Passados dois meses da concessão de grau de investimento ao Brasil pela agência Standard & Poor’’s - ocorrida em 30 de abril - e um da liberação do selo pela Fitch Ratings - em 29 de maio - o efeito no mercado de capitais foi praticamente imperceptível. A tão esperada enxurrada de dólares não veio, assim como os negócios na Bolsa de Valores de São Paulo não foram impulsionados ininterruptamente pelo bom humor dos negócios. No dia 29 de abril, antes de ser concedido o primeiro dos dois importantes carimbos, o Ibovespa - índice de ações mais negociadas na Bolsa - estava em 63.825 pontos. No dia seguinte, após o anúncio da S&P, o total foi de 67.868 - cerca de 6% a mais do que o fechamento anterior. Já em 28 de maio, antes de a Fitch informar ao mercado que o Brasil é considerado um bom local para investimento, os negócios totalizaram 73.153 - caindo para 71.797 (-1,85%) no dia seguinte. Ontem, o Ibovespa fechou em 65.017 pontos, com alta de 1,08%.
"Avaliamos que seria uma ilusão achar que seria verificado um movimento persistente de alta por causa do investment grade . A concessão da nota é uma conseqüência, e não uma causa", opinou Gabriel Goulart, analista econômico da Mercatto Investimentos. Especialistas ouvidos pelo DCI concordam que o mercado se movimentou de maneira mais vigorosa após a S&P dar o grau de investimento ao Brasil, porque o anúncio era esperado apenas para o fim do ano. Quanto à Fitch, já era previsto que a agência seguiria a decisão, portanto, o "preço" dessa concessão já vinha nos negócios desde então. O desempenho foi negativo em 29 de maio porque exatamente no dia em que o Brasil recebeu o segundo grau de investimento a cotação das commodities estava baixa - fazendo com que as ações da Petrobras e da Vale do Rio Doce desvalorizassem substancialmente. O peso dessas blue chips no Ibovespa foi o principal responsável pela posição negativa do índice ao fim do dia.
Cenário mundial
Por sua vez, a manutenção do entusiasmo dos investidores depende muito mais do cenário macroeconômico mundial - que devido à preocupação a respeito de uma inflação generalizada e ao desaquecimento da economia norte-americana, não está muito receptivo para negócios. "O cenário internacional tem uma força muito grande sobre o mercado. É difícil mensurar como as forças se sobrepõem. O Brasil não é uma ilha", avaliou o administrador de investimento Fabio Colombo.
O especialista concorda que a economia brasileira está em situação melhor do que as demais, por conta do forte consumo interno e de uma certa estabilidade. De qualquer maneira, o repique da inflação preocupa. A pesquisa Focus, do Banco Central, já aponta que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrará o ano a 6,30% - ante 6,08% previstos há uma semana e quase atingindo os 6,5% de teto estipulado pelo governo. A previsão para a taxa básica de juro da economia, a Selic - atualmente em 12,25% ao ano - foi mantida em 14,25% para dezembro no levantamento de ontem, indicando que os apertos continuarão nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).
Juro futuro
De fato, os analistas explicaram que esse movimento é o principal responsável pela parcial anulação dos efeitos do grau de investimento na taxa de juros futura. Em 30 de abril, os contratos DI de um dia para janeiro de 2009 encerraram a 12,77% e os do mesmo mês de 2010 ficaram em 13,67%. Ontem, os últimos negócios foram de, respectivamente, 13,38% e 15,14% - mostrando alta de, na mesma ordem, 0,61 ponto percentual e 1,47 pp. "Pela perspectiva da Selic ser maior do que o previsto, há motivo de sobra para um repasse aos contratos futuros", ponderou Goulart.
Dólar
Quando recebe dois graus de investimento, um país torna-se atrativo para o mercado de fundos estrangeiros - em especial os de pensão - que normalmente respondem ao cenário positivo e alocam parte de seus recursos no ambiente seguro. Essa era uma das principais expectativas de analistas, à época dos anúncios feitos por S&P e Fitch.
Segundo a corretora Socopa, no 24 de junho a Bovespa havia registrado saída de capital externo de R$ 235,859 milhões. Com isso, no mês, o saldo negativo havia subido para R$ 7,402 bilhões, elevando o saldo anual deficitário para R$ 6,644 bilhões.
O dólar comercial vem em um cenário de intensa desvalorização: encerrou janeiro valendo R$ 1,759; atingindo R$ 1,692 em fevereiro e voltando para R$ 1,753 em março. Entre 29 e 30 de abril, a divisa caiu 2,52%, de R$ 1,706 para R$ 1,663. No pregão de ontem, encerrou cotada a R$ 1,591 - mostrando queda de 6,74% desde a concessão de grau de investimento pela S&P.
"O dólar está se desvalorizando perante o Real e outras moedas, por causa de uma situação macroeconômica", continuou Goulart, indicando que a situação da economia brasileira não é o único norteador do resultado registrado até agora.
De qualquer maneira, o ambiente brasileiro tem se mostrando mais atrativo para os investimentos que o de outras localidades. "A situação da economia também é boa para atrair investimentos externos, porque ele aplica em um país com risco de primeiro mundo e recebe juros de um país de alto risco", ponderou Alexandre Assaf, professor e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), citando o nível atual da Selic.
Fonte: DCI - 01 JUL 08