Se já é um tremendo aborrecimento perder horas no trânsito de São Paulo, imagine então a situação de Michel Antunes dos Santos, de 56 anos, cinco filhos e três netos, motorista profissional de carretas. Apenas para cruzar a capital, Michel leva nada menos do que três dias. Isso se não chover, claro. Apesar de ser fã de Fórmula 1 ("Economizo todo ano para ir a Interlagos e ver a McLaren de perto"), o máximo que ele consegue alcançar com sua jamanta de 100 metros de comprimento e 32 eixos é cerca de 10 quilômetros por hora.
"É uma lerdeza só... Se fosse andando, chegaria mais rápido", brinca. "Teve uma vez que fiquei três semanas, só para chegar a Santos. Um carro chegaria em uma hora e meia. Outra vez ficamos entalados em uma rua, com uma carga de 500 toneladas, não dava para ir para frente nem dar ré. É sempre um sofrimento."
Nas madrugadas, histórias como as de Michel se repetem pelas ruas de São Paulo, rota de passagem obrigatória das carretas gigantescas com destino ao porto de Santos ou ao interior. Vira e mexe acontece algum acidente. Ontem, às 4h15, uma peça de turbina de usina hidrelétrica se desprendeu da carroceria do veículo, no momento em que o motorista fazia a curva na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, em Pirituba, zona oeste da cidade. A tal peça pesa a bobagenzinha de 33 toneladas. O trânsito ficou complicado até as 8 horas.
Ainda na madrugada de ontem e de anteontem, várias vias da zona sul ficaram fechadas para o transporte de um veleiro de 3 metros de altura e 9 metros de largura. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que monitora esses monstrengos, é responsável por analisar o impacto no trânsito e ajudar a traçar rotas alternativas. "As empresas de transporte precisam procurar a CET com uma antecedência de 48 horas até 2 semanas, para requisitar uma autorização especial de trânsito", explica o engenheiro Antonio Tadeu Prestes de Oliveira, coordenador de transportes especiais de São Paulo. "Quando as cargas têm altura acima de 5,3 metros e peso acima de cem toneladas, cerca de 12 agentes da CET acompanham o percurso para levantar semáforos, bloquear ruas e ajudar na operação."
Só no ano passado, a CET emitiu 23.500 autorizações especiais de trânsito - dessas, os agentes acompanharam 652 supercarretas de perto, uma média de 1,7 por dia. "As empresas precisam pagar, quando a CET participa do percurso. São cobradas por hora de serviço", diz Oliveira. "No caso do veleiro, por exemplo, custa cerca de R$ 2.500 por dia."
Cerca de 230 mil caminhões trafegam diariamente por São Paulo, sendo que quase 50 mil estão apenas de passagem pela cidade. Segundo estudos da CET, a cada três horas um deles quebra e ajuda a complicar ainda mais os congestionamentos. "Há poucas opções para acabar com essa dor de cabeça. É preciso, antes de tudo, concluir o trecho sul do Rodoanel", diz o engenheiro e especialista em trânsito Paulo Costa. "Isso diminuiria em até 30% o tráfego de cargas nas marginais Pinheiros e Tietê. Não é a solução final, mas já é um alento para o paulistano."
Fonte: O Estado de S. Paulo - 21 FEV 08