Em entrevista exclusiva à reportagem de PortoGente, o diretor-presidente da CDRJ contou detalhadamente os fatores determinantes para que ele enfrentasse a situação. Mello tomou a iniciativa de falar sobre o assunto, antes mesmo que as perguntas fossem realizadas, devido à dimensão que a polêmica tomou. Dentre as ações para contornar o problema, a nova diretoria resolveu adotar o Plano de Cargos e Salários aplicado no Porto de Santos. A seguir, você confere ainda como Mello avalia a criação da Secretaria Especial de Portos e como sua experiência profissional na direção da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN) pode ajudar a dar uma visão de negócio aos portos do Rio.
PortoGente - Como o senhor avalia a sua chegada para comandar a CDRJ?
Jorge Luiz de Mello – A nossa vinda para a companhia docas faz parte de um contexto mais amplo, que é a visão que o governo federal teve de valorizar a atividade portuária, dentro de um ambiente em que o crescimento do Brasil passa por um aumento do comércio exterior. Nesse ponto, a atividade portuária tem um papel vital. A idéia da criação do Ministério (SEP), não foi criar uma estrutura para acomodar A ou B, ele realmente dá uma tônica de melhora na relação do porto, o porto é um elo da cadeia de relação comercial.
PortoGente – O senhor considera que o setor não era devidamente valorizado antes da criação da Secretaria de Portos
Mello – Sim, e o porto precisa se preparar para esse desafio que estamos antevendo, que é o crescimento da entrada e da saída de mercadorias no País. Falando mais especificamente da companhia docas aqui do Rio, da nova direção que entrou, ela é composta por técnicos. No meu caso, em particular, vim da iniciativa privada, nunca tive nenhum tipo de experiência em administração pública. Eu atuava em logística, era diretor de uma ferrovia (Companhia Ferroviária do Nordeste). Não vim para cá por indicação política, não tenho ligação política com ninguém. Desenvolvi, quando era diretor da ferrovia, um trabalho em conjunto com o ministro quando ele era do Ministério da Integração e acho que essa relação foi boa a ponto de ele confiar essa missão para mim.
PortoGente – E como o senhor encontrou a Companhia quando chegou?
Mello - Chegando aqui encontramos a empresa com vários desafios pela frente para enfrentar.
PortoGente - E quais são esses desafios? Quais os senhor aponta como os principais desafios de sua gestão?
Mello – Olha, nós temos aqui grandes desafios, um deles é melhorar o elo do modal marítimo com o modal terrestre. Dentro disso, nós temos um plano grande de dragagem tanto do Porto do Rio como do Porto de Itaguaí. Dragagens de melhoria, de profundidade. Já para Niterói e Angra dos Reis, estão previstas dragagem de manutenção, não há nenhuma previsão para aprofundamento (do canal) desses dois portos.
PortoGente – Nos casos do Rio e de Itaguaí, qual é a profundidade hoje e para quantos metros vocês pretendem dragar?
Mello – A profundidade não é única ao longo do canal. No Rio, na nossa área do Cajú, hoje está em torno de 13 metros e vai passar para 15. Já em outras áreas, hoje é 10 metros e vai passar para 13. Aqui é como Santos, é muito extenso. Tem locais com profundidade diferentes de outros. Nós vamos, também, alargar o canal de entrada, aumentar a bacia de evolução. É uma série de várias intervenções de dragagem no Porto do Rio. Em Itaguaí, nós faremos várias intervenções. Itaguaí é um porto muito importante, mas precisa sofrer algumas mudanças nessa área de navegação, em sua entrada principalmente. O canal de entrada é muito longo, é de 23 milhas náuticas, muito longo. Hoje, ele só permite a utilização de um navio de cada vez, não permite o cruzamento de navios. Isso prejudica a produtividade do porto. Nós temos investimentos para fazer o alargamento do canal, investimentos para criar áreas de fundeio, pois como ele é muito longo nós vamos estabelecer algumas áreas para fazer pit stop. Dependendo do navio, leva seis horas para fazer a evolução no canal. É muito tempo, levando em conta que lá temos terminal de contêiner, seis horas é uma eternidade. Para a realidade atual, isso é impraticável.
PortoGente – Esses investimentos virão do PAC?
Mello – Todos os investimentos de aumento de profundidade virão do PAC. No Porto de Itaguaí, nós temos assegurados R$ 83 milhões para uma etapa de tudo isso sobre o que estamos falando. Para o Porto do Rio, nós temos R$ 150 milhões, todos já previstos no PAC.
