A estabilidade econômica do Brasil, o desenvolvimento do mercado de capitais, a maior circulação de dinheiro e a valorização cambial estão contribuindo para o aumento de um tipo de negócio que até há alguns anos não era comum no País. O número de fusões e aquisições protagonizadas por empresas brasileiras tem crescido e bateu recordes em 2007. Os especialistas nesse tipo de operação são unânimes em apontar o bom momento da economia como responsável pela adoção dessas estratégias de expansão e prevêem que o cenário não deve se alterar significativamente neste ano, mantendo os bons negócios nos mais diferentes níveis de empreendimentos. E um dos aspectos mais interessantes é que, justamente as brasileiras viraram protagonistas: ao invés de serem compradas, partiram para o ataque, em escala global. É o caso da Gerdau e da Vale, por exemplo.
Se até meados da década de 1990, cerca de dois terços das aquisições eram realizadas por empresas estrangeiras, nos últimos anos a relação tem se invertido e hoje 70% dos negócios têm compradores brasileiros. Os empresários estão compreendendo que essa é mais uma opção de investimentos, indicada, por exemplo, quando há presa em obter os resultados e comprar um negócio pronto colabora com esse objetivo. Segundo o relatório da KPMG, no Brasil aumentou o número de transações domésticas em comparação com as além-fronteiras.
Setores como alimentação, varejo, construção (construtoras e incorporadoras), serviços e serviços públicos (concessões e energia) estão em destaque entre as fusões e aquisições registradas no último ano e mesmo entre as previstas para os próximos meses. No escritório Veirano estão em análises quatro processos, que podem acontecer com compradores locais ou estrangeiros. No entanto, a crise econômica global pode influir na concretização, já que os investidores ficam mais cautelosos.
Também há empresas nacionais fazendo compras no exterior. Além da Gerdau e da Vale, os frigoríficos Marfrig e Friboi têm protagonizado as últimas mudanças, com diversas aquisições no exterior. Além da Swift, adquirida ano passado, o Friboi entrou 2008 com apetite: no início de março, anunciou a compra de três frigoríficos no exterior por US$ 1,275 bilhão.
Há três anos, esse tipo de negócio era praticamente inexistente no País e passou a ganhar força em setores tradicionais de grandes empresas no Brasil - siderurgia e mineração - e em setores novos, como os frigoríficos, que alteraram significativamente seu perfil de atuação, abandonando a gestão familiar e assumindo um gerenciamento profissional concentrado em grandes conglomerados.
Em 2004, a KPMG listou 22 operações desse tipo. No ano passado, foram 62 e, para o sócio de corporate finance da empresa, Cláudio Ramos, a dinâmica local está encarando um cenário mundial favorável em 2008. "Algumas já estão bastante adiantadas rumo à consolidação global, enquanto outras ainda estão no primeiro estágio, se consolidando na América Latina", afirma.
O advogado Gilberto Corrêa, do escritório Veirano, explica que a maioria das empresas envolvidas em fusões e aquisições foi ao mercado de capitais em busca de capitalização e com isso foi às compras. Já outras buscam nesses negócios a geração de retorno para os acionistas. O advogado André Ramos lembra que há uma crescente especialização de profissionais no País para assessorar a condução das negociações. "O processo todo é complexo e envolve muito planejamento e metas estratégicas, com especialistas de diferentes áreas, tanto para a venda, como para a compra", diz.
Fusões e aquisições cresceram 25% no País em 2007
Um relatório produzido pela PricewaterhouseCoopers (PwC) aponta que as operações de fusões e aquisições no Brasil cresceram 25% em 2007 ante o ano anterior. O volume foi o maior já registrado, com 718 transações que superaram a marca histórica de 2000, época dos negócios ligados à bolha da internet. Além disso, está sendo obtido um crescimento médio anual de 36% nos dois últimos anos. Em nível mundial, outro estudo, dessa vez realizado pela KPMG International Global M&A Predictor, traz evidências de que a atividade de fusões e aquisições atingiu um patamar de estabilidade a partir do segundo semestre de 2007 em todo o planeta, tendo declinado 20% em valor e aumentado 9% em quantidade, na comparação com o semestre anterior.
