Questões relacionadas com as mudanças de clima ainda são tratadas no Brasil como temas de meio ambiente. A realidade é que os efeitos das mudanças climáticas começam a repercutir fortemente na geoeconomia e na geopolítica mundial e terão grande impacto sobre a política internacional e sobre muitos aspectos sociais e populacionais. Mais cedo do que se pensa, as conseqüências do aquecimento serão encaradas como questão de segurança nacional.
O risco de um cenário de tensões crescentes, em diferentes regiões do mundo, pode ser explicado, em especial, por três elementos:
A emergência da China com poucos recursos agrícolas, minerais e energéticos para atender a suas crescentes necessidades de gás, de petróleo, da quase totalidade dos minerais, de madeira e de produtos agrícolas e alimentícios.
Países com instituições fracas ou com governos autoritários (Congo Brazzaville, Libéria, Serra Leoa, Sudão, Iraque, Irã e por exemplo) estão se beneficiando de um crescente fluxo de investimentos e da venda de seus recursos naturais (sobretudo minérios, petróleo e gás) a preços cada vez mais altos, o que poderá aumentar a instabilidade global.
O aumento das tensões em razão dos múltiplos efeitos da mudança de clima global sobre a disponibilidade de recursos naturais e produtos alimentícios.
É evidente que não se deve exagerar o risco real, a curto prazo, de conflitos para assegurar os recursos naturais indispensáveis à sobrevivência de grandes massas populacionais. Não se podem, no entanto, ignorar o problema e sua importância, já que a escassez desses produtos sempre interage com outros fatores, como a ecologia, a política, a economia e elementos institucionais.
O impacto maior até aqui tem sido causado, entre outros fatores, pela alta dos preços dos recursos energéticos e dos minerais, pela crescente escassez de água e pelo aparecimento do fenômeno de deslocamento populacional.
As conseqüências da mudança de clima, nos próximos anos, poderão ter um efeito cumulativo sobre os já graves problemas de escassez de alimentos. Distúrbios em vários países relacionados com o aumento dos preços dos alimentos são um terrível prenúncio do que poderá ocorrer no futuro.
Estudos recentes, realizados pelo Centro de Análise Naval dos EUA (A ameaça da mudança do clima e segurança nacional) e pelo Serviço de Monitoramento das Geleiras no Mundo, da Universidade de Zurique, analisam os riscos que as rápidas mudanças climáticas, devidas ao aquecimento global, colocam para a estabilidade internacional e para a segurança nacional de todos os países.
A falta d’água ou seu excesso (tanto pelo aumento do nível do mar quanto pela escassez derivada do derretimento das geleiras), a queda da produção agrícola e o potencial impacto sobre a produção de alimentos, o uso dos recursos naturais, a utilização do petróleo e do gás como armas políticas e a disseminação das pandemias (ameaça de doenças com extensão global) são algumas das áreas que poderão ser fontes de tensão ou de conflitos no médio e no longo prazos.
A maior parte das geleiras que alimentam rios e reservatórios de água está se desfazendo de forma acelerada, podendo acarretar no futuro o desaparecimento de rios, com efeitos sobre o fornecimento de água potável e a utilização da sua força em hidrelétricas.
A fonte de alguns dos maiores rios asiáticos, como o Indo, o Ganges, o Mekong, Yang-Tsé e o Rio Amarelo são as camadas de gelo do Himalaia. Se essas geleiras continuarem a derreter, o fornecimento de água de grande parte da Ásia, tão densamente povoada, vai se reduzir drasticamente. O mesmo ocorre com os países andinos que recebem água das Cordilheiras dos Andes, como é o caso do Peru e da Bolívia.
O aumento do nível do mar, em conseqüência do degelo na região ártica, como mostra recente relatório do Centro de Informação sobre Neve e Gelo da Universidade do Colorado, pode causar o declínio das florestas, além de afetar cidades costeiras, países e ilhas oceânicas. Estes fatos podem acarretar movimentação populacional (como foi o caso do Furacão Katrina, em New Orleans, e do tsunami, na Indonésia), criando problemas econômicos e sociais de grande magnitude.
Regiões que já sofrem escassez de água, como Kuwait, Jordânia, Israel, Ruanda, Somália e Argélia, podem ser confrontadas com a necessidade de buscá-la de qualquer maneira, na medida em que as mudanças no clima agravem a situação. Provocada pelo aquecimento global, a desertificação de áreas hoje produtoras de alimentos (o Brasil poderá ser um desses países afetados) e o aparecimento de novas regiões de produção agrícola (como a Sibéria) hão de alterar a geopolítica da agricultura mundial.
Em relatório de 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estudou o efeito das mudanças globais de clima sobre a saúde. A OMS chama a atenção para o risco potencial da disseminação de doenças derivadas das alterações climáticas, com efeitos importantes sobre as condições sanitárias em importantes concentrações populacionais. Trata-se de prever quando, como e onde deverão ocorrer os maiores impactos. O referido relatório levanta uma série de preocupações sobre a disseminação de doenças como a dengue, a malária e a salmonela.
O debate sobre o papel da competição pelos recursos naturais nas relações internacionais ainda passa ao largo de nossas preocupações, pela posição privilegiada que desfruta o Brasil. Nem por isso deve ser dada menor importância ao problema, uma vez que poderá afetar-nos diretamente. A repercussão no exterior da devastação da floresta amazônica e os problemas energéticos que estão ocorrendo hoje na América do Sul sugerem a necessidade de nos posicionarmos para encarar essa nova realidade.
Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
Fonte: O Estado de S.Paulo - 24 JUN 08