Segunda, 29 Abril 2024

“Grandes projetos de infraestrutura precisam ser parte de uma política de governo”

Tarcisio Cais das LetrasO túnel ligando Santos a Guarujá é um dos projetos mais importantes dentro da proposta de desestatização do Porto de Santos, podendo impactar profundamente na relação porto-cidades. Mais do que solucionar questões de logística do complexo santista, o projeto de ligação seca via imersa pode resolver um problema centenário da travessia das balsas no estuário. Sabe-se que o tráfego intenso de navios – que tende a aumentar com a ampliação da movimentação de cargas – interrompe a passagem das balsas, o que exige pensar alternativas para melhoria da mobilidade pública e possibilitar o desenvolvimento do Porto.

Engenheiro reconhecido internacionalmente como um dos maiores especialistas em túneis, Tarcísio Barreto Celestino fala sobre o projeto da ligação seca via imerso em um momento em que o tema é amplamente discutido e ganha força para sua realização. A entrevista integra a série em comemoração aos 130 anos do Porto de Santos neste mês.

Atualmente, o projeto do túnel da Dersa, defendido por Celestino, serve de base hoje para outra proposta da Autoridade Portuária, inserido no processo de desestatização do Porto de Santos. Que adaptações importantes este projeto atual precisaria ter? O engenheiro fala sobre a importância do túnel para o desenvolvimento da região da Baixada Santista e para a mobilidade pública, sobre o impacto para a qualidade de vida das pessoas e para a economia e conforto para a população.

Tarcísio Barreto Celestino é graduado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mestre e doutor em Engenharia Civil pela University of California, Berkeley. Atualmente, atua como professor doutor no Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos (USP) e como gerente de Engenharia Civil da Themag Engenharia. Foi professor convidado dos programas de Mestrado em Obras Subterrâneas do International Institute for Infrastructural, Hydraulic and Environmental Engineering (IHE), Delft, Holanda e da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça.

Celestino presidiu a International Tunnelling and Underground Space Association (ITA, sediada em Genebra, Suíça) de 2016 a 2019, e hoje atua no Conselho Executivo da associação. Tem experiência em pesquisas com obras subterrâneas e vem atuando em importantes projetos de diversos países. Confira a entrevista:

Como vê o avanço da proposta do projeto do túnel na região? Você acredita que este projeto finalmente pode sair do papel?
Me sinto feliz de ver que algo está acontecendo, mas institucionalmente não posso dizer que desta vez sairá do papel. Acho louvável o governo federal mover pauzinhos de alguma maneira, a maneira coerente como está sendo encaminhada, depois de tudo o que vivi, na própria pele. Coordenei o projeto do túnel da Dersa, acompanhei o processo em dois pedidos de financiamento e nada foi para frente.

Ao longo da história, os projetos de ligação seca propostos na Baixada Santista buscaram uma relação entre melhoria da logística portuária e da mobilidade pública da região? Quais deles mais se aproximaram de uma proposta ideal para a região?
Dos projetos que já foram realizados, o da Dersa foi o que chegou mais perto, com projeto executivo de engenharia, licitação, solicitação de financiamento, foi quando a bola passou mais perto do gol. Ainda não vejo a bola perto do gol porque esta fase ainda não é a do gol, mas não sou entendido dos processos institucionais, e me sinto esperançoso.

O processo político pode interferir? Falta um planejamento de governo em infraestrutura?
O processo político pode interferir. Gostaria de viver em um país em que os grandes projetos de infraestrutura fossem parte de uma política de governo. No projeto da Dersa, governo federal e estadual tinham opiniões diferentes e isso atrapalhou. A infraestrutura deve andar independente da política, para o país rodar bem. Cito o exemplo da cidade de Estocolmo (Suécia), que é muito menor que São Paulo, onde fizeram o projeto de um anel viário, baseado em uma política de infraestrutura que não tem a ver necessariamente com um viés mais liberal ou social. Sou engenheiro, dou aula sobre como fazer infraestrutura, trabalho para uma empresa que vende projetos de infraestrutura. O Fórum Econômico Mundial classifica países por PIB, e nós somos a 10ª economia do mundo e a 113ª posição em infraestrutura!

