As vantagens oferecidas pelo pregão preocupam operadores do Direito devido a alguns abusos que vêm sendo cometidos
O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou recentemente uma série de licitações realizadas pela Prefeitura de São Paulo referentes a serviços de engenharia para obras de recapeamento em vias públicas. Em apelação de nº 361.407.5/0-00, o relator José Habice justificou que a contratação das empresas não poderia ser feita pelo município através da modalidade de licitação-pregão.
Em sua decisão, o TJ-SP deixou evidente que os serviços de engenharia, por sua natureza, não podem ser considerados serviços comuns, ao contrário do que ocorre em outras áreas, passíveis de contratação por meio de modalidade de licitação-pregão. O relator fundamentou sua decisão em outros processos julgados pelo Tribunal no mesmo sentido, bem como se apoiou na melhor doutrina.
A modalidade de licitação-pregão surgiu no ordenamento jurídico de maneira inconstitucional. Apareceu primeiro na lei de criação da Anatel, causando verdadeiro furor jurídico, na medida em que, por se tratar de matéria de licitação, deveria se dar por meio de uma norma geral que fosse aplicável a todos os entes federados — e não somente à Anatel. Dessa forma, a única alternativa que restou ao Estado foi a extensão de sua aplicação a todos, finalizando na Lei nº 10.520/2002.
No início, todos desconfiavam dessa modalidade. Com o passar dos anos, porém, o pregão se transformou em uma unanimidade no setor de compras públicas, uma vez que resulta em economia financeira e de tempo durante o processo licitatório — tanto que vem sendo largamente utilizado em níveis federal, estaduais e municipais.
Mas as vantagens oferecidas pelo pregão começam a preocupar os operadores do Direito devido a alguns abusos que vêm sendo cometidos. Sem dúvida, os casos mais corriqueiros decorrem da tentativa de se contratar obras de engenharia por meio dessa modalidade. Isso tem gerado diversas teses, advindas não somente dos administradores públicos, mas também de nossos doutrinadores, muitos renomados no meio jurídico e reconhecidos pela participação na vida pública brasileira.
Alguns sustentam que não há proibição expressa na lei para a contratação dos serviços de engenharia pelo pregão. Por esse raciocínio, não se poderia dizer que, a priori, há proibição do emprego do pregão na contratação de serviços de engenharia. Mais: ao ser utilizado na contratação de bens e serviços comuns, o pregão também não excluiria a possibilidade de contratação com a aferição da técnica ou da qualidade dos produtos. Também há quem defenda a possibilidade de utilização da modalidade pregão sempre que o certame puder ser realizado pelo tipo menor preço. Ambos os casos parecem tratar de fórmulas simplistas. A lei não proibiu expressamente a contratação de obras de engenharia, tendo em vista que já definiu os bens e serviços que podem ser contratados por meio do pregão, sejam eles motivados por padrões usuais no mercado e encontrados de forma padronizada, o que os torna verdadeiras commodities. Ocorre que as obras de engenharia não estão dentro destas características.
No caso do recapeamento asfáltico, não há dúvidas da necessidade de se fazer um estudo do local onde será realizado o serviço e da utilização de material adequado. A possibilidade de se aferir a qualidade técnica dos bens e serviços não combina com a natureza célere desta modalidade de licitação. Na verdade, existe o mito de que sempre se estará economizando tempo e dinheiro com o pregão. Mas isso não passa de um mito. Primeiro, porque velocidade não é sinônimo de eficiência. Depois, porque uma definição de resultado em torno do valor baixo não retrata qualquer tipo de vantagem para a administração pública.
Um exemplo disso é a famigerada “operação tapa- buraco” empreendida pelo Governo Federal. A licitação para os serviços se deu de forma extremamente rápida, embora sua ineficácia tenha sido inversamente proporcional, sobretudo quando se percebe que a maioria dos buracos está novamente no caminho dos motoristas. Ou seja, o governo desperdiçou dinheiro público.
O entendimento de que a modalidade pregão possa ser utilizada sempre que o objeto licitado seja adquirido pelo tipo menor preço subestima o trabalho do Legislativo, na medida em que esse tipo de licitação é obrigatório para o pregão. Isso não quer dizer, porém, que não existe diferença entre os bens e serviços licitados por meio do pregão e os licitados por concorrência.
No caso dos serviços e obras de engenharia, o cenário é completamente diferente, exigindo a aplicação da licitação pelo tipo melhor técnica e/ou melhor técnica e preço. Se isso traz maior lentidão ao processo, acaba por garantir maior eficiência ao serviço prestado. Mais do que nunca, deve-se salientar que o problema com a demora e as contratações caras não decorrem da utilização desta ou daquela modalidade de licitação. O problema é de má gestão nas compras públicas, motivada pela falta de perícia de nossos administradores.
O Tribunal de Justiça de São Paulo acertou em sua decisão de anular as licitações da Prefeitura de São Paulo. Resta torcer para que o Poder Judiciário continue a agir dessa forma, tratando a questão com a seriedade que ela merece.
Fonte: DCI - 26 FEV 07