O texto "Sindicalista em desespero", desta coluna, provocou um salutar debate entre sindicalistas e simpatizantes. E foi a partir dessa reflexão provocada que surgiu a (boa) idéia de entrevistar o sindicalista Sílvio Nascimento, dos Bancários de Santos e Região, e que hoje atua no Conselho Sindical Regional, organismo criado no âmbito do Ministério do Trabalho, como ele próprio explica. Ele vaticina: “o que vemos hoje (nos sindicatos) é fruto da perda de referencial político e ideológico”.
A entrevista foi agradavelmente positiva. O que leremos a seguir é um sindicalista que não tem medo de desnudar a fragilidade atual do movimento sindical brasileiro, mas que não perde a esperança. Ele mostra que os sindicatos, no momento, no Brasil, estão entre “a cruz e a espada”, não sabem se são governo ou não, não têm muito claro os caminhos que devem ser seguidos – porquê e para onde.
Sílvio Nascimento mostrou sinceridade e perplexidade, como podemos verificar nessas suas palavras: “o capital se globalizou e a luta dos trabalhadores mal consegue se reunir dentro do estado nação”.
Enfim, apresentamos mais idéias, avaliações e propostas para o debate sobre o Mundo do Trabalho. Boa leitura.
Debate Sindical - Sílvio, estamos às vésperas de mais um Primeiro de Maio. Mais uma vez, as centrais sindicais optam em fazer shows, e colocam os discursos políticos em segundo plano. É um sinal de que a luta política dos trabalhadores passa por um refluxo?
Silvio Nascimento – Não chamaria de refluxo, mas reconheço que os atores foram trocados. A perda de referência com o fim do socialismo real, o modelo que defendíamos foi um golpe muito grande. O capital se globalizou e a luta dos trabalhadores mal consegue se reunir dentro do estado nação. A ofensiva foi e continua sendo muito intensa. Quando nós aqui em Santos defendemos e lutamos por unificar o 1º de maio é porque entendemos que estamos na defensiva e que lutar junto e demonstrar essa capacidade acima de tudo, é superar os limites criados pelo capital.
Debate Sindical - Você comentou a coluna "Sindicalista em desespero", dizendo que não existe ex-sindicalista, porque uma vez na luta sindical, isso não consegue mais sair do sangue. Então, o que aconteceu com todos os sindicalistas e lutadores sindicais que hoje não conseguem ter uma ação mais consistente frente aos ataques do capital?
Silvio Nascimento – A dificuldade está na construção dos caminhos. A luta “revolucionária” perdeu terreno para a luta institucional, ou seja, após 1985, com a queda do muro (de Berlim), o objetivo passou para luta de ocupação e desmanche dos laços capitalistas. Deixamos de construir nosso próprio projeto e passamos a querer melhorar o modelo que se combatia. Este, por sua vez, acelerou sua transformação e então nós trabalhadores perdemos ao usarmos uma tática que não obtém espaço na estratégia. Com a chegada de um operário no governo abandonou-se a estratégia e taticamente passou-se a gestar um plano de longo prazo cuja condição de aplicabilidade é muito subjetiva. O voto popular é inconstante e facilmente manipulado.
Debate Sindical - Você fala, inclusive, que hoje vocês estão reduzidos. Por que aconteceu essa redução e como foi ela?
Silvio Nascimento – A principal arma usada contra nossa luta é o individualismo. O capital e suas regras são existencialistas, não se consegue facilmente encontrar quem lute pelo coletivo. A família, a religião, a educação e até o relacionamento afetivo são excludentes. Não se abre espaço para o pensar e agir coletivamente, sempre vem a necessidade de se garantir primeiro o chamado status quo, então é preciso garimpar muito para conseguir um cidadão do mundo. Até mesmo este conceito de cidadão foi manipulado, agora chamamos de incluídos e excluídos. Os sindicatos perderam muitos de seus quadros para compor o governo, o erro foi o longo período sem investimentos na formação e atualização e crescimento dos sindicalistas.
Debate Sindical - Quando e como você entrou no movimento sindical?