PortoGente – Com uma carreira, como o senhor falou, construída na gestão privada, o que é possível aproveitar dessa experiência para aplicar na administração pública?
Mello – O principal, antes de tudo, é dar uma visão de negócio. As companhias docas e a maioria das empresas públicas não têm uma visão de que precisam se auto sustentar. Em geral, porque é uma empresa do governo, em determinadas situações o governo acaba socorrendo. A gente está querendo mudar isso. O governo tem que ajudar na parte dos investimentos. A nação precisa que o porto seja mais produtivo e para isso precisa ser feito investimento para aprofundar um canal, fazer a dragagem num cais ou eventualmente fazer um investimento para permitir que o cais tenha uma produtividade maior... aí tá certo o governo em entrar para apoiar. Mas o ativo depois de pronto, o porto como porto, tem que ser capaz de andar com suas próprias pernas. Nós precisamos ter uma gestão que permita ao porto funcionar com recolhimento das tarifas que ele cobra. O porto cobra tarifa dos arrendatários, dos operadores portuários e tudo isso precisa sofrer uma análise. De um lado você tem toda a questão dos contratos que precisa ser revista, do outro a gestão de gastos que não é clara. Pelo menos aqui não é clara. A gestão aqui é feita através de atestado de óbito: depois que você gasta, descobre qual foi a performance de despesa. Aqui você encontra problemas de toda ordem. E aí eu queria, antes que você me perguntasse, falar qual é a posição da empresa em relação à situação das horas extras.
PortoGente – Essa é a questão principal que queremos debater com o senhor, pois repercutiu nas páginas de PortoGente e em todo o Brasil, muitos trabalhadores fazendo comentários a respeito...
Mello – O quadro de funcionários da companhia docas reclama que há muito tempo os salários estão achatados. Eu ainda não tive condição de fazer um juízo de valor disso, se realmente está achatado, se está fora do valor de mercado. O fato é que, ao longo do tempo, houve um relaxamento da administração na questão da hora extra como discurso de compensação do salário. Esse conflito tem origem salarial.
PortoGente – Como o senhor vê a hora extra como incorporação do salário? Se o salário está achatado tem que se pensar no aumento do rendimento ao invés do uso da hora extra?
Mello – Isso parece ser uma coisa óbvia, mas não foi isso que foi feito. A hora extra que era feita e paga, eventualmente não era nem necessária. Não trazia nenhum retorno para empresa e para a sociedade. A gente não pode esquecer que a companhia docas é uma empresa de economia mista, mas uma empresa pública. Todo o capital aqui vem do governo, seja federal ou estadual. O retorno não pode ser para uma parcela da população. Não é para os arrendatários, não é para os clientes e também não é para os funcionários. É para sociedade como um todo. A empresa tem que funcionar bem de forma que a sociedade receba o retorno.
PortoGente – E isso estava acontecendo?
Mello – As horas extras foram ganhando uma dimensão tal que extrapolou o ambiente legal. Para proteger a saúde do trabalhador, existem regras que limitam a prática de hora extra. Essas regras estavam sendo descumpridas há muito tempo aqui na docas. Todos os funcionários da empresa são regidos pela CLT. Você tem um limite mensal de 44 horas mensais e em algumas atividades portuárias especiais – categorias que atuam no cais – é possível fazer 66 horas mensais. E esse número não é à toa, chegou-se à conclusão que uma médias de duas horas extras por dia ainda dá para conciliar, a partir daí atrapalha d alguma forma. Ou você não vai ter lazer, ou você não vai ter descanso ou condição de estudar. Esse limite legal estava sendo ultrapassado. O que fizemos aqui foi simplesmente limitar, tomando como base o limite legal. Não acabamos com as horas extras, elas continuam sendo feitas.
PortoGente – E no caso específico da Guarda Portuária?
Mello – Até, se eu não me engano, 2003, o contingente da Guarda Portuária aqui no Rio era muito pequeno. Tínhamos em torno de 80 guardas. Então, para eles fazerem o serviço de proteção para toda área do porto organizado, eles tinham um regime de escala que empurrava eles para essa condição fora do limite legal, faziam uma hora extra violenta. Em função disso, e com a necessidade da implantação do ISPS Code, estipulou-se o efetivo de guardas que era preciso ter e houve um concurso público, onde foram admitidos cerca de 270 guardas. Como existia esse hábito dos guardas fazerem hora extra excessiva, a situação, na época, não foi enfrentada. Isso tinha que ter sido enfrentado. Os guardas passaram a trabalhar em duas escalas diferentes. Os antigos trabalhavam fazendo hora extra à beça e os novos em outro regime, de acordo com o regime normal de trabalho.
