Técnico com larga experiência no setor portuário nacional, tendo ocupado a presidência da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e de Imbituba/SC (CDI), Fernando Vianna segue na ativa com diversas propostas para o desenvolvimento do País. Em entrevista ao PortoGente, ele aponta o desenho de infra-estrutura de transportes como o maior dos gargalos logísticos em território nacional. Para Vianna, é inconcebível que os portos estejam à mercê de decisões adotadas por representantes que jamais estudaram a “Teoria dos Portos”.
Atualmente ocupando os cargos de diretor-técnico do Instituto Nacional de Desenvolvimento Portuário (Indep) e de engenheiro do Ministério dos Transportes, ele argumenta que o Brasil é uma nação privilegiada de recursos que permitem novas oportunidades para quem tem talento, sensibilidade e disposição para o trabalho. “Pobre é um país sem recursos”.
Casado, pai de três filhos e tendo leitura, praia, carros antigos e pescaria como atividades de lazer, Vianna acredita que a eliminação dos acidentes de trabalho está na responsabilidade social. “Responsabilidade social nos portos é buscar o êxito integrando vitalidade dos negócios e a qualidade de vida do trabalhador, pois o trabalho nos portos é instável, penoso e estigmatiza os seus trabalhadores, marcando-os como pessoas rudes e perigosas e atingindo sua auto-estima”.
PortoGente - Quais são hoje, em sua visão, os principais gargalos logísticos do País?
Fernando Vianna – Muitos. O atual desenho de infra-estrutura de transportes é o maior deles, mas existem muitos outros. Podemos até dizer que no Brasil não se faz logística na sua plenitude. Hoje, finalmente surge um órgão (Secretaria Especial de Portos) voltado para o desenvolvimento e para as operações dos portos, que tem como desafio a implantação de uma estrutura moderna e avançada que atenda aos segmentos e seus interesses e invista na tão esperada mudança de cultura que o governo positivamente propõe. A burocratização atinge frontalmente as relações com o comércio exterior.
PortoGente - O Brasil ainda não consegue integrar os modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. O que deve ser adotado para melhorar o complexo de transportes em território nacional?
Vianna - Dar maior liberdade ao empresário de transporte para que sejam, por ele, adotadas as alternativas mais viáveis e de menor custo. Aí, necessariamente, a iniciativa privada buscará a multimodalidade e a logística na sua plenitude. O Brasil é generosamente provido pela natureza de forma que permite a garantia de retorno de investimento no que tange aos transportes. Concentrar incentivos como opção de fluxo apenas no rodoviário parece ser coisa do passado. Para um país como o nosso, com um parque produtivo tão extenso e diversificado, o ideal é a multimodalidade como estratégia. Assim, haverá trabalho, negócios e desenvolvimento para todos.
PortoGente - Como o senhor analisa a questão da segurança do trabalho nos portos brasileiros. Em Santos, ocorreram oito mortes nos últimos oito meses, além de um sem número de operários machucados e mutilados. O que precisa ser corrigido?
Vianna - A questão da segurança do trabalho nos portos precisa ser revista urgentemente. Responsabilidade social nos portos é buscar o êxito integrando vitalidade dos negócios e a qualidade de vida do trabalhador, pois o trabalho nos portos é instável, penoso e estigmatiza os seus trabalhadores, marcando-os como pessoas rudes e perigosas e atingindo sua auto estima. Paralelamente, a cultura portuária, ao longo dos tempos, nunca prestigiou as questões de segurança e saúde ocupacionais, priorizando, a qualquer custo, os ganhos na prestação dos serviços. Apesar dos avanços tecnológicos nos processos operacionais e no novo regime jurídico de exploração dos portos e instalações portuárias, persistem as precárias condições e pesadas sobrecargas laborais. Quando surgem as ofertas de trabalho, ocorre o descaso pelos riscos das atividades, agravados pela ainda incipiente política de treinamento e habilitação profissional dos trabalhado res. Esse cenário favorece a ocorrência de acidentes graves e fatais e de doenças do trabalho.
PortoGente - Como o senhor vê a exploração da cabotagem nas águas brasileiras?
Vianna - No caso de granéis, eu acredito que vai muito bem. No aspecto de carga geral e contêineres, estão sendo envidados esforços por algumas companhias e já existe um crescimento acentuado no trânsito norte-sul e vice versa. No caso da cabotagem também devemos iniciar um processo de liberar o empresário para que busque o seu caminho, sem burocracia, permitindo até aquisições e afretamentos de navios usados no exterior para fortalecer o modal e, posteriormente, construir navios nacionais.
PortoGente - Qual a sua avaliação da criação e da atuação da Secretaria Especial de Portos? Pedro Brito é uma autoridade capaz de colocar os portos brasileiros nos eixos?
