Domingo, 02 Fevereiro 2025

O Deutsche Bank conseguiu, até o momento, atravessar bem a crise no sistema financeiro americano. Tão bem que seu presidente mundial, Josef Ackermann, foi sondado para assumir o Citigroup, depois da queda do CEO Chuck Prince, abatido pela crise das hipotecas de alto risco (subprime). Seth Waugh, presidente do Deutsche Bank para as Américas, incluindo dos Estados Unidos ao Brasil, está confiante de que a crise não fugirá do controle. Ele acha que haverá uma desaceleração econômica nos EUA, sem efeitos catastróficos para o Brasil. “O Brasil virou uma economia globalizada, está menos dependente dos EUA”, disse Waugh ao Estado, em uma visita à nova sede do Deutsche Bank em São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Muitos economistas dizem que há um descolamento da economia dos países emergentes - como o Brasil - da economia americana. O sr. acredita nisso?

Eu penso que os Estados Unidos vão pesar menos na economia mundial, apesar de ser a maior economia do mundo. Há aquela velha imagem de que os EUA pegam uma gripe e todo o resto começa a espirrar. Penso que esse ainda é o caso, mas menos do que era. Se você olhar especificamente para o Brasil, se tornou um país global, que não depende apenas nos EUA. Além disso, a grande demanda pelos recursos naturais do Brasil virá da China, da Índia e de outros lugares. Vocês ainda têm um número de empresas de categoria internacional com negócios espalhados pelo globo. Então, descolou? Não. Penso que o contágio é direto? Não. Dito isso, por bem ou por mal, com a globalização, qualquer coisa que aconteça em outro país, especialmente a maior economia do mundo, deve afetar o Brasil. Mas não precisa ser uma crise. O esfriamento dos EUA, com redução de 1% ou 2% do PIB, tem efeito multiplicador pela América Latina. No passado, o Brasil e a Argentina sofreriam duas ou três vezes esse efeito, mas não é mais o caso. O Brasil pode ir de um crescimento de 4,5% para 3,5%.

Qual é sua previsão para o Brasil?

A princípio, é de crescimento de 4,5% a 5%.

Vocês vão mudar as projeções com a crise?

Ainda não. Depende de quanto tempo essa crise vai durar e para onde vão os EUA. Passei um bom número de horas com clientes no Brasil e todos estavam muito confiantes. Falei com gente de bancos, de indústrias, e todos dizem que o ambiente de negócios está muito positivo. Então, acho que a crise americana poderia ter um efeito limitado agora. Mas, se a crise demorar muito e cair mais, teremos de repensar. O Brasil está mais ligado hoje ao que acontece no mundo e menos ao que acontece com os EUA. O efeito multiplicador da crise nos Estados Unidos é menor do que no passado.

O preço das commodities negociadas pelo Brasil vai cair?

Ainda não. A demanda da Ásia é muito forte. O petróleo deve ser afetado, mas, as outras commodities, só se a crise for maior do que esperamos no momento.

Tradicionalmente, as ações são negociadas com desconto no Brasil em relação aos países desenvolvidos. Hoje essa relação se inverteu. Esse movimento é sustentável?

Depende do tempo que se analisa isso. A boa notícia sobre o Brasil ter se tornado parte da economia global é que pode buscar os níveis de referência do mercado internacional. Olhe os prêmios pagos no mercado chinês. Isso é sustentável? Não. Mas o Brasil é sustentável por algum tempo, levando em conta que os Estados Unidos devem crescer talvez 1% e o Brasil deve crescer 4,5% ou 5%? Claro. Deve haver um prêmio associado a isso. Também deve haver um prêmio associado à escassez de ações porque não existem tantos papéis disponíveis. Então deve haver um problema de oferta para investimentos. A curto prazo, é sustentável, claro. Mas, a longo prazo, as ações européias e americanas devem se realinhar.

Como os clientes do Deutsche de outros países vêem o Brasil?

O Deutsche está apostando no Brasil como um dos nossos principais focos de crescimento, assim como China, Rússia e Índia. Por diferentes razões, e com diferentes histórias - o Brasil na minha opinião é o mais estável entre eles -, todos fazem parte da mesma categoria de lugares em que se deve estar. É preciso levá-los mais a sério, porque os mercados emergentes estão mais integrados à economia mundial.

Que tipo de investimento veremos no Brasil?

Teremos uma mão dupla nas corporações. O Brasil tem empresas de padrão internacional que vão comprar companhias em outros países. Serão mais compradoras do que compradas. Além disso, na medida em que o Brasil cresce, aparecem os problemas de infra-estrutura e veremos cada vez mais investimentos estrangeiros nessa área.

Os brasileiros têm dúvidas sobre a sustentabilidade desse ciclo de crescimento. O próprio Deutsche já investiu e saiu do Brasil...

Estamos no Brasil há mais de cem anos. No nosso negócio, tendemos a ter uma tempestade de cem anos a cada cinco anos. É o que estamos passando agora. A maneira como se navega nessas tempestades é que define o próximo período. Para durar cem anos, é preciso sobreviver às tempestades. Estamos crescendo nos últimos dois ou três anos e cresceremos ainda mais nos próximos cinco. Mas, se a economia aqui der uma pausa, nós também vamos dar uma pausa.

