Tachado de atrasado e feudal durante a maior parte do século passado, o confucionismo renasce com força na China de hoje. A filosofia criada há 2.500 anos inspira a “sociedade harmônica” defendida pelo presidente Hu Jintao, é tema de um dos maiores best sellers de todos os tempos, tem espaço cada vez maior no currículo escolar e deve ganhar uma cidade temática na região onde nasceu Confúcio (551-479 a.C.).
Nas universidades, intelectuais travam intensos debates sobre o papel que a filosofia - que moldou como nenhuma outra a identidade chinesa - deve ter nos dias de hoje. Na internet, jovens se reúnem em fóruns para discutir as idéias de Confúcio, enquanto os descendentes do filósofo são tratados com veneração especial pelo restante da sociedade.
Daniel Bell, professor de filosofia política da Universidade de Tsinghua e autor do livro China’s New Confucionism (Princeton University Press) avalia que há um vácuo moral na China de hoje, que em parte está sendo preenchido pelo confucionismo.
A emergência do país como uma potência mundial é outro fator que explica o ressurgimento, avalia Bell. “Quando uma sociedade se torna economicamente poderosa, normalmente as pessoas passam a ter mais orgulho de suas próprias tradições.
AUTO-AJUDA
No século 20, a China era vista como um lugar atrasado e os chineses olhavam para outras sociedades em busca de inspiração”, diz o professor, o primeiro ocidental a integrar o quadro permanente de uma grande universidade chinesa para o ensino de filosofia política.
A maior evidência de que Confúcio se tornou “pop” é o sucesso de Yu Dan, uma professora de filosofia que empacotou as idéias do sábio em uma espécie de manual de auto-ajuda para os dias de hoje.
Seu livro Reflexões de Yu Dan sobre os Analectos vendeu 10 milhões de cópias, 6 milhões das quais, piratas, no maior sucesso editorial desde o Livro Vermelho de Mao Tsé-tung, que era principalmente distribuído de graça.
Acusada por alguns especialistas - incluindo Bell - de distorcer as idéias de Confúcio, Yu Dan ganhou popularidade em 2006, quando estreou uma série de sete programas na TV estatal nos quais dava uma interpretação pessoal aos Analectos, que são uma coleção de máximas do confucionismo.
FELICIDADE ESPIRITUAL
Lançado em dezembro de 2006, o livro continua na lista dos cinco mais vendidos em toda a China e, neste ano, será traduzido para o inglês. “Os analectos nos ensinam como atingir felicidade espiritual, ajustar nossa rotina diária e encontrar nosso lugar na vida moderna”, afirma a autora no livro.
Confúcio começa a substituir Marx no currículo escolar e inúmeras instituições oferecem cursos específicos sobre seus ensinamentos, que atraem milhares de interessados. Chen Lai, professor de filosofia da Universidade de Pequim, estima que 10 milhões de crianças estudam os textos clássicos do confucionismo atualmente, algo que seria impensável há uma década.
O confucionismo transformou-se na ideologia oficial do império chinês na dinastia Han (206 AC-220 d.C.) e manteve essa posição até a vitória da revolução republicana, em 1911. Quase dois séculos depois, os chineses voltam a olhar para o filósofo, na busca de inspiração para o futuro.
A popularidade é tanta que o governo da Província de Shandong anunciou em março o projeto de construção de um “parque temático” do confucionismo, no qual planeja investir US$ 4,2 bilhões, mais que os US$ 3,8 bilhões gastos na construção do novo aeroporto internacional de Pequim, um dos maiores edifícios do mundo.
Batizado de “Cidade Simbólica da Cultura Chinesa”, o parque ocuparia uma área de 300 km quadrados e englobaria Qufu, onde nasceu Confúcio, e Zoucheng, local de nascimento de seu principal discípulo, Mencius (372-289 a.C.).
Segundo a imprensa oficial chinesa, o objetivo é “reavivar os valores culturais tradicionais” do país.
‘PARQUE TEMÁTICO’
Elogiado por alguns e atacado por muitos, o projeto estará aberto a sugestões até setembro e as autoridades de Shandong esperam iniciar sua construção antes de 2010.
Mas o maior símbolo da ascensão do confucionismo no establishment comunista é o presidente Hu Jintao, que assumiu o cargo em 2003 e prega a construção de uma “sociedade harmônica”, conceito muito mais identificado com as idéias do filósofo chinês do que com a luta de classes do alemão Karl Marx (1818-1883).
Apesar da mudança, Marx continua a figurar na Constituição chinesa como a teoria que fundamenta o sistema político do país. Mas é crescente o número de intelectuais que vêem no confucionismo um caminho mais apropriado para a China de hoje.
“Ainda que o regime permaneça seja oficialmente marxista, o marxismo não inspira mais as pessoas. O governo precisa de novas fontes de legitimidade social e é por isso que usa cada vez mais a linguagem do confucionismo, como a linguagem da harmonia”, observa Bell.
NÚMEROS
3 milhões
é o número estimado de descendentes vivos de Confúcio
1,3 milhão
de pessoas se apresentaram como parentes do sábio
US$ 4,2 bi
serão gastos num ‘parque temático’ do confucionismo
10 milhões
de cópias do livro ‘Relexões de Yu Dan’ foram vendidos na China
FRASES
Confúcio (551-479 a.C.)
Filósofo chinês
“Aqueles que nascem com o dom do conhecimento são a mais alta classe entre os homens. Aqueles que aprendem e rapidamente alcançam conhecimento vêm em seguida. Aqueles que são obtusos e
desprovidos de inteligência, mas ainda assim se dedicam ao aprendizado, aparecem depois deles. Já os que são obtusos e
desprovidos de inteligência e ainda assim não estudam, essas são as mais baixas das pessoas”
“O que o homem virtuoso busca está nele mesmo. O que o homem inferior busca está nos outros”
“Yu Tzu disse: Raramente um homem de lealdade filial e amor fraternal estará inclinado a ofender aqueles acima dele. Não
existe um homem inclinado a causar desordem sem a inclinação de ofender aqueles acima dele. O homem nobre nutre as raízes. Com as raízes fixadas, o caminho se desenvolve. Não são a lealdade filial e o amor fraterno as raízes da benevolência?”
“Quando seu pai for vivo, observe sua vontade. Quando seu pai estiver morto, observe suas ações passadas. Se, durante três anos, você não se afastar dos caminhos de seu pai, isso pode
ser considerado lealdade filial”
“O caráter moral do governante é o vento; o caráter moral dos que estão abaixo dele é a grama. Quando o vento sopra, a grama se curva”
“Governe com o uso de leis e controle por meio de punições e o povo evitará o crime, mas sem um sentimento de vergonha. Governe com virtude e controle por meio de rituais e as pessoas ganharão sentido de vergonha e, assim, se corrigirão”
Fonte: O Estado de S.Paulo - 23 JUN 08