a 22º posição em 2020 no Índice de Confiança do Investimento Estrangeiro Direto (IED) conforme a pesquisa da Kearney. De acordo com o relatório, os fatores que alavancaram a credibilidade de investimento estrangeiro no Brasil foram a reforma da previdência e o foco na ampliação das privatizações. Contudo, é irrefutável que a agenda de reformas do modelo tributário e a modernização de marcos regulatórios em vários setores da infraestrutura devem ser retomadas com prioridade pelo governo para que o Brasil possa crescer.
Com o déficit das contas públicas estimadas em R$ 700 bilhões para 2020, e forte queda do produto interno bruto (PIB) o endividamento público poderá ultrapassar a marca de 90% do PIB. Portanto, é evidente que a margem para investimentos públicos em infraestrutura pública visando estimular o crescimento econômico é inviável. Todavia, uma plausível via para um rápido crescimento econômico do país é a descentralização e desestatização dos portos brasileiros.
E se por um lado o modelo landlord privado adotado pelas autoridades portuárias Australianas deixou a desejar, devido a elaboração inoperante de contratos firmados e ao extenso período das concessões (99 anos, exceto 50 anos em Melbourne) tenhamos como exemplo o sucesso da implementação desse modelo na Grécia.
Preliminarmente, é condição sine qua non esclarecer que embora frequentemente usado, o termo landlord privado é inexistente na literatura, a qual o denomina “Concessão Master”. Adicionalmente, é pertinente ressaltar as particularidades do modelo de gestão portuária landlord, adotado pela maioria dos portos no mundo versus o landlord privado. O fator comum em ambos modelos, envolve a autonomia das autoridades portuárias para gerir os portos entanto o Estado Federal retém o título de posse e legitimação da propriedade. A dissimetria restringe-se unicamente na concessão da gestão da infraestrutura portuária, dado que no modelo landlord, as concessões limitam-se as gestões da supraestrutura e operacionais, e no modelo landlord privado inclui-se a viabilidade da concessão da gestão da infraestrutura dos portos, além das supracitadas, para o setor privado.
Para se ter um ideia do quão atípico é a transferência da gestão da infraestrutura portuária do setor público para o privado, de cada cinco portos quatro pertencem ao setor público (Toolkit de Reforma Portuária do Banco Mundial (2016). E segundo a ESPO (2016), 87% das autoridades portuárias na Europa pertencem ao setor público, 7% é mista pública-privada e 6% privatizada. E a administração delegada aos Estados é de 59%, aos municípios 33% e mista estado-município 5%.
É oportuno salientar, que também comumente usado, termo “Privatização dos portos” é tecnicamente incorreto para designar o possível modelo de governança portuário contemplado pelo governo brasileiro, pois a reforma portuária restringe-se a concessão da gestão da infraestrutura (gestão privada das autoridades portuárias) e não envolve a venda perpétua dos ativos e título de posse e legitimação da propriedade.
E finalmente cruzaremos do Atlântico rumo ao Mediterrâneo a fim de elucidar os acertos e eficácia do modelo landlord privado aplicado na Grécia ao contrário dos erros e consequências evidenciadas na aplicação deste modelo na Austrália. E para evitar qualquer desqualificação das variáveis (Brasil e Grécia) escolhidas para avaliarmos o potencial do modelo landlord privado, dois cenários serão examinados para reforçar a coerência e relevância da reforma portuária grega como protótipo para se aplicar no Brasil.
Primeiro é indispensável e mandatório desconceituar os fatores demográficos, geográficos e econômicos entre os países devido às suas imensuráveis diversidades. Haja vista que a população brasileira consiste em 210 milhões de habitantes, com uma zona costeira que se estende por mais de 8.500 km, englobando 17 estados, mais de 400 municípios e um PIB anual (2019) totalizando em US$1,839,758 (trilhão) comparado a República Helênica e seus 10.415.735 habitantes, equivalente a 0.13% da população mundial, com uma zona costeira entorno dos Mares Egeu e Jônico ao longo de 13,676 km, composta por 6.000 ilhas das quais somente 227 são habitadas e um PIB anual (2019) totalizando em US$ 209,852,761 (milhões).
Todavia, e para a surpresa de muitos não familiarizados com a indústria marítima, a Grécia possui a maior frota mercante do mundo em tonelagem, ocupando a oitava posição como polo náutico mundial (Xinhua-Baltic International Shipping Centre Development Index (ISCD) 2020), com aproximadamente 900 instalações portuárias, e a movimentação conteinerizada no Porto de Pireu (maior porto grego) registrou 5.65 milhões de TEUs em 2019 comparado aos 4.165.248 de TEUs no Porto de Santos (maior porto da América Latina). E ao contrário da notável reputação como Estado de Bandeira e referência no desenvolvimento de frota mercante, os empreendimentos e performance do setor portuário grego lastimavelmente perduraram até a implementação do modelo de gestão landlord privado.
