Frederico Gonçalves, Head da unidade de Utilities do Venturus
Em tempos em que se fala muito sobre sustentabilidade e uso eficiente de recursos, as perdas de energia elétrica no Brasil ainda representam um grande desperdício que afeta tanto as concessionárias quanto os consumidores. De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (ABRADEE), o total de energia elétrica gerada no país no ano de 2016 foi de 327 TWh, com uma receita bruta de 216 bilhões de reais. Nesse mesmo ano, as perdas globais de energia atingiram 13.9%, ou seja, em torno de 45.4 TWh de energia não chegaram a ser comercializadas, representando um prejuízo bilionário para o setor energético. Parte dessas perdas está relacionada à fraude e furtos que poderiam ser detectados através da aplicação de técnicas de inteligência artificial semelhantes às utilizadas por outros setores, como a identificação de fraudes de cartões de crédito.
Existem dois tipos de perda de energia elétrica, as chamadas Perdas Técnicas e as Perdas Comerciais (ou Perdas Não-Técnicas). As perdas técnicas ocorrem por uma série de motivos de natureza técnica relacionados à transmissão da energia, desde a sua geração até os pontos de consumo. Um dos principais motivos é a dissipação da energia pela própria passagem da corrente elétrica através dos fios condutores, um fenômeno conhecido como “Efeito Joule”. Já as perdas comerciais estão relacionadas a duas modalidades principais: furto e fraude de energia. O furto normalmente é feito através de ligações clandestinas de energia elétrica (popularmente conhecidos como “gatos”), que permitem a utilização da energia por consumidores ilegais sem qualquer tipo de tarifação.
No caso das fraudes, o consumidor é registrado e tem uma ligação elétrica com medidor instalado pela concessionária. Entretanto, o consumidor realiza algum tipo de adulteração na instalação ou no próprio medidor, de modo que a medição do consumo registra apenas uma parcela do consumo real.
Para reduzir as perdas técnicas, as concessionárias atuam através da manutenção constante da rede elétrica. Entretanto, pela sua própria natureza (intrinsecamente relacionada à transmissão da energia), essa perda não pode ser completamente eliminada. Particularmente em um país de grandes dimensões como o Brasil, a longa extensão das redes elétricas tornam as perdas técnicas relativamente altas e a identificação de irregularidades cada vez mais complexa. Mas ainda bem temos uma alternativa e ela vem da tecnologia.
Machine learning na Identificação de Irregularidades
A inspeção de todas as unidades consumidoras para a identificação de possíveis irregularidades seria inviável para as concessionárias. Assim, a escolha dos locais para inspeção normalmente é feita através de algoritmos: estes aplicam técnicas estatísticas para identificar anomalias no consumo que, potencialmente, podem estar relacionadas a irregularidades.
Nos últimos anos, técnicas modernas de mineração de dados têm sido utilizadas para extrair conhecimento das bases de dados das distribuidoras, identificando possíveis padrões de consumo que possam estar relacionados a furtos ou fraudes de energia.
Algoritmos de aprendizado de máquinas são treinados com os dados históricos de consumo (tanto dados de consumidores regulares como de consumidores irregulares), gerando um modelo que pode ser posteriormente aplicado para classificar as unidades consumidoras a partir de seus dados mais recentes de consumo. Ou seja, após ser treinado, o modelo é capaz de apontar qual a probabilidade de uma unidade consumidora estar cometendo uma irregularidade. A concessionária pode, então, realizar fiscalizações, com inspeção in loco apenas nas unidades onde o algoritmo atribui alta probabilidade de apresentação de algum tipo de irregularidade. Dessa forma, são otimizados o tempo e os recursos das equipes de inspeção.
Processos de algoritmos de aprendizado de máquina podem e tem sido utilizado com sucesso por distribuidoras de energia para identificar fraudes e furtos de energia elétrica. Durante o Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, a distribuidora CELPA (Centrais Elétricas do Pará), em parceria com a UFPA (Universidade Federal do Pará), apresentou resultados bastante significativos. Segundo a Celpa, o uso de algoritmos de aprendizado de máquina atingiu uma precisão da ordem de 70% na identificação de irregularidades no consumo de energia elétrica. Esses números indicam excelentes resultados na detecção de irregularidades e o retorno de investimento das iniciativas de combate à fraude parece ser bastante atraente para as empresas.
Expectativas para o futuro
Nos próximos anos, as Redes Inteligentes (ou Smart Grids), já em implantação em algumas cidades, devem trazer novidades para a área. Com as Redes Inteligentes, as medidas de consumo de energia passarão a ser realizadas em tempo real. Os dados de consumo de energia não estarão mais em uma escala mensal, e, sim de minutos. A expectativa é que essa maior granularidade dos dados de consumo possibilite a criação de modelos ainda mais precisos para a detecção de irregularidades. Além disso, fraudes poderão ser identificadas e combatidas em um período de tempo menor, reduzindo, consequentemente, as perdas das empresas.
Assim como vem ocorrendo em outros setores, as empresas do segmento de energia começam a tomar consciência da importância e do valor da análise de dados para seus negócios. Nos próximos anos, iniciativas relacionadas à análise de dados, como a identificação de perdas comerciais de energia, devem se tornar ainda mais comuns no setor.