O retorno de um funcionário após um período de afastamento pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) gera inúmeras dúvidas tanto para o RH quanto para o próprio trabalhador. A principal delas surge no momento de uma eventual demissão: o tempo de afastamento conta? Como ficam as férias, o 13º salário e o FGTS?
A resposta curta é: depende do tipo de afastamento.
Este artigo é um guia definitivo para entender como a suspensão do contrato de trabalho durante o auxílio-doença impacta o cálculo final da rescisão. Desconhecer essas regras pode levar a pagamentos incorretos, passivos trabalhistas ou, no caso do empregado, a uma perda significativa de direitos.
O ponto central é que um cálculo rescisão após auxílio-doença correto exige, antes de tudo, a identificação da natureza do benefício.
A Diferença Fundamental: Suspensão vs. Interrupção do Contrato
Para entender os cálculos, precisamos firmar dois conceitos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho):
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Interrupção: Ocorre quando o empregado não trabalha, mas a empresa continua pagando o salário e o tempo de serviço conta normalmente (ex: férias, licença-maternidade, domingos e feriados).
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Suspensão: Ocorre quando o empregado não trabalha, a empresa não paga o salário (a partir do 16º dia) e o tempo de serviço não conta para a maioria dos fins (ex: auxílio-doença comum, falta injustificada).
O auxílio-doença, em regra, é uma causa de suspensão do contrato de trabalho, conforme o Art. 476 da CLT. Isso significa que, durante o período de afastamento (após os primeiros 15 dias, que são pagos pela empresa), o contrato está "congelado".
No entanto, o "congelamento" não é total e muda drasticamente dependendo do código do benefício.
Auxílio-Doença Comum (B31) vs. Acidentário (B91): O Ponto Chave
Este é o divisor de águas. O impacto nas verbas rescisórias depende inteiramente se o afastamento foi por uma doença comum ou uma doença/acidente relacionado ao trabalho.
Auxílio-Doença Comum (Código B31)
É o benefício concedido por uma doença ou acidente que não tem relação com o trabalho (ex: uma cirurgia de apendicite, uma lesão praticando esporte no fim de semana).
Consequências do B31:
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Contrato: Suspenso.
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Depósito de FGTS: A empresa NÃO precisa depositar o FGTS durante o período de afastamento.
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Estabilidade: NÃO há estabilidade após o retorno. O funcionário pode ser demitido imediatamente após a alta (respeitando o exame de retorno ao trabalho, que deve atestá-lo como apto).
Auxílio-Doença Acidentário (Código B91)
É o benefício concedido por acidente de trabalho, trajeto ou doença ocupacional (desenvolvida em função do trabalho).
Consequências do B91:
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Contrato: Suspenso, mas com características de interrupção para fins específicos.
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Depósito de FGTS: A empresa É OBRIGADA a continuar depositando o FGTS mensalmente, como se o funcionário estivesse trabalhando (Art. 15, § 5º da Lei 8.036/90).
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Estabilidade: HÁ estabilidade provisória. O funcionário NÃO PODE ser demitido sem justa causa por 12 meses após a alta do INSS (Art. 118 da Lei 8.213/91).
O Impacto em Cada Verba Rescisória: O Guia Detalhado
Agora, vamos analisar como o B31 e o B91 afetam cada item do cálculo de rescisão, caso a demissão ocorra após o retorno.
1. Estabilidade Provisória (O Direito de NÃO ser Demitido)
Este é o primeiro e mais importante impacto.
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Se o afastamento foi B31 (Comum): Não há estabilidade. A empresa pode demitir o funcionário no dia seguinte ao seu retorno (desde que o ASO de retorno o considere apto). A rescisão segue o rito normal de uma demissão sem justa causa.
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Se o afastamento foi B91 (Acidentário): O funcionário tem 12 meses de estabilidade.
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Demissão durante a estabilidade: Se a empresa optar por demiti-lo mesmo assim, deverá pagar, além de todas as verbas rescisórias normais, uma indenização correspondente a todos os salários e benefícios (13º, férias, FGTS) que o funcionário receberia até o fim do período de estabilidade. Isso torna a demissão extremamente cara.
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2. Aviso Prévio
O aviso prévio (trabalhado ou indenizado) não pode ser concedido enquanto o contrato está suspenso. Se a empresa decidir demitir o funcionário que retornou (e não tem estabilidade B91), o aviso só pode começar a contar após a data da alta médica e do retorno efetivo ao trabalho.
3. Férias (O Ponto Mais Crítico)
Aqui está a regra mais complexa do cálculo rescisão após auxílio-doença.
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Afastamento B31 (Comum): O Art. 133, IV da CLT é claro: se o funcionário ficar afastado por auxílio-doença (comum) por mais de 6 meses (180 dias), contínuos ou não, DENTRO do mesmo período aquisitivo, ele PERDE o direito às férias daquele período.