Tradicionalmente a gestão dos portos gregos encontravam-se 100% no setor público (service port) e as reformas portuárias iniciaram nos anos 90, devido a forte pressão da concorrência no mercado de transbordo. Contudo, o processo de devolução intensificou-se na década de 2000 e 2010 após o credit crunch de 2008 e com a desmesurada expansão da dívida pública. Portanto, o processo das reformas portuárias grega podem ser classificadas em três fases: corporatização, liberalização e gestão landlord privada. Na fase de corporatização em 1999, as Autoridades Portuárias de Piraeus (PPA) e Thessaloniki (TPA) ( maiores portos gregos) foram corporatizadas ampliando a autonomia de gestão das autoridades portuárias locais a fim de aprimorar a eficiência operacional, administrativa e comercial dos portos ( 25% das ações dos respectivos portos foram vendidos para o setor privado).
Na etapa de liberalização, em meados de 2008, o governo focou na desestatização e liberou a concessão dos terminais a terceiros buscando atrair capital privado para investimentos em infraestrutura pública ( e o Cais II e III do porto de Pireu foi concedido à COSCO Pacific em 2009).
Em 2012, todas as ações das autoridades portuárias dos portos de Pireu e Thessaloniki foram transferidas para o Fundo de Desenvolvimento de Ativos da República Helênica (TAIPED) que estruturou o programa e processo da transferência de gestão das autoridades portuárias do setor público para o privado. Em 2016, o governo concedeu à empresa chinesa Cosco Shipping Group, 67% dos ativos da Autoridade Portuária de Pireu (OLP) até 2052, mantendo o título de posse de propriedade. E no mesmo ano, a Autoridade Reguladora de Portos (RAL) tornou-se independente e foi estabelecida a Autoridade Pública Portuária (PAP), órgão independente vinculado ao Ministério de Navegação, ambos com atribuições de monitorar a governança portuária e garantir o funcionamento satisfatório dos mercados portuários.
E desde a implementação do programa de privatização das autoridades portuárias, o PIB do país aumentou em cerca de 1 bilhão de euros por ano no período de 2011 a 2019 (Fundação de Pesquisa Econômica e Industrial (IOBE). Segundo a TAIPED, no mesmo período foram criados aproximadamente 20.000 novos empregos no período integral e os novos acionistas trouxeram investimentos e mudanças significativas no modelo de negócios, com um forte impacto socioeconômico positivo na economia grega.
Conforme a TAIPED, o Terminal de Container de Piraeus (PCT), subsidiária da empresa chinesa COSCO que administra os terminais de contêineres desde 2009, a movimentação de contêineres aumentou significativamente desde a privatização, e em 2019 o terminal ocupou o 4º lugar na Europa (do 17º lugar em 2007) e ocupa o 1º lugar em 2020 no Mar Mediterrâneo. De acordo com o Relatório Financeiro Anual da Autoridade Portuária de 2019, o resultado líquido aumentou em 27%, para 35,4 milhões de euros comparado com 27,9 milhões de euros em 2018.
E em 2018, um consórcio germânico (South Europe Gateway Thessaloniki Ltd) adquiriu 67% do Porto de Thessaloniki (segundo maior porto grego) que também vem demonstrando eficiência e eficácia nas suas operações. E em abril de 2020, a TAIPED anunciou que o governo Grego está planejando vender participações majoritárias em outros quatro portos (Alexandroupoli, Igoumenitsa, Iraklio e Volos) como parte de um plano de “privatização das autoridades portuárias” acordado com seus credores.
Portanto, é imprescindível considerarmos que cada porto possui sua própria identidade caracterizada pela sua dimensão espacial, market share, segmento de cargas, localização geográfica, capital de giro, fluxo e déficit de caixa. E embora desestatizar seja um processo árduo e complexo devido a inexistência de um modelo único, homogêneo e ideal de gestão portuária, a reforma portuária grega demonstra os efeitos positivos da descentralização e desestatização através da concessão da gestão da infraestrutura do setor público para o privado. E com o enorme déficit público brasileiro e sem margem para investimentos, é plausível considerarmos a implementação do modelo de gestão landlord privada, particularmente nos 19 portos públicos administrados pela União, e minuciosamente examinar as condições das gestões dos 18 portos delegados e de modo consequente adotar um modelo de gestão adequado de acordo com as características e necessidades de cada porto delegado.
E para concluir com informações positivas, por sorte existe um enorme consenso entre os stakeholders do setor a respeito da descentralização, na qual a autonomia de gestão, decision-making entre outras atribuições e prerrogativas devem ser restituídas as autoridades portuárias, que foram removidas e centralizadas na esfera federal após a sanção da Lei dos Portos (12.815/2013).