Mais de 4 mil gatos e cachorros morreram nos Estados Unidos desde o início do ano, depois de comerem ração contaminada com melamina, um composto orgânico usado em fertilizantes e plásticos, e ácido cianúrico, usado para limpar piscinas. Exportadores chineses misturavam ilegalmente essas substâncias tóxicas no glúten e na proteína de arroz que vendem para fabricantes americanos de ração, para aumentar artificialmente o valor protéico dos produtos.
As fábricas chinesas exportavam o glúten adulterado para dezenas de marcas de ração nos EUA, até para as mais sofisticadas, como Eukanuba e Royal Canin. Mais de 5 mil produtos entraram na lista de recall. E a melamina foi encontrada em ração para porcos, galinhas e peixes. Segundo a Food and Drug Administration (FDA), agência americana que regulamenta alimentos e remédios, a ingestão desses porcos e galinhas não representa perigo para humanos. Mas os peixes ainda estão sendo examinados.
“No momento, os EUA estão muito vulneráveis a alimentos importados contaminados”, diz Richard George, professor de Marketing de Alimentos da Universidade Saint Joseph, na Filadélfia.
O relatório do FDA sobre alimentos importados, obtido pelo Estado, mostra que só em março 215 carregamentos de alimentos da China foram apreendidos por irregularidades. A China é o terceiro maior exportador de alimentos para os EUA, seguido do Brasil. A maioria dos produtos chineses apreendidos eram alimentos podres, sujos ou com bichos, como arroz, maçãs, biscoitos, tempero e peixes estragados. Havia vários produtos contaminados com pesticidas, corantes tóxicos, salmonela (bactéria que causa diarréia), aflatoxinas (cancerígenas), dulcina (adoçante cancerígeno), biscoitos e ginseng falsificados.
O FDA descobriu que as empresas chinesas falsificaram registros e exportaram 700 toneladas de glúten como se fossem produtos têxteis, para evitar fiscalização nos portos americanos. Técnicos da agência foram à China na semana passada para inspecionar as empresas de onde vieram os ingredientes contaminados - mas deram com a cara na porta. As fábricas tinham sido fechadas e esvaziadas.
Com o Encontro Estratégico Econômico EUA-China, que começa hoje em Washington, cresceu a pressão para que autoridades chinesas aperfeiçoem seu sistema de vigilância sanitária. “Está cada vez mais claro que a origem dos alimentos e remédios contaminados vendidos no nosso país é sempre a China”, diz a deputada democrata Rosa De Lauro.
PASSE LIVRE
O FDA só inspeciona 1% de todos os alimentos importados - isto é, de mais de 8,9 milhões de carregamentos que chegaram aos EUA em 2006, a agência inspecionou menos de 21 mil. “A maioria dos alimentos importados tem passe livre, a fiscalização é frouxa”, diz Michael Doyle, diretor do Centro de Segurança dos Alimentos da Universidade da Geórgia.
E o problema pode se agravar. Atualmente, os EUA importam 15% de todos os alimentos que consomem. A projeção é que , em 2020, o país importe 50% de seu suprimento. “Precisamos consertar o sistema de fiscalização agora”, diz Doyle.
Mas faltam recursos para que o FDA, que é muito mais focado na área farmacêutica, aja de forma eficiente. Hoje em dia, a agência não inspeciona as fábricas no exterior onde são produzidos os alimentos. isso deveria ficar a cargo das empresas americanas que importam os alimentos. O FDA, por sua vez, deveria verificar se os importadores estão monitorando os exportadores. Na prática, nada disso funciona.
“O sistema de inspeção de alimentos nos EUA entrou em colapso”, diz a deputada Rosa De Lauro. Na semana passada, ela apresentou uma proposta de lei que aumenta o escopo da ação do FDA, com a criação de um sistema de alerta imediato para alimentos contaminados, maior rigor nos rótulos dos produtos e registros de importação, e multas para empresas que demoram a fazer recalls.
PÂNICO
Donos de animais nos EUA estão em pânico. Foram criados inúmeros sites na internet com as listas das rações que passaram por recall e receitas para fazer as refeições do bicho de estimação em casa.
Cecil, o cachorro da analista de crédito Leslie Garber, passou dois dias jantando cachorro-quente e frango. “A comida dele acabou e eu não confio mais em nenhuma marca vendida no supermercado, resolvi dar comida de gente”, diz Leslie. Para Emily Roderer, que trabalha em uma casa de repouso, foi um sinal de alerta. “De agora em diante, eu, meu marido, meus dois cachorros e dois gatos só comeremos alimentos sem nenhum aditivo, que custam quatro vezes mais”, disse Emily.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 22 MAI 07