Silvio Nascimento – Comecei a encarar o mundo com outros olhos no final dos anos 1970, dentro do movimento estudantil ainda, e depois para a luta sindical na construção do Partido dos Trabalhadores e da CUT, na época como militante das oposições sindicais.
Debate Sindical - Sílvio, faça uma análise rápida do que era o sindicalismo quando você entrou e o que ele é agora.
Silvio Nascimento – Quando comecei era apaixonante, muito coisa para fazer, ou melhor, refazer. Tínhamos muita tarefa e pouco tempo para discussão e acertos de caminhos. Hoje temos governo, com suas limitações é claro e um sindicalismo que por não ter investido na formação, ou mesmo oxigenação de seus quadros, não consegue fazer a disputa contra o capital nos marcos da institucionalização e das regras anteriormente estabelecidas. Temos que decidir: ou defendemos o governo participando dele, em seus erros e acertos ou então retornemos à posição revolucionária de catando pedra para estilhaçar o vento, já que os capitalistas quebram qualquer vidraça que o movimento sindical ousar interpor em um congresso majoritariamente patronal. Temos que decidir o que queremos com o poder que ainda não conquistamos ou aceitarmos aquilo que eles se dispõem conceder em um governo dos trabalhadores.
Debate Sindical - Não se faz mais sindicatos como antigamente? Ou sindicalistas?
Silvio Nascimento – Os sindicalistas são responsáveis pelas máquinas sindicais que constroem, sendo assim o que vemos hoje é fruto da perda de referencial político e ideológico que se desenvolveu na década passada. Não posso generalizar, pois tem muito sindicato e sindicalista que se mantêm na luta coletiva e não abandonaram seus ideais, porém é notório que muitos não entendem, assim como boa parte dos trabalhadores não entende, qual a importância dos sindicatos e de sua organização.
Debate Sindical - Qual a melhor definição para um sindicalismo realmente combativo e que coloque em cheque o sistema econômico atual?
Silvio Nascimento – O sindicalismo precisa construir e planejar suas ações a médio e longo prazo. Não podemos atuar no afogadilho, com improvisações sempre na reação aos fatos do cotidiano e não se antecipando ao capital. É preciso acima de tudo a retomada da consciência de classe, ou nós trabalhadores ficaremos confusos e envolvidos pelas artimanhas que os capitalistas nos apontam a cada passo. O conceito de categoria é um exemplo desta artimanha, assim como as datas-bases diferenciadas para garantir que a produção se mantenha mesmo dentro dos períodos de reivindicações.
O movimento sindical precisa falar mais com os trabalhadores, caso contrário ele ouvirá seu algoz e seguirá passivamente suas regras. A consciência de classe tem que ser mais latente entre nós.
Debate Sindical - Qual é a sua atuação sindical hoje?
Silvio Nascimento – Estou como sindicalista bancário desde de 1995, porém militante sindical desde o início dos anos 1980. Como diretor do sindicato dos bancários, com freqüência livre para o exercício do mandato, participo do Conselho Sindical Regional, criado no âmbito do Ministério do Trabalho, pela portaria 556 e hoje pela edição da portaria 13 da atual superintendente em São Paulo, e há três anos como coordenador do Grupo de Trabalho, que vem a ser a executiva deste Conselho. O conselho atualmente conta com 96 sindicatos participantes, filiados de todas as centrais sindicais e muitos ainda independentes.
Debate Sindical - Qual a sua mensagem para os trabalhadores e trabalhadoras neste Primeiro de Maio?
Silvio Nascimento – Gostaria de levar aos trabalhadores a mensagem que hoje o 1º de Maio é comemorado com muita festa e shows e também brindes. Esse tem sido o caminho de tentar uni-los, mas que é preciso também um pouco de reflexão de sua história. Ele surgiu da luta de classe, infelizmente para lembrarmos das perdas de vidas de companheiros que faziam da luta coletiva a demarcação de quem somos e buscávamos juntos para a solução dos nossos problemas que, invariavelmente, começa pelo direito ao trabalho, à dignidade e à cidadania.
Fonte: PortoGente - 29 ABR 08