De acordo com os dados, de julho a dezembro do ano passado houve 19.343 negócios, em um valor de US$ 2.147 bilhões. Comparado com os 17.717 negócios fechados no primeiro semestre de 2007, totalizando US$ 2.699 bilhões, observa-se que o valor médio por transação caiu 27% de R$ 152 milhões para R$ 111 milhões. De fato, parece que é principalmente a grande quantidade de negócios de baixo valor realizados na Ásia-Pacífico que possibilitou que os números da segunda metade do ano fossem ligeiramente superiores aos da primeira. Esta queda significativa no valor total dos negócios ocorre apesar de os balanços estarem geralmente robustos. A pesquisa conclui que o nível de negócios neste ano poderá se manter nos níveis de 2007, mas os valores médios das fusões deve cair. No entanto, balanços robustos indicam que ainda há capacidade para negócios estratégicos serem fechados.
Para o advogado do escritório Veirano André Gomes, o Brasil se beneficiou de um movimento registrado em todo mercado mundial até o ano passado, com capital excedente em circulação global e preços de ativos no País muito baixos. Também integrante da mesma equipe, o advogado Gilberto Corrêa lembra que as grandes empresas se capitalizaram - muitas delas via mercado de capitais - e foram às compras. Outras, ainda, precisavam ampliar os negócios justamente para gerar um maior retorno aos acionistas. "O mercado interno está crescendo, com reposicionamento das forças e ingresso de novos players com mais força", completa Gomes.
Ao analisar os dados, o sócio da PWC Raul Beer, diz que o Brasil ainda é proporcionalmente pequeno quando comparado com países mais desenvolvidos e que vem crescendo em um ritmo menor. "Esse instrumento tem que ser mais usado, já que não fazia parte da agenda dos empresários. Até bem pouco tempo, vender a empresa era associado ao fracasso e ao insucesso", constata. No entanto, Beer explica que, muitas vezes, um negócio deve ser vendido porque vale mais nas mãos de um outro grupo. Essa transformação cultural e as perspectivas macroeconômicas favoráveis fazem com que as fusões e aquisições tenham perspectivas de destaque em 2008.
O advogado Gilberto Corrêa relata que os grupos pequenos e médios vão se fortalecendo para enfrentar a concorrência ou se tornarem atraentes para ser comprados. E essa atratividade pode estar relacionada não só com o que já têm em ativos, mas também pelas perspectivas de negócios futuros ou até mesmo pela figura do líder da empresa. "Os empresários estão começando a perceber que comprar pode ser útil para o crescimento e vender pode não estar relacionado com o fracasso e isso vale muito para a Região Sul, onde o uso do instrumento é mais recente", explica. Isso ocorre porque há uma característica marcante de empresas familiares. No entanto, justamente por isso acabam passando por processos de fusão ou aquisição nos momentos de troca de comando por falta de um sucessor.
Grupos trocam de mãos no Estado
Os anúncios das grandes operações de fusões e aquisições chegam, geralmente, a bilhões de dólares e envolvem negócios em diferentes países. Mas a estratégia não é adotada somente por grandes multinacionais. No Estado têm sido comuns as transações entre grupos locais.
Em 2007, a laticínios Bom Gosto incorporou a Da Mata e a Nutrilat, a Todeschini comprou a Carraro, o Asun assumiu os negócios do Bird e a Quero-Quero adquiriu as Lojas Fischer.
Entre grupos gaúchos, a Gerdau continua dando passos largos no sentido de crescer no exterior, assim como a Lupatech, de Caxias do Sul que, só em 2007, adquiriu sete empresas. Na sexta-feira, a Lupatech anunciou a aquisição da Gavea Sensors por R$ 9 milhões.
Um dos desfechos mais aguardados no mercado global é a possível compra da mineradora anglo-suíça Xstrata pela brasileira Vale, em um acerto que deve ficar em US$ 90 bilhões.
Também tem recebido destaque a venda da Brasil Telecom para a Oi, num negócio que depende, inclusive, de alterações na legislação brasileira de telecomunicações.
Fonte: Jornal do Comércio - 17 MAR 08