O problema do acúmulo de água na pista do Aeroporto de Congonhas causou um susto aos passageiros do vôo JJ 3949 da TAM, que fazia a ponte aérea Rio-São Paulo anteontem à noite. Tudo transcorria normalmente, até o momento em que o avião estava prestes a pousar em Congonhas, às 19h10. “De repente, a uns 20 metros de altitude, o piloto arremeteu. Já era possível ver a pista”, disse um dos passageiros, o advogado Jorge Henrique Guedes, de 53 anos. Segundo ele, a aeronave só pousou às 19h38 e, somente 15 minutos depois da manobra inesperada, o piloto informou no sistema de som do avião que havia desistido de pousar por conta do excesso de água na pista. “Ele também avisou que outro avião estava na pista, esperando autorização para decolar.” A decisão de arremeter por questões de segurança cabe ao comandante do avião.
O advogado disse que houve inquietação entre os passageiros, mas sem pânico. Ele contou que ainda conseguiu ver, no primeiro procedimento de pouso, o avião da empresa aérea Pantanal que havia derrapado na pista horas antes. Apesar da seqüência de acidentes e do susto por que passou, Guedes disse que não vai deixar de andar de avião. “Fica sempre um receio, mas a necessidade do trabalho fala mais alto.”
Guedes disse que o presidente do São Paulo, Juvenal Juvêncio, estava entre os passageiros do vôo, que havia saído do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, por volta das 18h30. O dirigente foi procurado pelo Estado, mas não retornou as ligações ontem à noite. Por meio de sua Assessoria de Imprensa, a TAM limitou-se a dizer que não houve registros de arremetida em seus vôos na segunda-feira.
GROOVING
O acidente com o Airbus A-320 da TAM foi causado pela falta de ranhuras transversais na pista principal do Aeroporto de Congonhas, reaberta em 29 de junho. A afirmação é do agente de segurança de vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Carlos Camacho. As ranhuras - chamadas de grooving e necessárias para o escoamento de água - só podem ser feitas no concreto da pista um mês depois de ela ficar pronta. Isso porque é necessário que o concreto se consolide para as máquinas executarem o serviço. Sem isso, a água pode empoçar e causar aquaplanagem.
“Era de se esperar que isso ocorresse”, disse Camacho. “A solução agora é enterrar os mortos.” O sindicalista também culpou a “ganância das empresas e a incompetência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)” pelo acidente. “Sempre defendemos que o aeroporto deveria fechar enquanto a reforma não fosse concluída, mas ninguém quer abrir mão dos lucros.”
Camacho afirmou, ainda, que a pista deveria ter concreto poroso na lateral para que, em caso de derrapagem, o avião fosse detido pelo concreto, que afundaria, reduzindo as conseqüências do acidente. Mas isso, disse ele, nem sequer foi analisado pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero). “As pessoas morreram gratuitamente.”
O diretor de Segurança de Vôos do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, Ronaldo Jenkins, disse que não é possível culpar a pista pelo acidente. “Não dá para dizer que isso (o acidente) seja algo previsível. Vamos esperar as investigações para tirar alguma conclusão.” Ele ressaltou, porém, que a TAM tem a obrigação de prestar toda a assistência aos familiares das vítimas. O Estado apurou que a empreiteira OAS, uma das responsáveis pela obra, só se manifestaria após a divulgação da filmagem do pouso, pela Infraero.
O presidente da Federação dos Trabalhadores da Aviação Civil, Celso Klaf, também diz que é cedo para culpar a pista de Congonhas. “O avião pode ter tido problemas com freio”, disse. “Já houve centenas de pousos sem problemas desde que a pista foi reaberta.”
“Quantas centenas de pessoas têm de morrer para que o governo tome providências e acabe com os problemas da aviação?”, questionou o consultor de transporte aéreo Paulo Roberto Sampaio. “A pista estava uma indecência para a operação em pista molhada.”
Segundo o consultor, a Infraero não poderia liberar a pista sem fazer o grooving. “O presidente (José Carlos Pereira) liberou (a pista) dia 29 porque no dia 1º de julho começava a temporada de férias, quando o movimento é maior.”
PILOTOS
Pilotos ouvidos ontem pelo Estado criticaram a falta do grooving. “O avião ‘vazou’ a pista por falta de aderência do concreto com a roda da aeronave”, disse um piloto acostumado a operar em Congonhas.
Outro piloto disse que a aeronave deslizou justamente pela ausência das ranhuras de escoamento d’água. “Sem a borracha dos pneus na pista, não há aderência. É como se um carro de corrida fizesse a curva fora do traçado dos outros carros. Provavelmente vai escapar.”
Uma hipótese com peso menor, mas que não deve ser desprezada, é levantada por outros dois pilotos. Para eles, o avião pode ter perdido o sistema hidráulico, o que o fez ficar sem os freios. “Sem o sistema hidráulico, perde-se o sistema Antiski, que é igual ao freio ABS de um carro de passeio”, explicou um comandante. “Há 99% de chances de que, no pouso, o piloto tenha tocado o avião na divisória do primeiro com o segundo terço da pista, que está sem borracha, sem grooving e molhada. Com isso, não teria havido tempo para parar ou mesmo para arremeter”, afirmou outro piloto.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 18 JUL 07