Édson Bolfe, pesquisador, coordenador do Sistema Agropensa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Em torno de 15% das reservas de água doce do mundo estão concentradas no Brasil, um dos principais atores mundiais na segurança alimentar e hídrica, e, não por acaso, o primeiro país do Hemisfério Sul a sediar o Fórum Mundial da Água. Especialistas, gestores e cidadãos de mais de 170 países se reuniram em Brasília de 17 a 23 de março para discutir o uso sustentável dos recursos hídricos.
O desafio global está configurado em uma equação complexa com variáveis múltiplas em questões tecnológicas, sociais, econômicas, culturais, políticas e ambientais. Resumidamente, por um lado, o aumento da população, a urbanização e a expectativa de vida impõem uma produção de 35% a mais de alimentos e demandam 50% a mais de água até 2030. Por outro, o mercado consumidor é cada vez mais exigente e sabe que é necessário diminuir o uso de insumos e recursos naturais.
O Brasil tem contribuído para resolver essa equação. Só nas duas últimas décadas, a produção de grãos aumentou 250% com apenas 50% de expansão em área. Na pecuária, elevamos o número de animais em 50%, reduzindo em 10% as áreas destinadas ao pasto. Isso também tornou o Brasil uma potência ambiental com aproximadamente 65% de sua área preservada, 30% destinados ao uso rural — pecuária, agricultura, fruticultura, silvicultura e horticultura — e 5% com áreas urbanas, mineração, indústrias e infraestrutura.
Dos atuais 62 milhões de hectares utilizados para fins da agricultura, cerca de sete milhões são irrigados, principalmente em cultivos de frutas, hortaliças, cana-de-açúcar, arroz, milho e café. Desses, 1,4 milhões de hectares são irrigados por meio de 23 mil pivôs centrais. A irrigação brasileira possui potencial para elevar ainda mais a produtividade a partir de ganhos de eficiência e gestão integrada de bacias hidrográficas. Pode otimizar áreas agrícolas já implantadas e diminuir a pressão pela abertura de novas áreas em vegetação natural.
A Embrapa e seus parceiros têm desenvolvido pesquisas e inovações tecnológicas com uma visão integrada e sistêmica, promovendo o uso mais racional da água. O agricultor pode se tornar um “águacultor”, ou seja, também produzir água em sua chácara, sítio, fazenda ou estância. Tecnologias, sistemas e práticas de manejo como plantio direto, agricultura de precisão, aplicativos de gestão da irrigação, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), recuperação e manutenção das reservas legais e áreas de proteção permanentes permitem maior infiltração das águas das chuvas no lençol freático. Além de propiciar aumento da biodiversidade, essas condições elevam a eficiência de uso e a disponibilidade de recursos hídricos em períodos de seca para uso agrícola, urbano e industrial.
Diferentes instâncias governamentais estão amplificando a contribuição com o aprimoramento de políticas públicas de gerenciamento das bacias hidrográficas. Pagamento por serviços ambientais hídricos, estabelecimento de outorgas de uso baseadas na real disponibilidade e gerenciamento dos conflitos de usuários são estratégias muito bem-vindas. O cidadão usuário é fundamental e está se engajando cada vez mais em campanhas de reúso e diminuição de desperdícios.
Das vertentes, a água nasce como o elemento essencial para a produção de carnes, leites, ovos, grãos, frutas, legumes e verduras. Além disso, sua presença pode propiciar momentos de lazer e irrigar tradições culturais e religiosas. Também faz nascer poesia, pois, como na composição do maestro Jobim: “São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração.”