PortoGente – Essa acomodação foi feita por eles e aceita pela Companhia?
Mello – Não foi entre eles (guardas) não, foi a Companhia que permitiu. O guarda cumpre uma escala determinada para ele. Na época em que isso devia ter sido reduzido, não foi. Aqui, como uma empresa pública, somos fiscalizados por órgãos federais, como a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União... O administrador responde pelo resto da vida pelas ações que ele toma. Então, estou aqui, vim da iniciativa privada e não sou mais uma criança. Tenho 50 anos, vou passar um tempo aqui, que não sei quanto vai ser. E em toda a minha vida tive o nome limpo. Mas, depois que eu sair vem aí a Controladora, o Tribunal, bloqueiam todos os meus bens porque se pagava hora extra acima do permitido. Essa medida foi concebida nesse ambiente. E ninguém fala isso, só falam que a hora extra foi cortada. Esse negócio não é feito na base da maldade, isso é feito num ambiente de legalidade. Quando a pessoa tem prática de fazer hora extra continuamente, já existe uma forma de você minimizar essa habitualidade. Uma forma de indenizar. Essas indenizações são definidas por enunciado do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Nós utilizamos isso aí, toda a habitualidade foi indenizada. Nós tivemos guardas aqui que receberam mais de cem mil reais de indenização. É uma indenização altíssima e eles continuam podendo fazer hora extra até o limite deles.
Como eu te disse, a origem dessa questão é salarial. Assim, nós olhamos o que poderia ser feito para fazer um ajuste salarial. Antes da nossa entrada, a companhia docas fez um Plano de Cargos e Salários. Esse Plano foi submetido ao Dest, departamento do Ministério do Planejamento que autoriza qualquer movimentação de despesa com pessoal (em empresas) da União. O Plano não foi aprovado e não será. Analisando, nós vimos que esse mesmo Departamento tinha aprovado o Plano do Porto de Santos. Ele (o Plano) não é uma maravilha, não é o que queremos ter na empresa, mas era melhor do que a situação em que nos encontrávamos. Então, em um ato de coragem, nossa administração assumiu a decisão de fazer a implantação do Plano de Cargos e Salários de Santos aqui a partir de 1º de novembro.
PortoGente – Então o Plano que foi adotado é similar ao de Santos?
Mello – Não é similar, é “o” de Santos. Não pode ser apenas similar. É claro que tem determinadas funções, carreiras que têm no quadro da Codesp e que não têm aqui, então não vai constar. Mas a regra é a mesma. A mesma faixa salarial, a mesma forma de migração, o mesmo período para fazer o ajuste posterior. É o mesmo Plano de Santos, pois ele tinha sido aprovado pelo Dest. Era a única arma que eu tinha para tomar uma ação com relação aos trabalhadores. Tudo que podia ser feito, nós fizemos. O que a gente não podia fazer era conviver com uma ilegalidade. Eu não tenho nada a ver com os administradores que passaram aqui no passado, se tiveram medo de fazer isso, se eles não quiseram enfrentar essa situação, se eles tinham alguma vinculação política que impedia que isso fosse feito... eu não sei. O fato é que, falando pela diretoria como um todo, nós viemos para cá para fazer nosso papel. Essa era uma situação grave que precisava ser corrigida.
PortoGente – O senhor acredita que com a implantação do Plano as reclamações irão cessar?
Mello – No momento, elas já diminuíram, mas no início foi muito complicado, até convoquei todos os funcionários para conversar. Agora, a metodologia da migração do Plano de Santos para cá, num primeiro momento, não proporcionará um grande ganho. Você sempre entra na faixa mais próxima da sua posição atual. Só que a partir do momento em que você se enquadra no Plano, começa a contar um “reloginho” que permite que daqui a algum tempo a gente faça um ajuste salarial. Obviamente, nós vamos ter que estabelecer regras, porque não podemos, de uma hora para outra, aumentar nossa folha em 40%, 50%. Então, nós vamos trabalhar no sentido de adequar os salários de modo compatível com a realidade de mercado, de acordo com a experiência que cada um tem e com a contribuição de cada um para a empresa. Não vai ser levado em conta só o tempo de casa, porque aqui não é Exército para antiguidade ser posto. Aqui a competência tem que prevalecer.
Fonte: PortoGente - 21 NOV 07