Os albergues da Capital, que atendem moradores de rua, se tornaram um terreno fértil para o crime organizado. Integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) estão começando a aliciar albergados para práticas criminosas. A facção, que atua nos presídios, tem usado ex-presidiários nessa missão. Isso porque egressos do sistema prisional, que não têm para onde ir, estão vivendo nesses locais que não são próprios para atendê-los.
Alguns dos ex-presos hospedados acabam se tornando o elo entre os criminosos e os moradores de rua. De acordo com os profissionais que atendem na rede, a combinação é perfeita para os bandidos: ex-presidiários que não conseguem se reinserir na sociedade e voltam para o crime e moradores de rua fragilizados.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) confirmou indícios da articulação criminosa nas entidades sociais e está trabalhando em medidas para resolver o problema. Uma delas é a licitação - em andamento - de um sistema de identificação digital para todos os alojados dos 36 albergues e abrigos que oferecem 10 mil vagas. A população de rua estimada é de 13 mil pessoas.
A principal área de atuação da facção tem sido nos albergues da região da Baixada do Glicério, no Centro da Capital, segundo os próprios egressos e moradores de rua. No mês passado, dois homens que se diziam do PCC ameaçaram funcionários da entidade São Francisco, que atende 300 pessoas para dormir e 100 para almoçar.
O gerente desse albergue, Francisco Xavier de Carvalho Neto, registrou um boletim de ocorrência no dia 11 de setembro. ’’Nós já havíamos chamado as polícias Civil e Militar e a GCM (Guarda Civil Metropolitana) em outras situações que o clima ficou tenso para que fizessem o patrulhamento. Mas decidi registrar a ocorrência para informar o Poder Público e ter o respaldo de um documento.’’
Carvalho Neto não sabe se os homens que fizeram as ameaças eram ou não do PCC ou apenas se passavam por militantes para intimidar as pessoas. ’’Estamos muito preocupados, tanto pelos funcionários como pelos moradores de rua que, por causa da vulnerabilidade social que se encontram, são alvos fáceis de serem aliciados.’’
A confusão na porta do abrigo São Francisco, segundo um egresso que estava por lá, foi ’’virar o albergue’’, ou seja, a mesma expressão usada no sistema penitenciário, ’’virar a cadeia’’, que significa uma rebelião.
A Baixada do Glicério é um dos principais redutos do PCC. O líder da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, passou parte da infância nesse bairro assim como o fundador do comando, César Augusto Roriz da Silva, o Cezinha.
’’Sou batizado no PCC e soldado da facção, mas quero sair fora. Só que estou jurado de morte porque não fiz minha parte aqui fora, inclusive nos atentados do ano passado’’, revela um dos abrigados no local e ex-presidiário.
Perseguido, fugiu da cidade onde morava e trabalhava e veio para a Capital. ’’Não tinha para onde ir, então passei a viver nos albergues’’, contou esse homem de 30 anos, que cumpriu 12 anos de pena em redutos do PCC e que perdeu a conta de quantos roubos e mortes praticou e que nunca foram descobertos pela polícia.
Só que ele mesmo admite que os albergues se tornaram perigosos. ’’Agora já está arriscado porque os irmãos (membros do PCC) estão contando com ajuda dos ex-presidiários que estão nos albergues. Quem veio do sistema é presa fácil porque está perdido na vida.’’ Outra coisa que preocupa as entidades assistenciais é a ausência de segurança.
’’Se souberem que estou em um deles é só pular o muro e acabar comigo porque não tem segurança. A minha cabeça está valendo 11 quilos de cocaína.’’ O quilo da droga está em torno de R$ 6 mil. Segundo o ex-soldado da facção, todo tatuado, esses egressos que estão nos albergues são os chamados primos leais ou companheiros. ’’Não são soldados da facção e muito menos gente de poder, mas como vieram do sistema sabem como as coisas funcionam.’’
Em julho, em um outro albergue, um hóspedes ex-presidiário foi pego em flagrante arrombando um carro. Um policial à paisana tentou invadir o local para prendê-lo. De acordo com a direção do albergue, uma educadora achando que o policial era um bandido armado tentou impedir a entrada dele. O hóspede fugiu e a moça está respondendo por facilitação de fuga.
Fonte: Jornal da Tarde - 24 OUT 07