Quarta, 27 Novembro 2024

Henry Rossdeutscher, advogado, membro da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da OAB e mestrando em Direito pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP

São contraditórios os entendimentos que o Tribunal de Contas da União (TCU) tem com relação às prorrogações extraordinárias dos contratos de arrendamento portuários que objetivam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro. Em resposta à consulta feita pela então Secretaria de Portos da Presidência da República, em 2015, o TCU entendeu que a ampliação de prazo de vigência dos arrendamentos para o objetivo já citado acima, estaria adstrita aos casos em que ocorra a possibilidade da prorrogação ordinária se observados os limites temporais previstos contratualmente.

No entendimento dos auditores do TCU, a adaptação dos contratos não encontra respaldo na legislação e fere a isonomia do processo licitatório, uma vez que empresas que perderam concorrências feitas no passado, puderam apresentar propostas com base em uma duração mas curta do contrato. No entanto, tomo a liberdade de discordar de tal entendimento.

No meu ponto de vista, o TCU vem adotando um argumento que já, a princípio, não se sustenta para defender a negativa da prorrogação dos contratos, tendo como base os termos dispostos pelo art. 19 do Decreto nº 8.033/2013. De partida não se sustenta pelo simples fato de que a isonomia defendida pelo órgão já havia sido gravemente ferida quando os terminais de uso privado (TUPs) obtiveram autorização para operar nos mesmos mercados dos portos públicos, companhias docas ou terminais arrendados.

Isso quer dizer que, em certos setores, essa concorrência assimétrica é adotada de modo ordenado e dirigida à construção de um mercado mais sofisticado, como ocorreu com o setor de telecomunicações a partir da edição da Lei Geral de Telecomunicações (lei 9.472/97). Em outros setores, a concorrência é estabelecida de modo desordenado, como é o caso do setor portuário. A afirmação se justifica pelo surgimento de sucessivas normas regulatórias infralegais, como a Resolução ANTAQ no 517, o Decreto 6.620, a MP 595, a lei 12.815 e o decreto 8.033.

Essas situações abalam a normalidade contratual e passaram a ocorrer constantemente no Brasil, ou seja, se a concorrente soubesse que em um determinado momento de um futuro contrato entraria com um novo competidor, regrado por um regime evidentemente mais favorável, obviamente não teria participado daquele certame. Portanto, o cenário que vem sendo analisado pelo TCU demonstra, mais uma vez, que o setor carece de respostas regulatórias que resgatem a eficiência de todos os competidores que possam participar de um processo licitatório e atraiam investidores.

Em síntese, o que a então Secretaria de Portos da Presidência da República buscou pacificar por meio da consulta ao TCU foram os limites temporais para a prorrogação do prazo de vigência de um contrato de arrendamento portuário nas hipóteses de recomposição da adequação econômico-financeira.

A Lei 12.815/2013, em seu art. 57; e o Decreto 8.033/2013, em seu art. 19, preveem a possibilidade de prorrogação dos contratos de arrendamento portuário de modo expresso e a prorrogação para fins de reequilíbrio é amplamente adotada em contratos de concessão de serviços públicos. No entanto, o Estado Brasileiro não dispõe de orçamento para reequilibrar os contratos – pois que já não dispõe de recursos para atividades básicas -, fato que é público e notório. Igualmente não é possível imaginar a redução de investimentos pelos arrendatários ou dos valores de outorgas, já que além de comprometer a competitividade na prestação dos serviços, isso inviabilizaria as autoridades portuárias.

Por outro lado, seria um tiro no pé os portos públicos aumentarem os preços que cobra dos usuários, pois os levaria aos concorrentes privados. Aliás, como exemplo da concorrência entre terminais arrendados e os TUPs, temos a em Santa Catarina concorrência entre o Porto de Itajaí – instalado na margem direita do Rio Itajaí-Açu e com sua gestão delegada ao Município de Itajaí, e o TUP Portonave S/A – Terminal Portuário Navegantes, instalado na margem oposta do mesmo rio. Não poderia haver melhor exemplo que o caso Itajaí/Navegantes, pois os dois estão implantados em áreas de idêntica influência, um em frente ao outro, separados apenas pelo Rio Itajaí-Açu.

E faz-se necessário ressaltar que no ano de 2015 - data da consulta feita ao TCU, o Porto de Itajaí – e sua arrendatária APM Terminals – perdeu mais de 50% de sua movimentação para o terminal privado de Navegantes. De 20 mil movimentos por mês, o Porto de Itajaí passou a fazer pouco mais de 8mil, representando a perda de quatro serviços das linhas de navegação. Nesse meio tempo, em Navegantes, a Portonave quase dobrou o seu pátio de armazenagem, sem qualquer dificuldade de ordem regulatória.

Sobreleve-se que à época da licitação que culminou com a contratação do arrendatário em Itajaí, a ordem jurídica não permitia que terminais privados pudessem explorar cargas de terceiros na forma que a Portonave explora atualmente em Navegantes. Portanto, a prorrogação extraordinária não serve para beneficiar qualquer contratado. Ela objetiva reinserir a situação contratual na normalidade. Arrisco-me a dizer que isso seria um “novo normal”, que necessita de respostas regulatórias que garantam a eficiência de todos os entes envolvidos.

Inclusive, não é demais lembrar que no segmento portuário apenas os arrendatários pagam outorga ao poder público e não há quem arrisque negar que se tiverem mais prazo para explorar a atividade, certamente irão investir nas estruturas públicas arrendadas (atribuindo valor aos bens estatais) para ter folego competitivo em razão dos terminais privados.

Portanto, o que se deve levar em consideração ao adotar uma forma para assegurar o equilíbrio econômico-financeiro na relação contratual, é o interesse público, pautado nos princípios do direito administrativo, que recomendam ao Administrador que, utilizando-se do poder discricionário a ele concedido, escolha dentre as várias possibilidades que lhe são permitidas por lei, aquela que garanta a continuidade do serviço público, buscando os melhores resultados e o menor impacto possível nas finanças públicas.

Na hipótese em que apenas a prorrogação contratual atenda a tais aspectos, justificando-a como a melhor opção diante do caso concreto, passará a se revestir de obrigatoriedade.

Bem a respeito, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, utilizando-se da ponderação dos princípios constitucionais, entendeu que a prorrogação do contrato de concessão de transporte público coletivo seria a forma menos onerosa para o interesse da coletividade. Segundo parecer da Quarta Câmara de Direito Público do TJSC, na Apelação Civil nº 2013.013809-3, o relator desembargador Júlio César Knoll diz que: no enfoque do caso concreto, em que conflitam o dever do Administrador Público em proceder com a realização de licitação para a concessão de serviços públicos, e do outro lado o direito das concessionárias de auferirem a justa indenização em decorrência do desequilíbrio econômico-financeiro no liame dos contratos entabulados com a Municipalidade, vislumbro que a forma menos onerosa e penosa para o interesse da coletividade, nesta hipótese, é a convalidação da prorrogação da concessão.

Portanto, como visto, na hipótese em que apenas a prorrogação contratual atenda a tais aspectos, justificando-a como a melhor opção diante do caso concreto, ela passa a se revestir de obrigatoriedade e deve, portanto, ser levada a efeito.

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