Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber
Teve rápida e expressiva repercussão a divulgação do ofício que o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), professor Abílio Baeta Neves, enviou ao ministro da Educação registrando sua perplexidade com a situação orçamentária que se anuncia para 2019.
Em poucas horas o conteúdo foi compartilhado nas redes sociais e já na edição noturna dos principais telejornais a questão foi divulgada.
Uma semana depois, dentro do mesmo quadro de perplexidade, o professor Mario N. Borges, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), divulgou nota igualmente alarmante, denunciando uma política de “terra arrasada” em relação à base orçamentária do Conselho.
Quando o mais importante órgão de fomento à pesquisa e à ciência do país deu-se conta do “lugar reservado” para o CNPq no orçamento 2019, foi possível constatar que sua extraordinária estrutura, resultado de décadas de lutas da sociedade brasileira, está sendo praticamente reduzida à concessão de bolsas. Concessão essa em número reduzido e impeditiva da continuidade dos programas de fomento à pesquisa.
No caso da CAPES, em todos os veículos de divulgação o tom sombrio acompanhou a notícia. Tratava-se de comunicar à nação que está em andamento um desmonte, uma profunda desarticulação do sistema brasileiro de pós-graduação e pesquisa. A situação do CNPq começa a repercutir agora.
Não bastasse isso, as notícias alertam que a recém-criada conexão entre a CAPES e a formação de professores da educação básica será desarticulada na medida em que programas como os mestrados profissionais para professores das redes públicas, como a Universidade Aberta do Brasil (UAB) não terão recursos para continuar.
Mais ainda, a peça orçamentária indica que o PIBID, que é o Programa de Iniciação à Docência, uma das mais bem sucedidas iniciativas de estímulo à formação docente, desaparecerá.
Ao todo estão saindo da base orçamentária nacional recursos insubstituíveis, o que inviabilizará a continuidade dos trabalhos de 93 mil pós-graduandos, de 105 mil bolsistas do PIBID, de 245 mil participantes da UAB.
No caso do CNPq se estabelece um esvaziamento igualmente danoso.
Se compararmos o CNPq com a CAPES perceberemos que no primeiro a garantia de uma segurança orçamentária para as bolsas é fundamental, pois isso responde pela dinâmica que soma formação em pesquisa com titulação em programas de pós-graduação. Mas o CNPq, diferentemente da CAPES, tem também obrigações relacionadas à continuidade dos trabalhos científicos que se desenvolvem dentro e fora das universidades.
Ou seja, é um abalo de grandes proporções porque são interrompidas as dinâmicas que formam o jovem pesquisador (o que acontece, por exemplo, com a inviabilização do Edital Universal CNPq), as dinâmicas de manutenção dos projetos em andamento, as dinâmicas de conexão dos pesquisadores com cientistas do exterior e as dinâmicas que vinculam ciência com incrementos tecnológicos, descobertas científicas e qualificação de processos.
Isso se dará a partir de 2019. No caso do CNPq no início do ano; no da CAPES a partir de agosto.
Trata-se de um dos mais palpáveis exemplos dos efeitos da Emenda Constitucional 95, que instituiu arbitrariamente um perverso teto de gastos, com 20 anos de vigência.
A Emenda Constitucional 95 demonstrou severo grau de irresponsabilidade para com a educação, a ciência e a saúde na medida em que pôs em risco até gastos de custeio e desestabilizou tanto as dinâmicas triviais de manutenção, como colocou em risco um dos pilares republicanos das instituições públicas.
Ou seja, os mesmos agentes que produziram a aberrante estratégia são os que têm comparecido aos holofotes da imprensa para alardear a possibilidade de tornar educação e saúde públicas objeto de cobrança por serviços prestados.
O princípio da gratuidade de serviços públicos é condição sine qua non de qualquer sociedade republicana e democrática.
O que está em andamento com a CAPES e com o CNPq não somente repercute nas bases científicas e de pesquisa do país, nem se restringe ao desmonte da política que conectava a pós-graduação com a educação básica. É uma estratégia para forjar consensos a respeito da “inviabilidade” orçamentária da presença do Estado nesses setores.
Todos os intercâmbios internacionais em andamento ficam desguarnecidos e os projetos que custaram anos de trabalho árduo e contínuo por parte da comunidade científica brasileira ganham, desde já, prazo de validade. Serão desarticulados a despeito de todo o investimento público já realizado para que tivéssemos a rede de pesquisa que temos.
É desnecessário lembrar que o Brasil é um país com muitas contradições.
Mas vale a pena reforçar que, mesmo com grandes dificuldades e inconsistências na oferta de educação básica e superior, a pós-graduação brasileira e nossa produção acadêmica são reconhecidas internacionalmente. Temos um dos mais bem sucedidos modelos de execução, titulação e avaliação da formação pós-graduada.
É paradoxal que tenhamos estruturado com tanto vigor nossa pós-graduação ao mesmo tempo em que mantivemos a educação básica à mercê de tantas incertezas.
Mas é mais paradoxal ainda desmontá-la agora, quando pela primeira vez a produção da pesquisa passou a interagir com a escola básica, com a educação pública.
Cabe registrar que essas notícias bombásticas e sombrias, crônica de uma morte anunciada, têm sido recebidas até por setores conservadores da imprensa como resultado da penúria orçamentária e como imperativo das operações de ajuste nas contas públicas.
Nesse aspecto, os educadores críticos comprometidos com a educação não podem se deixar levar pela astúcia do argumento que apresenta a austeridade econômica como estratégia de vida ou morte para o país.
É necessário antes perguntar o que se entende por austeridade.
Nesse sentido, é possível perceber que os atores dessa trama estão levando a efeito o processo de retirada do Estado de suas obrigações para com educação, ciência, saúde, seguridade social e cultura.
Portanto, o que está em andamento, a aniquilação da CAPES e o esvaziamento do CNPq, não são obras da restrição, dos minguados recursos, da penúria orçamentária.
O que está em andamento é a execução de um projeto, é a implementação de um modelo de Estado reclamado pela Casa Grande e financiado pelo baronato brasileiro.
Estaria em andamento mesmo com fartura, pois seus mentores têm nos limites postos pela Emenda Constitucional 95 o álibi para executar a destruição com todos os argumentos da inevitabilidade. Mas, na realidade, realizam um projeto de sucateamento que explica porque precisaram usurpar o Estado e a democracia.
Não estamos assistindo aos efeitos de uma crise. Estamos assistindo a destruição daquilo que levamos décadas para construir. Essa destruição não é consequência dos desajustes do Estado, é a nova identidade desse Estado que, sem escrúpulos ou pudores apresenta a todos seu compromisso com alguns.