Primeiro “guru” da administração, Peter Drucker, deixou uma obra que é hoje mais atual do que quando foi publicada
Há pouco mais de um ano, falecia aos 95 anos de idade Peter Drucker, considerado unanimemente o teórico da administração por excelência. Esta é, sem dúvida, sua faceta mais popular, mas apenas nos oferece uma visão parcial de toda sua produção intelectual. Ele se definia como um “ecologista social” que estudava o ambiente criado pelo homem. Como seu objeto de estudo, sua obra magna é hoje mais atual do que quando foi publicada. Peter Ferdinand Drucker nasceu em Viena em 1909 no seio de uma família culta, fermento de sua vocação literária e de sua inquietude intelectual. Estudou direito em Hamburgo e Frankfurt, enquanto trabalhava, primeiro na empresa exportadora e, depois, como jornalista.
Diante do avanço do nazismo, abandonou a Alemanha e se estabeleceu em Londres, onde trabalhou para uma empresa financeira e assistiu às aulas de John Maynard Keynes. Em 1937, se mudou para os Estados Unidos. Tempos depois, se tornou professor e consultor, atividades que alternou com a de escritor.
Suas primeiras publicações americanas — The End of Economic Man e The Future of Industrial Man — são análises sociais e políticas brilhantes. The Future of Industrial Man foi o primeiro livro que indicou que a corporação empresarial é uma organização social, uma comunidade, ao mesmo tempo que é um órgão econômico. Esta obra moveu a General Motors a lhe propor que analisasse sua estrutura e suas políticas empresariais. Este seria a origem de Concept of the Corporation (1946), em que Drucker demonstra sua singularidade e sua capacidade criativa ao aplicar a análise política ao estudo das corporações. Ao analisar a empresa dentro da sociedade, Drucker destaca que a corporação precisa estar organizada de tal forma que cumpra suas obrigações sociais ao procurar seu próprio interesse mediante a busca do benefício.
Ao que se refere ao seu trabalho no colosso do automóvel, Drucker examina explicitamente, em muitos casos pela primeira vez, grandes temas como o exercício da liderança, a formulação de estratégias, a definição das políticas básicas e o estabelecimento de critérios objetivos de decisão, que deveriam constituir os pilares do funcionamento de uma organização. A partir de então, Drucker dará seu conselho a grandes empresas e instituições, de General Electric a Citibank ou Sears, tornando-se o primeiro “guru” da administração. Em suas obras dedicadas mais especificamente à direção de empresas, esclarece sua penetrante concepção de quais são os fundamentos da descentralização e a responsabilidade, da promoção dos trabalhadores e diretores, do desenho dos postos de trabalho, do papel do benefício, da direção por objetivos, entre outros.
O pensamento de Drucker sobre a arte de governar é único e polifacético ao mesmo tempo. Partiu da filosofia social, passou a estudar as organizações da sociedade industrial e foi parar na administração, para finalmente repensar a sociedade pós-industrial e do conhecimento. Drucker lançou uma luz poderosa sobre a crescente complexidade da sociedade ao contemplá-la como uma sociedade das organizações e instituições que, graças ao seu caráter integrado, reduzem e administram a complexidade. Como confessa em sua autobiografia, alternou livros de síntese social e política e obras sobre administração, alternância aguda, filha de uma visão avançada.
Entre as organizações configuradoras da “grande sociedade”, destacam-se certamente as empresas por sua influência. Por sua vez, as corporações estão dominadas pelo ethos de nossa época, de forma que não convém uma gestão empresarial neutra. Esta mútua retroalimentação é um dos grandes descobrimentos e, sem dúvida, um dos “segredos” de seu sucesso como “profeta” da administração. Precisamente o progresso da sociedade pós-industrial e do conhecimento é o que colocou mais em destaque a oportunidade das instituições empresariais.
Além de difundir o sentido atual de administração e de outros conceitos, como recursos humanos, descentralização, eficácia, trabalhador do conhecimento, direção por objetivos, antecipou tendências e descontinuidades: as características da pós-modernidade, a influência das mudanças tecnológicas no trabalho e na empresa, o principal papel da inovação e do empreendedorismo, a crise do reducionismo econômico e a queda de um de seus devedores, o totalitarismo marxista. Escreveu mais de 30 obras, às quais se pode acrescentar dezenas de artigos, tanto científicos como jornalísticos.
A título de exemplo, vale lembrar que é o autor com mais trabalhos publicados na prestigiosa Harvard Business Review.
A única objeção de peso é que, ao longo dos anos de estudo da obra de Drucker, notei não a repetição na qual freqüentemente cai, o auto-elogio compreensível ou a possível acusação de “superficial” (em muitas páginas é, mas quer sê-lo e, além disso, penso que está francamente legitimado para sê-lo). O único “porém” é que, dispondo de tão ampla formação intelectual, não tenha dedicado mais esforços e talento às grandes perguntas que estão nos fundamentos do comportamento humano nas organizações que, por outro lado, não evita delinear.
Fonte: DCI - 02 MAR 07