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Exemplo: O período aquisitivo de João é 01/01/2023 a 31/12/2023. Se ele ficar de B31 de 01/03/2023 a 01/10/2023 (7 meses), ele perde o direito às férias desse período. Um novo período aquisitivo se inicia no dia em que ele retorna ao trabalho.
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Impacto na rescisão: Se ele for demitido logo após retornar, a empresa não deverá pagar férias vencidas (pois ele as perdeu) e só pagará férias proporcionais contadas a partir do dia do seu retorno.
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Afastamento B91 (Acidentário): A regra dos 6 meses NÃO se aplica. A jurisprudência (decisões judiciais) entende que, como o afastamento foi culpa do ambiente de trabalho, o funcionário não pode ser penalizado. O período aquisitivo é apenas "congelado" (suspenso) e retoma sua contagem de onde parou quando o funcionário retorna.
4. 13º Salário
O 13º salário é pago de forma dividida durante o afastamento.
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Empresa: Paga o 13º proporcional aos meses efetivamente trabalhados no ano (contando os 15 primeiros dias de atestado).
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INSS: Paga o "Abono Anual", que é o 13º salário correspondente ao período em que o funcionário esteve recebendo o benefício.
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Impacto na rescisão: Se o funcionário retorna em outubro e é demitido em dezembro, a empresa calculará o 13º proporcional na rescisão referente aos meses trabalhados após o retorno (Ex: (Outubro + Novembro + Dezembro) = 3/12 avos, mais o aviso prévio se indenizado). O período de afastamento não entra no cálculo da empresa, pois já foi coberto pelo INSS.
5. FGTS e a Multa de 40%
Este é o segundo ponto de maior impacto financeiro, junto com a estabilidade. A multa de 40% (em caso de demissão sem justa causa) incide sobre o saldo total do FGTS do funcionário.
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Afastamento B31 (Comum): Como a empresa não depositou FGTS durante o afastamento, o saldo do funcionário parou de crescer. A multa de 40% incidirá apenas sobre o valor que estava lá antes do afastamento, mais os depósitos feitos após o retorno. O "buraco" do afastamento não entra na base de cálculo.
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Afastamento B91 (Acidentário): Como a empresa era obrigada a depositar o FGTS durante todo o afastamento, o saldo continuou crescendo normalmente. A multa de 40% incidirá sobre o valor total, incluindo os depósitos feitos durante o período de licença.
Passo a Passo: Como Realizar o Cálculo Rescisão Após Auxílio-Doença
Para garantir que nada seja esquecido, siga estes passos ao se deparar com uma demissão pós-INSS:
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Identifique o Benefício: É B31 ou B91? Peça o "Comunicado de Decisão" ou a "Carta de Concessão" do INSS. Esta é a etapa mais importante.
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Verifique a Estabilidade: Se for B91, o funcionário está nos 12 meses de estabilidade? Se sim, a demissão (sem justa causa) é desaconselhada ou exigirá indenização.
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Analise o ASO de Retorno: O funcionário foi considerado "apto" pelo médico do trabalho? A demissão de um "inapto" é nula.
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Calcule as Férias: Se B31, verifique o período aquisitivo. O afastamento ultrapassou 6 meses dentro do mesmo período? Se sim, ele perdeu o direito. Se B91, apenas congele a contagem e retome do retorno.
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Calcule o 13º Proporcional: Conte apenas os meses trabalhados no ano da rescisão (antes dos 15 dias de atestado + após a alta).
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Calcule a Multa do FGTS: Solicite o extrato do FGTS. Se B31, o saldo estará "congelado" no período. Se B91, os depósitos devem estar lá. A multa de 40% incide sobre o saldo total na data da rescisão.
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Some as Verbas Normais: Não se esqueça do básico: Saldo de Salário (dias trabalhados no mês da rescisão) e Aviso Prévio (indenizado ou trabalhado).
Conclusão
O afastamento pelo INSS não é um evento simples. Ele "congela" o contrato, mas cria obrigações e regras específicas que fogem ao cálculo padrão de rescisão.
Ignorar a diferença entre o auxílio-doença comum (B31) e o acidentário (B91) é o maior erro que uma empresa pode cometer. O B91 gera estabilidade e obriga o depósito de FGTS, tornando um cálculo rescisão após auxílio-doença drasticamente mais caro e complexo caso a estabilidade não seja respeitada.
Para o trabalhador, entender esses pontos garante que ele não perca direitos, especialmente em relação às férias (no caso do B31) ou à estabilidade (no caso do B91). Em ambos os cenários, a assessoria de um contador ou advogado trabalhista é fundamental para garantir a precisão dos valores.









