Segunda, 03 Fevereiro 2025
Tomo a liberdade de reproduzir o título de reportagem do Le Monde Diplomatique sobre a situação do trabalho na França, mas que pode ser de qualquer país. É uma reportagem extensa, que vale a pena ser lida na íntegra. Ela analisa o aumento de doenças e suicídios entre trabalhadores, dos mais diferentes níveis e funções, nas indústrias instaladas no território francês. Diz a reportagem: “O suicídio de alguns executivos da Renault, na França, chama atenção para um fenômeno oculto: milhares de mortes podem ser provocadas, a cada ano, por cânceres e neuroses claramente associadas aos ambientes a que são submetidos os assalariados”.

 

A reportagem apresenta o impressionante número de 11 mil mortes por suicídio, entre homens ativos, no ano de 2000, naquele país. Os sociólogos Christian Baudelot e Roger Establet afirmam que ‘‘em toda parte e como sempre, são contradições graves entre as exigências da vida social e o destino individual”.

 

A matéria do Le Monde Diplomatique observa que não existem estudos ou estatísticas que esclareçam qual é o número de suicídios relacionados diretamente à atividade profissional, “o suicídio no trabalho, como qualquer ato de violência contra a própria pessoa é um enigma difícil de decifrar. Em primeiro lugar, não se trata de fenômeno inédito. Só no ano de 1995, a seção da CGT (Confederação Geral do Trabalho) da central nuclear de Chinon apresentou, sem atrair a atenção da mídia, oito casos de suicídio entre empregados de empresas terceirizadas que trabalhavam na manutenção da central”.

 

Interessante a explicação de como se dá a recrutamento do trabalho terceirizado na atividade nuclear. Na organização do trabalho sob radiação não se tem a preocupação de reduzir o tempo de exposição à radiação, mas de promover uma alta rotatividade na área. Ou seja, troca-se de trabalhador. Usou, joga fora. “É o que se chama ’’gestão do emprego pela dosagem’’”, esclarece a reportagem “O trabalho mata em silêncio”.

 

E o que acontece com esses trabalhadores “trocados”? “Tal prática, discriminatória, faz os trabalhadores temporários perderem o emprego ao atingirem a dose-limite, vendo-se proibidos de entrar na central, excluídos de seus locais de trabalho”.

 

E esclarece mais: “A contradição entre emprego e saúde é insuperável para os temporários do setor nuclear encarregados de assumi-la sozinhos. A indústria protege sua imagem e pode ostentar o respeito formal dos valores-limite de exposição. É preciso salientar que os cerca de 25 a 35 mil trabalhadores terceirizados que trabalham em ‘‘zona controlada’’ (isto é, que envolve risco de radiação) para a manutenção das instalações nucleares (ou seja, 50% do pessoal supervisionado) recebem 80% da dose coletiva de radiação da indústria nuclear francesa. No entanto, são invisíveis nos meios de comunicação”.

 

A reportagem é esclarecedora porque nos mostra iguais nos problemas relacionados ao Mundo do Trabalho. Iguais pelo pior. Lá como aqui, no Brasil, as doenças do trabalho, as mortes do trabalho, as neuroses do trabalho, são invisíveis. Não comovem o grande público, o que falar dos órgãos governamentais.

 

É impressionante como na estrutura capitalista, das mais avançadas até as mais atrasadas (aqui colocamos o Brasil), o trabalhador sempre é visto (e quando visto) como um adendo. Algo que pode estar aqui neste momento, mas pode não existir daqui a segundos. Para depois voltar a existir com outro nome, número. E nada disso atrapalha, reduz ou coloca em perigo a produção. Esta não pára.

 

Tudo isso nos mostra a importância e a centralidade do trabalho neste mundo que alguns já disseram pós-moderno, atacado pelas políticas neoliberais, que alguns preconizaram o fim da história, etc e tal. Tudo isso nos mostra o quanto é importante o trabalhador estar e ser bem organizado. O cabo de guerra entre capital e trabalho não se arrefece em nenhum momento. E como vai mesmo o movimento sindical?

 

Não poderia perder a oportunidade de reproduzir a letra da música “O fim da história”, de Gilberto Gil, até para se contrapor ao precursor dessa história de fim, Francis Fukuyama:

 

Não creio que o tempo
Venha comprovar
Nem negar que a História
Possa se acabar
Basta ver que um povo
Derruba um czar
Derruba de novo
Quem pôs no lugar
É como se o livro dos tempos pudesse
Ser lido trás pra frente, frente pra trás
Vem a História, escreve um capítulo
Cujo título pode ser Nunca Mais
Vem o tempo e elege outra história, que escreve
Outra parte, que se chama Nunca É Demais
Nunca Mais, Nunca É Demais, Nunca Mais
Nunca É Demais, e assim por diante, tanto faz
Indiferente se o livro é lido
De trás pra frente ou lido de frente pra trás
Quantos muros ergam
Como o de Berlim
Por mais que perdurem
Sempre terão fim
E assim por diante
Nunca vai parar
Seja neste mundo
Ou em qualquer lugar
Por isso é que um cangaceiro
Será sempre anjo e capeta, bandido e herói
Deu-se notícia do fim do cangaço
E a notícia foi o estardalhaço que foi
Passaram-se os anos, eis que um plebiscito
Ressuscita o mito que não se destrói
Oi, Lampião sim, Lampião não, Lampião talvez
Lampião faz bem, Lampião dói
Sempre o pirão de farinha da História
E a farinha e o moinho do tempo que mói
Tantos cangaceiros
Como Lampião
Por mais que se matem
Sempre voltarão
E assim por diante
Nunca vai parar
Inferno de Dante
Céu de Jeová

 

Fonte: PortoGente - 14 AGO 07

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