O pior já passou ou a crise financeira americana pode se agravar?

É uma pergunta difícil. A questão é saber, em primeiro lugar, onde mais a crise pode aparecer. Quais são os outros bolsões de crise? Companhias seguradoras, fundos hedge, fundos de pensão... A boa notícia sobre a crise é que parece estar limitada a um pequeno número de grandes bancos. A crise não se espalhou por todos os lados, no sentido que os mercados de capitais souberam encontrar seu caminho no meio da crise. A má notícia é que pode aparecer em outros. A grande questão é qual efeito que a crise financeira poderá ter em outros setores. O que aconteceu até agora é que uma classe de ativos teve problemas reais. E houve o contágio ao redor dessa classe de ativos que levou a uma redefinição dos preços em outros ativos. Mas os mercados permanecem abertos e funcionando. A questão é se essa crise colocará pressão no setor de habitação e afetará a economia e se teremos uma recessão. A trava no crédito pode virar um problema se virar uma recessão. Se passarmos de uma reavaliação de ativos para uma crise de liquidez e de crédito, com calotes, então nós teremos problemas sérios.

Qual seria o seu palpite sobre a economia americana?

Meu palpite é que a economia americana deve esfriar, mas não haverá uma recessão. Minha visão sobre isso é que o Fed (banco central americano), o Tesouro e o Congresso, enfim, todas as instituições envolvidas, perceberam como essa questão é séria. Eles estão extremamente focados em evitar uma recessão. As preocupações com inflação estão muito mais concentradas na estabilização da economia. Portanto, todos os instrumentos que eles têm serão usados - mas não a qualquer custo - para evitar uma recessão. O segundo ponto é que a economia americana e os mercados tendem a se autocorrigir. Como resultado dessa tendência, normalmente passamos muito rápido por esses problemas. Na medida em que os problemas dos bancos vão aparecendo, teremos a dimensão dos problemas. Essa transparência vai nos ajudar a trazer de volta as condições normais de mercado. Já está acontecendo.

Como assim?

Veja o que ocorreu nos anos 90, quando ocorreram problemas de crédito nos Estados Unidos. Foi um exercício doloroso e chocante para o mundo naquele momento, mas como resultado tivemos um período incrível de crescimento de 15 anos, interrompido algumas vezes, é verdade, seja pela crise russa ou pela bolha da internet, mas em geral foi um ótimo período. Compare com a história do Japão, que teve problemas parecidos, mas lidou de outra maneira, não tomando as dores de uma só vez. O resultado foram 15 anos de recessão, muito dolorosos. Os EUA tendem a se autocorrigir rapidamente. O terceiro aspecto é que não devemos nos esquecer onde estávamos em julho, com um banho de liquidez, no maior período de criação de riqueza global que a humanidade já viu. Claro que eu não estava presente na época do Império Romano, mas presumo que não foi como agora. Há ainda uma questão de fundamentos.

Qual seria?

Nos últimos dez a quinze anos, os Estados Unidos foram o único grande motor da economia mundial. Hoje, há outros motores em várias partes do mundo. Mesmo nos EUA, apenas uma pequena parte da economia está envolvida na crise do subprime. Em termos mundiais, o peso é ainda menor. Os motores para a economia mundial estão na Ásia, sendo a China o exemplo mais óbvio, Brasil, Rússia ou Oriente Médio. A Europa está dando sinais positivos. Até pouco tempo atrás, o Japão também estava indo bem, mas voltou a esfriar. O dólar está ficando tão barato que está tornando os ativos nos Estados Unidos muito atraentes. Houve uma correção de mercado e há liquidez suficiente para ver oportunidades onde hoje se vêem desafios. Veja a compra de parte do Citi pelo fundo de Abu Dabi.

Poderemos ter novas surpresas com grandes perdas de bancos?

Penso que alguns desses problemas vão aparecer em diferentes áreas. Não é que as pessoas estejam escondendo alguma coisa. É que leva um tempo para esses problemas aparecerem nas contabilidades. Espero que os maiores bancos já tenham apresentado a maior parte de seus problemas. A questão é: se a crise piorar, as perdas aumentam. Estamos todos no negócio de risco e temos estoques de investimentos. Se você congela a situação do jeito que está, teremos passado por essa crise. Mas se o mercado deteriorar ainda mais, haverá maior pressão sobre os bancos. Nos sentimos muito bem sobre a nossa situação. Contabilizamos nossas perdas de US$ 3 bilhões em setembro. É muito dinheiro, mas já não soa tanto...

O fato de o presidente do Deutsche ter sido convidado para comandar o Citi mostra a dimensão da crise?

Gostamos de pensar que mostra a dimensão da oportunidade para o Deutsche. Nosso CEO tem feito ótimo trabalho e tem um emprego muito bom.

Quem é:
Seth Waugh


É graduado em Economia e Inglês

Antes de entrar para o Deutsche, em abril de 2000, foi presidente do fundo hedge Quantitative Financial Strategies

Apaixonado por golfe, é amigo do jogador Tiger Woods. Em agosto, os dois tocaram o sino na Bolsa de Nova York, na abertura do campeonato de golfe bancado pelo Deutsche

Fonte: O Estado de S.Paulo - 07 JAN 08

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