A trajetória descendente do dólar em relação ao real, da qual os produtores agrícolas tanto reclamam, está sendo mais do que compensada pela valorização dos preços de algumas commodities. Em julho passado, quando os preparativos para o plantio começaram, um dólar valia R$ 2,175. No mesmo período, soja e milho eram negociados na Bolsa de Chicago a US$ 6,0150 e US$ 2,4525 o bushel (cerca de 25 quilos), respectivamente. Já em Nova York, os preços do café eram de US$ 1,0130 por libra, os do algodão US$ 0,4915 por libra e o açúcar US$ 0,1662 por libra.
Passados dez meses e a colheita da safra brasileira praticamente concluída, as cotações do dólar recuaram 10,7%. Mas a retração da moeda americana não provocou impacto sobre os preços da soja e do milho. Em Chicago, os preços da oleaginosa subiram 32,6%, enquanto os do cereal valorizaram de 48,7%.
A desvalorização cambial prejudicou os negócios feitos com algodão, café, e açúcar. A queda do dólar corroeu a valorização de 2,23% nos preços do algodão e a recuperação de 9,27% nas cotações do café. No caso do açúcar, um dos produtos mais prejudicados, os preços da commodity recuaram 43,5% no período.
Diante desse cenário, economistas dizem não fazer sentido a criação de uma compensação para o dólar, como vai sugerir ao governo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). ’’Os preços subiram mais do que o câmbio caiu’’, disse Guilherme Dias, professor da Universidade de São Paulo e ex-Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. ’’Os produtores querem disfarçar no câmbio o problema do endividamento e da renda.’’
Na avaliação do professor, a compensação da queda do dólar para as commodities agrícolas pode criar um precedente perigoso para o governo, pois todos os setores exportadores terão justificativas para basear seus pedidos. ’’Sem contar que os importadores também vão querer compensar o câmbio se em algum momento o dólar voltar a subir’’, disse Dias.
Para o consultor André Pessôa, diretor da Agroconsult, a lógica do câmbio e dos preços das commodities não pode ser relacionada apenas com a safra atual. Segundo ele, o peso das dívidas das safras 2004/05 e 2005/06 sobre o fluxo de caixa dos produtores neste ano é muito maior do que as receitas. ’’Os preços subiram sim, mas não o suficiente para compensar o acumulado das dívidas existentes’’, disse Pessôa.
Estudos feitos pela Agroconsult indicam que neste ano os produtores não terão prejuízos, dada a recuperação dos preços das commodities no mercado internacional, mas as dívidas acumuladas para o ano ainda são maiores.
’’Esse ano não vamos ter prejuízos, mas essa renda será suficiente apenas para pagar o custeio da safra’’, disse Rui Prado, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Mato Grasso. ’’Temos ainda todas as parcelas das dívidas de investimento que já começaram a vencer este ano.’’ As projeções são de que os débitos dos agricultores cheguem a R$ 60 bilhões dentro de cinco anos.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 11 JUN 07