Vianna - O ministro Pedro Brito demonstrou um conhecimento acentuado dos problemas portuários nacionais e apresentou uma equipe de técnicos de elevadíssimo preparo teórico e prático dos assuntos portuários, o que irá, certamente, garantir uma excelente gestão. Com o histórico dos portos nas últimas décadas é natural a expectativa e até ansiedade que gera em todos que de alguma forma dependem da nova Instância Governamental. O ministro tem demonstrado o seu interesse e compromisso em deixar um marco positivo inconfundível de sua gestão, pois recebeu do Presidente da República a determinação de realizar mudanças que correspondam com as necessidades e dinamismo que o plano de desenvolvimento brasileiro exige. Os portos são referenciais que, independentemente da qualidade de gestão, participam de infra-estrutura de governo. Acredito que não faltará no governo nenhum esforço para o alcance das metas anunciadas. É o ideal desejado, há muito, por empresários e trabalhadores.
PortoGente – O que o senhor aponta como avanços na atual política governamental?
Vianna – Antes, nenhum órgão tinha, como atribuição, o desenvolvimento das operações portuárias, apenas criavam regras e fiscalizavam ataboalhadamente. Isso leva a uma burocracia sem precedentes, que possibilita falhas de omissão e a dificuldade de acompanhamento de trâmite processual, seja qual for o objeto, com o risco de suspensão de contratos, multas, falta de terminais e plataformas logísticas, além de um excessivo número de documentos para que se possa transitar e armazenar cargas nos portos e no interior do País, mesmo com a existência da informática e alta tecnologia.
PortoGente - Falta qualificação e conhecimento técnico para os mais diversos atores do panorama portuário, incluindo trabalhadores, governos e empresários?
Vianna - Não considero, em primeira análise, que falte qualificação, afinal em se tratando de uma atividade tão específica e com sua tradição, entende-se que os trabalhadores, os empresários e o governo precisam e devem estar bem preparados para o cumprimento de suas atribuições. O que é perceptível é uma ausência muito grande da Academia em determinadas instâncias que exigem conhecimento técnico, inclusive na composição dos Conselhos de Autoridade Portuária. Creio que falta um bloco da Academia como existem em portos de outros países. Falta quem encare de frente a importância da responsabilidade técnica que envolve a teoria portuária, desde a engenharia até a administração. Não é possível um porto ficar a mercê de decisões adotadas por representantes especializados nos mais diversos assuntos, bons profissionais, mas que nunca tenham estudado a “Teoria de Portos”.
PortoGente - Conte sobre a atuação do Instituto Nacional de Desenvolvimento Portuário (Indep) e sobre seu papel no cenário portuário nacional.
Vianna - O Indep é uma entidade recém criada por pessoas que se interessam pela atividade portuária. É um espaço sem fronteiras onde os diferentes interesses que habitam os portos se encontram para o debate pró-ativo. O Instituto pretende atuar de forma exclusivamente técnica, independente da matéria, e discutir na área do conhecimento, do estudo e da pesquisa. Debatemos, tecnicamente, temas como as necessidades de expansão, a legislação do setor, a intermodalidade e a importância da dragagem, tratando de forma científica questões portuárias relevantes. Acredito que pobre é um país sem recursos, e o Brasil é privilegiado de recursos que permitem novas oportunidades para quem com talento, sensibilidade e disposição para o trabalho, no silencio de seus atos, entende como obrigação, proteger a informação de interesse público
PortoGente - Quais são seus hobbies e preferências fora da área profissional?
Vianna - Muitos, desde leitura, praia, bate papo com amigos e carros antigos, até mesmo uma boa pescaria ou uma viagem.
PortoGente - O senhor é casado, tem filhos? Como concilia tarefas profissionais e a família?
Vianna – Sou casado, pai de três filhos maravilhosos: uma advogada, um engenheiro e um estudante de direito. Eu acho que agora são eles que devem conciliar as suas tarefas profissionais comigo. São muito mais ocupados, afinal estão começando a vida.
Currículo
Fernando Vianna é formado na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fez cursos de especialização em grandes centros portuários como Antuérpia (Bélgica) e Roterdã (Holanda). Foi chefe do departamento de Vias Navegáveis da extinta Portobrás e diretor adjunto do Departamento Nacional de Transportes Aquaviários do Ministério da Infra-Estrutura. Entre 1992 e 1995 foi diretor da Companhia Docas de Imbituba (CDI). Quatro anos depois, compôs a diretoria da Codesp. Entre 99 e 2003, ocupou a diretoria comercial e de desenvolvimento e, posteriormente, a presidência da Companhia que administra o principal porto do Brasil.
Fonte: PortoGente - 10 JUL 07