Segunda, 20 Janeiro 2025

Fonte: Valor Econômico

Por Murillo Camarotto | Do Recife

Com a popularidade elevada e praticamente sem oposição, o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), vê brotar no funcionalismo público o principal contraponto à sua administração. Nos últimos meses, duas negociações salariais mal sucedidas (com professores e policiais) resultaram em conflitos exageradamente tensos entre servidores e governo, a ponto de afetarem o cotidiano dos cearenses e mancharem, segundo analistas, a imagem de bom gestor conquistada por Cid em cinco anos de mandato.

No dia seguinte à paralisação de policiais militares e bombeiros, que levou pânico a alguns pontos de Fortaleza, as críticas à postura do governo eram maioria entre os comentários postados nos portais dos principais jornais cearenses. A palavra prepotência apareceu algumas vezes para classificar o comportamento de Cid perante o imbróglio, só resolvido após o governador atender boa parte das reivindicações.

"Falta sensibilidade política nas negociações. Ele [Cid] prefere radicalizar e criar o impasse para depois voltar atrás e conceder todos os pedidos", avalia o professor Eduardo Girao Santiago, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Na mesma linha, o professor de Políticas Públicas Francisco Horácio da Silva, também da UFC, conta que é recorrente o governo esticar ao máximo a corda das negociações com os servidores. "Não fosse assim, Cid poderia ter evitado uma série de situações", disse.

Uma dessas situações ocorreu em setembro, quando professores da rede estadual tentaram entrar no plenário da Assembleia Legislativa para uma manifestação contra o piso salarial e foram recebidos a socos pela Polícia Militar. A crise entre os professores e o governo começou em agosto, quando a categoria iniciou uma greve que durou 63 dias. No início de outubro os professores voltaram ao trabalho, mas as negociações ainda não foram encerradas.

A falta de sensibilidade do governador nas negociações é, segundo o professor Horácio, resultado da mistura entre o estilo autoritário e a popularidade elevada. De acordo com pesquisa do Ibope de dezembro de 2011, Cid é aprovado por 55% dos cearenses, quarto melhor desempenho no país. Não bastasse, o governador praticamente não tem oposição.

"Sem opositores ele faz o que quer. Pode dizer ’não negocio, não faço’. Mas aí acabam aparecendo surpresas desagradáveis, como essa dos policiais", afirmou o sociólogo da UFC. Esse comportamento, continua Horácio, leva à criação de áreas de contraponto dentro do governo, no funcionalismo. "O pessoal da área da saúde também está bastante insatisfeito", completa o professor.

Já Santiago atribui a avareza de Cid para com os servidores ao perfil empresarial imposto à gestão. A fama de tocador de obras, segundo ele, explica boa parte da popularidade elevada. "O problema é que essa postura de gestor acaba significando certa inflexibilidade quando se fala em aumento de salário. As viaturas da Polícia Militar são de primeiro mundo, mas o material humano não é tão valorizado", compara.

Com modernas camionetes japonesas, a Ronda do Quarteirão foi um dos destaques do primeiro mandato de Cid. Enquanto parte da população apoiou o projeto, outra reclamou a ausência dos carros nos bairros periféricos. "No início da campanha da reeleição, ele tinha cerca de 50% da intenção de voto. Aí a aproximação com Lula garantiu a vitória mais folgada nas urnas", afirmou Horácio, instado a avaliar possíveis estragos da crise com os servidores no horizonte político de Cid. A assessoria do governador foi procurada pelo Valor, mas não retornou aos telefonemas.

Segundo o professor, existe a chance de a oposição ganhar algum fôlego, mesmo que insuficiente para alterar a hegemonia reinante hoje no Ceará. Um bom termômetro será a eleição municipal, quando Cid poderá romper com a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), e lançar seu próprio candidato. O peso do funcionalismo no eleitorado da capital poderá medir nas urnas o prestígio do governador.

Para Santiago, não há dúvida de que algum abalo será percebido. "Ele gerou um desgaste grande. A população sentiu. A cidade ontem [terça-feira] estava um cemitério".

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