O Brasil vive e sonha, nos últimos meses, a expectativa dos negócios com a exploração do petróleo da camada pré-sal. Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), com sede no Rio de Janeiro, vem participando de seminários e debates Brasil afora sobre o novo combustível. E alerta: “é preciso que [o pré-sal] seja bem administrado”.
E o que é ser bem administrado? É o que Siqueira explica na entrevista a seguir.
PortoGente – O Brasil vive a expectativa do pré-sal, o que é verdade e o que é mentira sobre tudo o que se fala sobre a descoberta da Petrobrás na Bacia de Santos?
Fernando Siqueira – O que é verdade é que é uma reserva fantástica. Nós imaginamos, conservadoramente, em torno de 90 bilhões de barris e é um óleo de excelente qualidade. E é uma riqueza que pode fazer o Brasil deixar de ser o país do futuro, e ser o país do presente. Ou seja, o país mais viável e rico do planeta. É preciso que seja bem administrado.
PortoGente – O que é ser bem administrado?
Fernando Siqueira – Primeiro, o governo conseguir aprovar a mudança do contrato de concessão para partilha. Porque concessão dá propriedade a quem produzir. Segundo, elevar a participação da União para no mínimo 84% que é o que recebe os países produtores e exportadores mundiais. Terceiro, acabar com os leilões, porque eles são um ponto muito negativo. Temos três efeitos colaterais principais: primeiro que se você abre leilões, as empresas dos países desenvolvidos que têm tecnologia e dinheiro, mas não têm petróleo, virão para cá e vão querer explorar o mais rápido possível para resolver os seus problemas. E aí o pré-sal acaba em 13 anos. Ele poderia durar 40 [anos], dá tempo de desenvolver o substituto do petróleo, mas pode acabar precocemente em 13 anos justamente quando o petróleo estará em ascensão.
PortoGente – Qual o segundo?
Fernando Siqueira – O segundo ponto negativo é que uma entrada brusca de dólares gera uma sobrevalorização do Real e com isso faz com que todos os demais segmentos não envolvidos com o petróleo se inviabilizem, faz com que o Brasil fique dependente de um único setor que é petróleo, e isso é extremamente negativo para a economia, a chamada “doença holandesa”. E o terceiro perigo é que podemos ter a “doença nigeriana”, multinacionais foram para a Nigéria (África Ocidental), esgotaram as reservas de petróleo e a miséria nigeriana continuou. E um último efeito colateral é que o governo com essa entrada de dólares tem de aplicar esse dinheiro em títulos americanos, do Tesouro americano. E aí passa a receber juros negativos e aplicando numa moeda que está em decadência, que é o dólar. Nós defendemos que o governo tenha um percentual dentro da média mundial e que contrate a Petrobras para executar o pré-sal. Foi ela que pesquisou e que correu todos os riscos. E tem capacitação e crédito para ter o recurso necessário.
PortoGente – O senhor avalia que a ação do Governo Lula hoje afasta esse cenário de tantos efeitos colaterais?
Fernando Siqueira – A proposta do governo tem três pontos positivos: contrato de partilha, que retoma a propriedade para o governo; a Petrobras é executora de todos os blocos mesmo não sendo a ganhadora do consórcio; e, por último, ele cria um fundo soberano que cria uma poupança para o futuro. Mas o ponto negativo do governo é a continuidade dos leilões por todos esses efeitos colaterais que eu acabei de dizer. E criar uma estatal agora é meio que desnecessário, porque significa continuidade dos leilões.
PortoGente – Continuaria apenas com a Petrobras?
Fernando Siqueira – A ideia é que se tenha uma estrutura do Conselho Nacional de Política Energética para servir como o antigo Conselho Nacional do Petróleo e a Petrobras seja executora, e, gradativamente, o governo recompre as suas ações.
PortoGente – Como o pré-sal pode mudar a logística dos portos nacionais?
Fernando Siqueira – Eu acredito que o setor portuário vai ter de ser reforçado, porque haverá exportação de petróleo certamente, porque não tem como esse volume, que é sete vezes a reserva atual, ficar só restrito ao uso do Brasil. Com os 14 bilhões que a gente tinha a nossa auto-suficiência já estava para dez anos, com mais os 14 [bilhões] já comprovados essa auto-suficiência dobra. Se tivermos os 90 bilhões, a auto-suficiência fica enorme. E aí pode acontecer que depois de um certo tempo, o Brasil não tenha o que fazer com esse petróleo. E aí [o Brasil] pode exportar dentro de uma estratégia que atenda o interesse nacional para dar tempo para ele gerar o substituto do petróleo. Mas não tem como não exportar, até porque a pressão vai ser enorme dos Estados Unidos e dos países desenvolvidos. O Brasil pode e deve exportar, mas dentro de um entendimento a estratégia nacional. Uma relação reserva-produção, por exemplo para 45 anos e nesses 45 anos o País pode desenvolver a biomassa substituindo o petróleo.
Fernando Siqueira – Os portos vão ter de ser aumentados, estrutural e infraestruturalmente revistos para exportação. Mas exporta muito via petroleiro, que pode ser abastecido no mar. Então o porto é afetado certamente, porque você vai ter navios fazendo filas para levar petróleo.
PortoGente – Quais os portos que terão de fazer essa revisão?
Fernando Siqueira – O Porto de São Sebastião (SP) é um deles que vai se movimentar. Tem o Porto de Paranaguá (PR), de Santos (SP), de Vitória (ES), todos esses devem ser fortalecidos. Nós já temos uma infraestrutura portuária bastante razoável, ela precisa ser remodelada, ampliada e preparada para essa exportação.