Ana Paula Carmagnani é psicopedagoga e gerente de projetos pedagógicos da Matific Brasil
No mundo competitivo atual, é praticamente impensável alguém mostrar orgulho de seus erros. A famosa frase “filosófica” da personagem Homer J. Simpson, de que “tentar é o primeiro passo para o fracasso”, não poderia ser mais atual. A mesma lógica também está presente no ambiente escolar, sobretudo nos primeiros anos de aprendizagem. O ensino das disciplinas básicas, como matemática e língua portuguesa, por exemplo, tem sido extremamente afetado por esta máxima.
Como podemos esperar, portanto, que as crianças se arrisquem em sua aprendizagem se são encorajadas a esconder qualquer evidência de que erraram? O momento em que a matemática se tornou a disciplina onde o aluno está certo ou errado pode ser associado ao momento em que as borrachas foram fabricadas na ponta dos lápis. Seria para apagar o erro?
Ora, crianças nascem e se desenvolvem a partir de tentativas e erros. Nenhuma criança levantou-se e começou a andar de forma confiante pelo quarto na primeira vez em que ficou de pé. Caminhar com segurança é o resultado de uma série de tentativas e fracassos. O mantra “eu desisto” é algo, infelizmente, aprendido em algum momento dos anos iniciais da escola.
Quando não há encorajamento, as crianças acreditam que é melhor desistir se algo é desafiador ou, pior, que devem esconder suas falhas do mundo. Nenhum bebê cai e pensa “esse negócio de andar simplesmente não é para mim”. Nesse aspecto, o uso de tecnologias de gamificação no ensino básico é um importante aliado para trazer a resiliência com que as crianças nascem. Pense: quantas crianças erram jogando vídeo games e decidem que nunca mais vão jogar de novo?
Os vídeo games têm uma habilidade incrível de aumentar a determinação das crianças, por ter alguns elementos propositadamente desafiadores. O número de crianças que gostam de matemática tem declinado ano após ano nas últimas duas décadas – e o mundo dos jogos está em erupção! O ensino da matemática pode querer dar uma olhadinha nos jogos para uma inspiração de engajamento de verdade.
Experiências interacionais mostram que as crianças adoram o desafio dos vídeo games, mas não os desafios dos conteúdos tidos como difíceis da matemática. Esta aversão foi denominada como “mentalidade fixa, segundo estudo Universidade de Stanford, conduzido pela professora de psicologia Carol Dweck.
Segundo a especialista, crianças com mentalidade fixa normalmente veem os erros como uma falha e como sinais de que não são talentosas o suficiente para aquela tarefa. Mais preocupante ainda, os alunos procuram por experiências que reforcem suas habilidades e provem que são inteligentes, levando-os a evitar qualquer desafio.
Quando uma criança comete um erro em uma prova de matemática, não sabe que errou até que seu professor faça a correção e mostre onde estava o erro – e muitas vezes é tarde demais para tentar qualquer coisa. Pior que isso, só o erro na frente da turma toda. Além da ansiedade de se expor socialmente, soma-se a vergonha de errar e todos rirem da sua cara.
Por outro lado, as plataformas de gamificação exigem que o aluno refaça uma tarefa caso um erro seja observado. E, por se tratar de uma atividade lúdica e divertida, os alunos tentam novamente e refazem o exercício na maior naturalidade. A tecnologia de jogos dá feedbacks em tempo real e o modelo mental do aluno passa a ser “qual desafio quero agora?”
Salas de aula ao redor do mundo têm implementado um modelo de “mentalidade de crescimento” com os estudantes. Professores encorajando seus alunos a arriscar com seu aprendizado, errar e enxergar esses erros como degraus para o sucesso. A professora Carol Dweck fala sobre o poder da palavra “ainda”. Quando uma criança não consegue fazer algo, precisa saber que “ainda” não consegue.
Segundo pesquisa com cerca de 500 professores no Brasil, realizada pela Matific, plataforma israelense de gamificação da matemática, presente no País desde 2015 e utilizada atualmente por cerca de 170 mil estudantes brasileiros, o desempenho dos alunos aumenta em até 70% com o uso de tecnologias educacionais.
Cerca de 90% dos professores afirmaram que o uso de jogos educacionais para o aprendizado da matemática tira a ideia de que a disciplina é “chata e difícil” e aumenta o envolvimento dos alunos na matéria. A pesquisa mostrou ainda que 98,3% dos docentes aceitariam usar mais plataformas tecnológicas para complementar o cronograma de aulas, embora 42,3% afirmem não receber treinamento algum do colégio. Porém, apenas 8% dizem ter dificuldade em utilizar sistemas digitais em salas de aula.
Não por outra razão, as escolas públicas brasileiras têm apostado no uso de plataformas de jogos digitais como forma de reduzir o atual déficit em matemática. A EE Henrique Dumont Vilares, de São Paulo (SP), por exemplo, registrou um aumento de quase 30% no desempenho de seus alunos em matemática no último ano em comparação com o exercício anterior, segundo o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Um dos principais motivos foi a implantação do sistema de jogos digitais para o ensino da disciplina durante o ano letivo de 2017.
Outro exemplo é da Escola Municipal Professor Lázaro Sagrado, de Colorado (PR). O colégio registrou uma queda de cerca de oito vezes no nível de reprovação de seus alunos em matemática.
O colégio do interior do Paraná registrou, em 2016, um nível de reprovação em matemática da ordem de 30,7%. Já no ano seguinte, com a plataforma de gamificação, a escola viu o índice de reprovação cair para apenas 4% do total de alunos matriculados do 2º ao 5º ano, hoje com 96 estudantes.
De qualquer forma, para muitos, ser bem sucedido em matemática dependerá de trabalho duro e perseverança. Crianças que usam o sistema de vídeo games estão, no entanto, mais próximas de mudar a forma de pensar o aprendizado - e encontram diversão enquanto resolvem problemas reais.
Enquanto Homer Simpson está 100% correto no que se refere a ter uma iniciativa confiante diante dos desafios, o erro, no que diz respeito à educação básica, é o primeiro passo para um sucesso insuperável.