Vivi, quando me formei em Engenharia, uma política a favor da infraestrutura. Não somente o governo que pensa no social tem que pensar na infraestrutura: a rapidez com que o trabalhador chega na sua casa tem a ver com infraestrutura. O metrô de São Paulo fez uma enquete bonita quando terminou de construir a linha 4 Amarela – o trabalhador agora leva 40 min do trabalho até sua casa, e antes levava duas horas, e o metrô construiu história sobre isso, foi falar com a população, com gente que usava esse transporte. Com o metrô, os jovens têm mais tempo para se divertir, os idosos podem descansar, e isso é poder escolher o que fazer ao invés de ficar pendurado num ônibus durante horas do dia. Isso não é assunto de rico. Com o túnel, não seria preciso gastar meia hora para atravessar a balsa entre Santos e Guarujá, mas apenas 5 minutos.

O fluxo de demanda de tráfego para a construção da ligação seca já existe. Diariamente, 20 mil veículos já atravessam de um lado para o outro entre Santos e Guarujá, deixando um rastro de fumaça. Na fila da balsa o motorista liga o carro, anda 10 metros, e isso gera mais poluentes que um carro trafegando a 50 km/h. O impacto negativo da balsa a ser corrigido pelo túnel é muito forte.

Depois do projeto da Dersa, a Autoridade Portuária abriu processo de doação de estudos para o túnel. Que alterações seriam necessárias no novo projeto?
Cabem muitas otimizações, há defeitos passiveis de otimizações, que vêm das incongruências entre governo do Estado e Autoridade Portuária à época do desenvolvimento do projeto da DERSA, que estão sempre em lados opostos.

Há otimizações no calado possíveis, para se repensar o custo. A primeira concepção de emboque de túnel no lado Santos não tinha desapropriação. A ideia inicial era construir o emboque do túnel na Avenida Portuária e a Autoridade Portuária embargou, porque não queria mais tráfego ali. Então, após idas e vindas da Autoridade Portuária, levou-se o emboque para dentro da cidade e lá há casas, isso não agrada todo mundo; eu também não gostaria que desapropriassem minha casa. Podendo evitar desapropriações, melhor... A última concepção do túnel chegando no Cais de Outeirinhos foi a solução de compromisso entre a posição da Autoridade Portuária e a Prefeitura.

Tudo na ocasião era difícil, por causa do posicionamento contrário entre governo estadual e governo federal. Perde a população. Talvez com uma postura mais cooperativa da Autoridade Portuária, esse projeto tivesse saído do papel no tempo devido. As desavenças entre governo federal e estadual atrapalharam historicamente.

Visitei a obra do Canal do Panamá há uns dez anos para o alongamento e o aprofundamento das eclusas que eram apropriadas para o navio Panamax, com 14m de calado. Lá estavam ampliando para cerca de 16m de calado, que é a ampliação que o Porto necessitará fazer para receber o navio super Panamax. Um calado de 21m foi o que a Autoridade Portuária solicitou, mas não precisa isso tudo, esta é uma das otimizações a serem feitas no projeto atual. A condição geológica do Porto não é compatível com calado de 21m, e custaria muito fazer isso no estuário todo. Diminuir o calado do túnel seria uma opção mais barata, com rampas de acesso mais curtas. O calado maior exigido pela Autoridade Portuária não só alongou as rampas como exigiu juntas de vedação mais caras.

Hoje se diz que o valor do túnel foi reduzido em relação ao valor da ponte e isso não me surpreende. Não dá para comparar alhos com bugalhos. Uma ponte com todos os elementos do túnel (com 3 faixas, passagem para pedestres, ônibus, skate, VLT e automóveis), seria muito mais cara.

A ponte ganhou um gabarito mais alto e quanto mais alta, mais longo o acesso a ela, maiores os custos operacionais. Além do mais, com a ponte tendo mesmo número de faixas, exclusivas para bicicleta, pedestre, automóvel e skate, o valor da obra seria mais alto, não dá para comparar.

Essa é uma travessia com DNA de túnel imerso. E o debate tem que ser entre especialistas.

