José Manoel Ferreira Gonçalves é presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente)
O transporte ferroviário no Brasil tem padecido de um abandono crônico por parte das autoridades. A precariedade de nossas ferrovias só é lembrada em momentos críticos, como a greve dos caminhoneiros que recentemente paralisou o País.
Nessas ocasiões, lamentamos o fato de não darmos a devida atenção ao modal sobre trilhos, que, em uma nação continental como a nossa, poderia ter papel muito mais preponderante na movimentação de grandes cargas e passageiros, com segurança e menor custo energético. A greve dos caminhoneiros demonstrou o quanto é danosa ao País a nossa dependência do transporte rodoviário.
Toda nação com economia forte possui um projeto estruturado de ferrovias, exceto o Brasil. Nosso descaso com o transporte ferroviário é histórico. Se a situação já é lastimável, o cenário pode ficar ainda mais sombrio nos próximos 40 anos, caso as autoridades cedam a pressões dos atuais concessionários de ferrovias no País e renovem antecipadamente os contratos que estão em vigor e só seriam expirados na próxima década.
Dados do próprio Governo Federal apontam que as ferrovias brasileiras transportam apenas 15% das cargas em termos de tonelagem por quilômetro útil. No mercado urbano de passageiros, a participação modal ferroviária é ainda muito mais escassa. O Brasil possui 30 mil quilômetros de trilhos, mas a maior parte está desativada devido ao descaso e ao desgaste temporal. Os poucos trechos operantes recebem composições que funcionam à velocidade média de inacreditáveis 15 km/h. Mesmo considerando a malha inteira, ainda assim seria equivalente à mesma malha ferroviária do Japão (um país do tamanho do Estado de São Paulo), ou 14 vezes menor do que a malha dos Estados Unidos e quatro vezes menor que a da Rússia.
Há atualmente no País 8.534km de ferrovias abandonadas, 51.530km de ferrovias planejadas e apenas pouco mais de 10.000km de ferrovias ativas – ou precariamente ativadas. Mesmo com esses números nada favoráveis, o lobby em favor da renovação de uma estrutura totalmente inadequada para as ferrovias é grande em Brasília. O que se deseja perpetuar é um sistema em que a malha ferroviária permaneça praticamente a serviço de nove empresas, sem integração com outros operadores, sem competitividade, muito menos abrir a possibilidade de termos um maior volume de passageiros a serem transportados. Não há garantia de interoperabilidade entre concessões, ou seja, não se permitirá, com esse modelo, a livre circulação de todos os trens em toda a malha ferroviária.
Caso essa proposta prevaleça, o Brasil não terá a chance de desenvolver um projeto nacional de ferrovias. Um novo marco regulatório para a concessão de ferrovias, feito a partir de análises e avaliações aprofundadas – e com contribuições de toda a sociedade –, deveria ser o pontapé inicial desse projeto. A renovação antecipada atende apenas a interesses isolados, sem qualquer compromisso com os direitos dos usuários de ferrovias, sem metas e indicadores de desempenho operacional.
Felizmente há casos de pareceres contrários à renovação das ferrovias, como o emitido pelo Ministério da Fazenda em análise da concessão de Carajás, cujos parâmetros favoreceriam apenas a operadora privada em detrimento dos interesses da União. Órgãos importantes como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público também têm se manifestado em oposição à impetuosidade dos atuais concessionários em lograrem a renovação dos contratos, sem os devidos estudos.
Este é o momento de estabelecer contratos de concessão que efetivem a ferrovia como meio de transporte. Entre outros aspectos, os valores da outorga estão visivelmente subavaliados e necessitam de melhor avaliação. O modelo atual, concentrado em três grandes grupos empresariais, não vai possibilitar a existência de uma malha ferroviária que atenda às necessidades do País. Se não houver mudanças, estaremos condenados a passar os próximos 40 anos com ferrovias do século passado.