Que contribuições os túneis trouxeram para os portos mais desenvolvidos se tornarem referência no mundo?
Vou citar apenas os portos de Roterdã e o de Hong Kong. Neste último, um túnel lmerso foi recentemente finalista na cerimônia de prêmios da Associação Internacional de Túneis.

No caso do túnel ligando Santos a Guarujá, eu não enxergo um enfoque maior na solução da logística portuária. Sei que em alguma coisa vai beneficiar, porque há caminhões que têm que carregar contêineres de um lado paro o outro, mas as cidades se beneficiam muito mais. A falta do túnel é um atravancamento para o trânsito da Baixada Santista e um impacto enorme. Hoje ninguém pode fazer isso, mas, com o túnel, quem trabalha em Santos vai poder almoçar em Guarujá, vai estar a cinco minutos de travessia, e o impacto urbanístico e imobiliário ninguém consegue prever.

Em Maringá (SC), onde enterraram uma ferrovia (também uma barreira separando a cidade em duas), alterou-se a rotina da cidade. Houve benefícios de economia, um boom de desenvolvimento na cidade. O centro mudou, e hoje os benefícios são incomensuráveis. Percebe-se o impulso de economia na vida das pessoas.

O assunto é de Engenharia, e assim tem que ser tratado. Não deveria ser político. Um médico não deixaria acontecer interferência política na sua área.

O Porto opera sem a ligação seca, sem o túnel, mas as cidades de Santos e Guarujá, não. Ponte ou túnel, a necessidade pode surgir do aspecto urbano e rodoviário. A Ecovias defende a travessia por ponte, mas hoje, no mundo, as regiões portuárias, como ocorreu em Roterdã, começaram a fazer ponte e hoje derrubam essas obras para fazerem túneis, como também ocorreu em Hong Kong e em Oslo.

A ponte Golden Gate está na entrada da Baía de San Francisco, entrada para mais de um porto. Quando da passagem de um navio sob a ponte em junho de 2021, com destino ao porto de Oakland, um dos mais importantes, foi preciso uma operação especial. O navio carregava um guindaste de mais de 100 m de altura, e como a ponte tem gabarito superior a 100m, foi preciso desmontar parte do guindaste para que a estrutura entrasse no Porto. Os navios não param de crescer para cima. Se houvesse uma ponte aqui, iriam bloquear estes navios no Porto de Santos?

A Noruega tem um litoral muito recordado, e a região dependeu de sistemas de ferry bolt no passado, mas cada vez mais conta com ligações secas, que atendem cerca de 2, 3 mil veículos, sendo que aqui temos 20 mil veículos por dia na travessia Santos-Guarujá. Se você coloca o custo da obra na ponta do lápis, é muito pouco investimento financeiro em comparação com benefícios intangíveis. A cidade é ente vivo que reage a essas melhorias.

Qual a importância do túnel para a qualidade de vida das pessoas (mobilidade pública da região), para o desenvolvimento da região da Baixada Santista e para a mobilidade pública?
É um estudo tão óbvio! Hoje Santos e Guarujá têm o maior serviço de balsa no mundo. Regiões portuárias importantes no mundo já resolveram o problema de travessia e aqui ainda não. Não é motivo de orgulho ter uma balsa tão antiga, um serviço deficiente que paralisa a maior parte do tempo por causa dos navios. Pode-se encomendar um estudo sobre isso. É um sistema totalmente ultrapassado, pois se no passado havia a passagem de um navio por dia, hoje o tráfego intenso de embarcações causa limitações para um porto com essa fisiografia, com uma cidade de um lado e do outro, e a necessidade de uma área metropolitana integrada. Se pensar no número de pessoas que moram de um lado e namoram do outro, em quantas histórias trágicas ocorrem por conta dos atrasos na balsa, como quando a balsa atrasou e o noivo em Santos achou que a noiva, que vinha de Guarujá, havia desistido do casamento. Gente que caiu da balsa e morreu no mar, partos que ocorreram em plena travessia. Tudo isso demonstra as demandas de qualidade de vida para uma das áreas metropolitanas mais importantes do país, que precisa de serviços mais eficientes.

Marcia editada* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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